O anjo bom da Bahia
Irmã Dulce morreu em 13 de março de 1992, pouco tempo antes de completar
78 anos. A fragilidade com que viveu os últimos 30 anos da sua vida, com a
saúde abalada seriamente - tinha 70% da capacidade
respiratória comprometida -
não impediu que ela construísse e mantivesse uma das maiores e mais respeitadas
instituições filantrópicas do país, batendo de porta em porta pelas ruas de
Salvador, nos mercados, feiras livres ou nos gabinetes de governadores,
prefeitos, secretários, presidentes da República, sempre com a determinação de
quem fez da própria vida um instrumento vivo da fé.
Segunda filha do dentista Augusto Lopes Pontes, professor da Faculdade
de Odontologia, e de Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes, ao nascer em 26
de maio de 1914 em Salvador, Irmã Dulce recebeu o nome de Maria Rita de Souza
Brito Lopes Pontes. Aos 13 anos, ela já havia transformado a casa da família,
na Rua da Independência, 61, num centro de atendimento a pessoas carentes. É
nessa época que ela manifesta pela primeira vez o desejo de se dedicar à vida
religiosa, após visitar com uma tia áreas onde habitavam pessoas pobres.
A sua vocação para trabalhar em benefício da população carente teve a
influência direta da família, uma herança do pai que ela levou adiante, com o
apoio decisivo da irmã, Dulcinha.
Em 8 de fevereiro de 1933, logo após a sua formatura como professora,
Maria Rita entrava para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada
Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Pouco mais de
um ano depois, em 15 de agosto de 1934, era ordenada freira, aos 20 anos de
idade, recebendo o nome de Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe.
A primeira missão de Irmã Dulce como freira foi ensinar em um colégio
mantido pela sua congregação no bairro da Massaranduba, na Cidade Baixa, em
Salvador. Mas, o seu pensamento estava voltado para o trabalho com os pobres.
Já em 1935, dava assistência à comunidade pobre de Alagados e de Itapagipe,
também na Cidade Baixa, área onde viriam a se concentrar as principais atividades
das Obras Sociais Irmã Dulce.
Os primeiros anos do trabalho da jovem missionária foram intensos. Em
1936, ela fundava a União Operária São Francisco, primeiro movimento cristão
operário da Bahia. Em 1937, funda, juntamente com Frei Hildebrando Kruthaup, o
Círculo Operário da Bahia, mantido com a arrecadação de três cinemas que ambos
haviam construído através de doações - o Cine Roma, o Cine Plataforma e o Cine
São Caetano. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugurava o Colégio Santo Antônio,
escola pública voltada para operários e filhos de operários, no bairro da
Massaranduba.
Nesse mesmo ano, Irmã Dulce invadiu cinco casas na Ilha dos Ratos, para
abrigar doentes que recolhia nas ruas. Expulsa do lugar, ela peregrinou durante
uma década, levando os seus doentes por vários lugares, até, por fim,
instalá-los no galinheiro do Convento Santo Antônio, que improvisou em albergue
e que deu origem ao Hospital Santo Antonio, o centro de um complexo médico,
social e educacional que continua com as portas abertas para os pobres da Bahia
e de todo o Brasil.
O incentivo para construir a sua obra, Irmã Dulce teve do povo baiano,
de brasileiros dos diversos estados e de personalidades internacionais. Em
1988, ela foi indicada pelo então presidente da República, José Sarney, com o
apoio da Rainha Sílvia, da Suécia, para o Prêmio Nobel da Paz. Oito anos antes,
no dia 7 de julho de 1980, Irmã Dulce ouviu do Papa João Paulo II, na sua
primeira visita ao país, o incentivo para prosseguir com a sua obra.
Os dois voltariam a se encontrar em 20 de outubro de 1991, na segunda
visita do Sumo Pontífice ao Brasil. João Paulo II fez questão de quebrar o
rigor da sua agenda e foi ao Convento Santo Antônio visitar Irmã Dulce, já
bastante debilitada, no seu leito de enferma. Cinco meses depois da visita do
Papa, os baianos chorariam a morte do Anjo Bom. No velório, na Igreja de Nossa
Senhora da Conceição da Praia, políticos, empresários, artistas, se misturavam
a dor das milhares de pessoas simples, anônimas. Muitas delas, identificadas
com o que poderíamos chamar do último nível da escala social, justamente para
quem Irmã Dulce dedicou a sua obra.
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