Por CONSUELO PONDÉ
Tema bastante versado na historiografia
brasileira, ainda se constitui num inquietante assunto, porque nos
conduz ao
campo da ideologia, que implica no exame das ideias construídas no tempo e no
espaço nas mais diversas sociedades.
Claro
que refletir sobre a ideologia recai no conceito de classes sociais e,
obviamente, na existência de dois grupos diferenciados e opostos no processo de
produção, o fosso imenso que separava senhores e escravos.
Há
alguns anos não existiam preocupações teóricas sobre o assunto, tanto assim que
Gilberto Freyre, em sua clássica obra “Casa Grande e Senzala“, publicada em
1933, não traduz verdadeiramente um modelo aceitável da escravidão patriarcal,
na qual baseou seu conceito de “democracia racial brasileira”, de cunho
ibérico, de natureza paternalista, em contraste com o regime escravista
anglo-saxão, de tipo mais rígido e discriminatório. Visão romântica, por certo,
que passou a ser combatida com veemência a partir dos anos 1950-60. Esse
reexame nasceu dos estudiosos, aparecendo, portanto, interpretações opostas,
que se defrontavam, daí o tema ser exaustivamente debatido, a partir de novas
reflexões.
Caio
Prado Junior, autor da obra capital: “Formação do Brasil Contemporâneo, de
tendência marxista, refere-se à colonização dos trópicos como uma decorrência
de uma “vasta empresa comercial”, remetendo ao aspecto mercantil como um
imperativo das descobertas atlânticas e a subsequente necessidade de ocupação
dessas áreas conquistadas pelos europeus. Com efeito, mas não exclusivamente, a
apropriação desses espaços foi feita com objetivos exclusivamente comerciais,
vale dizer explorar as potencialidades dessas terras em proveito do capital
mercantil. A economia colonial voltava-se para a exportação de produtos
exóticos, de mercadorias de elevado preço na Europa.
Para
tanto, essas “atividades” requeriam mão de obra, que àquela altura, não poderia
ser obtida por meio do trabalho livre, que já rareava na Europa dos séculos XVI
e XVII, exceção apenas da Inglaterra, que mal iniciava seu processo de
expropriação dos camponeses. Ademais disso, em vários países ainda perduravam
os vínculos da escravidão, embora, em alguns casos, modificados, restando o
trabalho livre às poucas manufaturas ou às corporações urbanas.
Vale
lembrar que, durante as primeiras décadas da ocupação territorial brasileira,
no século XVI, a mão-de-obra escrava foi preponderantemente nativa, responsável
pela sustentação da atividade açucareira. Por essa razão, o brasilianista
Stuart Schwartz se refere que a estrutura escravista no Brasil surgiu tendo por
base a escravidão indígena, ainda que os africanos houvessem sido introduzidos,
no país, a partir de 1530.
É
por demais sabido que essa modalidade de escravidão apresentou sérias
dificuldades de aplicação, não somente pela baixa densidade demográfica dessas
populações nativas, bem assim sua “organização econômica”, que se baseava na
agricultura de autoconsumo em combinação com a pesca, caça e coleta.
Agravava
esse quadro desfavorável a ocorrência de surtos epidêmicos e a destribalização
progressiva, sem falar nas brigas e disputas intensas entre os nativos,
que
articulavam fugas das plantações e promoviam ataques aos colonos. Aldeias
inteiras migravam para o interior em busca de terras onde não se haviam
estabelecidos os portugueses. Acrescente-se a essas considerações a evidência
de que a vinda dos jesuítas, em 1549, promoveu o estabelecimento dos
aldeamentos indígenas espalhados pelo litoral do Brasil. As disputas entre
colonos e jesuítas conduziram a Coroa portuguesa a emitir provisões e leis
restritivas ao “cativeiro indígena “desde os finais do século XVI, culminando
com a lei de 30 de julho de 1609, na qual foi instituída a “liberdade dos índios,
conforme escreveu Perdigão Malheiros no seu clássico livro: “A escravidão no
Brasil”. Para os inacianos essa lei atendia a seus objetivos missionários. Para
a política régia tinha a ver com os interesses do tráfico que distenderam a
difusão da escravidão negra.
No
Brasil, a indústria açucareira exigiu o aumento de produção, dado o aumento do
preço do açúcar no mercado europeu, do que decorreu o aumento substancial do
tráfico africano.
Não
se pense, porém, que a escravização dos grupos indígenas cessou completamente
no tempo colonial. Persistiu ou renasceu em várias regiões, estendendo-se pelo
Maranhão e pelo Pará durante os séculos XVVII e XVIII. Semelhante situação
ocorreu no próprio litoral durante o século XVII, quando foram apresados
nativos das aldeias jesuíticas do sul, em faca da escassez de escravos
africanos na Bahia e no Rio de Janeiro, por conta de estar Angola sob o domínio
holandês.
Contudo,
é indiscutível que a escravidão africana se impôs no conjunto da sociedade
colonial, prevalecendo na agricultura para exportação e na atividade mineradora
durante muito tempo.
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