terça-feira, 6 de maio de 2014

BREVE RECORTE DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL COLONIAL

Por CONSUELO PONDÉ



Tema bastante versado na historiografia brasileira, ainda se constitui num inquietante assunto, porque nos
conduz ao campo da ideologia, que implica no exame das ideias construídas no tempo e no espaço nas mais diversas sociedades. 
Claro que refletir sobre a ideologia recai no conceito de classes sociais e, obviamente, na existência de dois grupos diferenciados e opostos no processo de produção, o fosso imenso que separava senhores e escravos. 
Há alguns anos não existiam preocupações teóricas sobre o assunto, tanto assim que Gilberto Freyre, em sua clássica obra “Casa Grande e Senzala“, publicada em 1933, não traduz verdadeiramente um modelo aceitável da escravidão patriarcal, na qual baseou seu conceito de “democracia racial brasileira”, de cunho ibérico, de natureza paternalista, em contraste com o regime escravista anglo-saxão, de tipo mais rígido e discriminatório. Visão romântica, por certo, que passou a ser combatida com veemência a partir dos anos 1950-60. Esse reexame nasceu dos estudiosos, aparecendo, portanto, interpretações opostas, que se defrontavam, daí o tema ser exaustivamente debatido, a partir de novas reflexões. 
Caio Prado Junior, autor da obra capital: “Formação do Brasil Contemporâneo, de tendência marxista, refere-se à colonização dos trópicos como uma decorrência de uma “vasta empresa comercial”, remetendo ao aspecto mercantil como um imperativo das descobertas atlânticas e a subsequente necessidade de ocupação dessas áreas conquistadas pelos europeus. Com efeito, mas não exclusivamente, a apropriação desses espaços foi feita com objetivos exclusivamente comerciais, vale dizer explorar as potencialidades dessas terras em proveito do capital mercantil. A economia colonial voltava-se para a exportação de produtos exóticos, de mercadorias de elevado preço na Europa. 
Para tanto, essas “atividades” requeriam mão de obra, que àquela altura, não poderia ser obtida por meio do trabalho livre, que já rareava na Europa dos séculos XVI e XVII, exceção apenas da Inglaterra, que mal iniciava seu processo de expropriação dos camponeses. Ademais disso, em vários países ainda perduravam os vínculos da escravidão, embora, em alguns casos, modificados, restando o trabalho livre às poucas manufaturas ou às corporações urbanas. 
Vale lembrar que, durante as primeiras décadas da ocupação territorial brasileira, no século XVI, a mão-de-obra escrava foi preponderantemente nativa, responsável pela sustentação da atividade açucareira. Por essa razão, o brasilianista Stuart Schwartz se refere que a estrutura escravista no Brasil surgiu tendo por base a escravidão indígena, ainda que os africanos houvessem sido introduzidos, no país, a partir de 1530. 
É por demais sabido que essa modalidade de escravidão apresentou sérias dificuldades de aplicação, não somente pela baixa densidade demográfica dessas populações nativas, bem assim sua “organização econômica”, que se baseava na agricultura de autoconsumo em combinação  com a pesca, caça e coleta. 
Agravava esse quadro desfavorável a ocorrência de surtos epidêmicos e a destribalização progressiva, sem falar nas brigas e disputas intensas entre os nativos,
que articulavam fugas das plantações e promoviam ataques aos colonos. Aldeias inteiras migravam para o interior em busca de terras onde não se haviam estabelecidos os portugueses. Acrescente-se a essas considerações a evidência de que a vinda dos jesuítas, em 1549, promoveu o estabelecimento dos aldeamentos indígenas espalhados pelo litoral do Brasil. As disputas entre colonos e jesuítas conduziram a Coroa portuguesa a emitir provisões e leis restritivas ao “cativeiro indígena “desde os finais do século XVI, culminando com a lei de 30 de julho de 1609, na qual foi instituída a “liberdade dos índios, conforme escreveu Perdigão Malheiros no seu clássico livro: “A escravidão no Brasil”. Para os inacianos essa lei atendia a seus objetivos missionários. Para a política régia tinha a ver com os interesses do tráfico que distenderam a difusão da escravidão negra. 
No Brasil, a indústria açucareira exigiu o aumento de produção, dado o aumento do preço do açúcar no mercado europeu, do que decorreu o aumento substancial do tráfico africano. 
Não se pense, porém, que a escravização dos grupos indígenas cessou completamente no tempo colonial. Persistiu ou renasceu em várias regiões, estendendo-se pelo Maranhão e pelo Pará durante os séculos XVVII e XVIII. Semelhante situação ocorreu no próprio litoral durante o século XVII, quando foram apresados nativos das aldeias jesuíticas do sul, em faca da escassez de escravos africanos na Bahia e no Rio de Janeiro, por conta de estar Angola sob o domínio holandês. 
Contudo, é indiscutível que a escravidão africana se impôs no conjunto da sociedade colonial, prevalecendo na agricultura para exportação e na atividade mineradora durante muito tempo. 


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