quarta-feira, 2 de abril de 2014

CONFITEOR


Por Luiz Carlos Facó




Depois de viver incontáveis lustros, fiz uma reflexão profunda em torno dos meus sentimentos e aquilato que eles permanecem intatos. Imunes a deformações. Vivazes como flores frescas e olorosas. Sem o medo de
se estiolarem à mingua de nutrientes, ar e luz. Sobretudo o maior deles, o amor. O alimento da vida. Não o desregrado que cancera. Nem o possessivo que maltrata e sufoca. Mas o sincero que arrebata e paradoxalmente tranquiliza. O que emana calor, apascenta, socorre, ampara. Aquele de que Victor Hugo, no incomparável romance Os Miseráveis, diz que “se não houvesse..., apagar-se-ia o sol”.
Através dela, também constatei que a minha vida seria um oceano de insipidez, caso não tivesse acumulado, ao longo da existência, todas as lembranças que pude. Mesmo as que quase foram sufocadas pela poeira levantada durante a longa caminhada que venho percorrendo. Tal qual fazem os devotos numa procissão.
Conhecidos, companheiros, amigos e parentes queridos, meus acompanhantes, não suportando a aridez do terreno, os óbices a transpor, muitos derrearam a meio caminho, deixando-me, como herança, a recordação dos seus semblantes, a beleza de seus atos e a grandeza de suas almas.
Nestas reminiscências que fazem chorar, dilacerando o coração pelos espinhos nele dolorosamente cravados, e das felizes, todas regalos, prêmios de uma vida, pedras brutas, impolidas, amontoadas em forma de construção que um dia chegará a ser completada, é que fui buscar inspiração para a maioria das crônicas que até aqui escrevi.
Delas, as recordações, jamais me enfastiei. Tenho-as guardadas como vício. Agora resolvi descobri-las do manto que as esconde. Sem medo, sem hipocrisias. Sem dissimulação. Para alguns, um edito obrigatório do código da polidez. Não para mim. Desnudo-me e a elas de clausura onde se encontravam. Nas certeza de que uma vida, por mais opaca que pareça contém episódios com brilho próprio que merecem revelações.
Convicto de que a única confissão é a palavra escrita, garimpei as lembranças que pude, não para dar-lhes viço, mas para submetê-las a este tribunal da penitência, constituído por vocês, amigos leitores, onde pudessem julgá-las. Porque, só esta congregação soberana, que reúne juízes probos, é capaz de imolar e perdoar.
Se, como eu, todos esses magistrados têm no amor a razão de suas vidas, e nas lembranças, o norte de seus objetivos, minha sentença, espero, será favorável.
Sei que minhas crônicas terão dificuldades de extrapolarem os limites provinciais, porque elas só dizem da nossa terra, da nossa gente. Muito embora, no íntimo, açulado pela vaidade, espere que o fabuloso André Gide, uma das mais altas expressões do mundo das letras, tenha razão ao asseverar que quanto mais uma literatura se revista de aspectos regionais, maior é sua oportunidade de se projetar e tornar universal. Mesmo rodeado por tais incertezas, amenizadas pelo represamento das esperanças que complementam a minha vida, entrego-as, a vocês, leitores deste Blog, com carinho, pois foram elaboradas com as incendiárias fagulhas da paixão, a partir das próximas postagens que me proponho fazer, em edições subsequentes.


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