Por Luiz Carlos Facó
Depois de
viver incontáveis lustros, fiz uma reflexão profunda em torno dos meus
sentimentos e aquilato que eles permanecem intatos. Imunes a deformações.
Vivazes como flores frescas e olorosas. Sem o medo de
se estiolarem à mingua de
nutrientes, ar e luz. Sobretudo o maior deles, o amor. O alimento da vida. Não
o desregrado que cancera. Nem o possessivo que maltrata e sufoca. Mas o sincero
que arrebata e paradoxalmente tranquiliza. O que emana calor, apascenta,
socorre, ampara. Aquele de que Victor Hugo, no incomparável romance Os Miseráveis,
diz que “se não houvesse..., apagar-se-ia o sol”.
Através
dela, também constatei que a minha vida seria um oceano de insipidez, caso não
tivesse acumulado, ao longo da existência, todas as lembranças que pude. Mesmo
as que quase foram sufocadas pela poeira levantada durante a longa caminhada
que venho percorrendo. Tal qual fazem os devotos numa procissão.
Conhecidos,
companheiros, amigos e parentes queridos, meus acompanhantes, não suportando a
aridez do terreno, os óbices a transpor, muitos derrearam a meio caminho,
deixando-me, como herança, a recordação dos seus semblantes, a beleza de seus
atos e a grandeza de suas almas.
Nestas
reminiscências que fazem chorar, dilacerando o coração pelos espinhos nele
dolorosamente cravados, e das felizes, todas regalos, prêmios de uma vida, pedras
brutas, impolidas, amontoadas em forma de construção que um dia chegará a ser
completada, é que fui buscar inspiração para a maioria das crônicas que até
aqui escrevi.
Delas, as
recordações, jamais me enfastiei. Tenho-as guardadas como vício. Agora resolvi
descobri-las do manto que as esconde. Sem medo, sem hipocrisias. Sem
dissimulação. Para alguns, um edito obrigatório do código da polidez. Não para
mim. Desnudo-me e a elas de clausura onde se encontravam. Nas certeza de que
uma vida, por mais opaca que pareça contém episódios com brilho próprio que
merecem revelações.
Convicto de
que a única confissão é a palavra escrita, garimpei as lembranças que pude, não
para dar-lhes viço, mas para submetê-las a este tribunal da penitência,
constituído por vocês, amigos leitores, onde pudessem julgá-las. Porque, só
esta congregação soberana, que reúne juízes probos, é capaz de imolar e
perdoar.
Se, como eu,
todos esses magistrados têm no amor a razão de suas vidas, e nas lembranças, o
norte de seus objetivos, minha sentença, espero, será favorável.
Sei que
minhas crônicas terão dificuldades de extrapolarem os limites provinciais,
porque elas só dizem da nossa terra, da nossa gente. Muito embora, no íntimo,
açulado pela vaidade, espere que o fabuloso André
Gide, uma das mais altas expressões do mundo das letras, tenha razão ao
asseverar que quanto mais uma literatura se revista de aspectos regionais,
maior é sua oportunidade de se projetar e tornar universal. Mesmo rodeado por
tais incertezas, amenizadas pelo represamento das esperanças que complementam a
minha vida, entrego-as, a vocês, leitores deste Blog, com carinho, pois foram
elaboradas com as incendiárias fagulhas da paixão, a partir das próximas
postagens que me proponho fazer, em edições subsequentes.
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