Tem
havido algumas manifestações pedindo a volta dos militares ao poder, para deter
a corrupção.
São pessoas assustadas (com muitas razões) com a corrupção nos
governos civis eleitos. Esperam que os militares acabem com essa miserável
prática, que não é somente dos políticos, pois os grandes empresários são os
maiores corruptores. Aliás, não só os grandes.
O
fantasma do anticomunismo, que alguns querem ressuscitar não cola, pois não tem
nenhum partido comunista no governo. O PT, que não fez sequer uma reforma, já
renunciou à sua aura de ético e de esquerda. Pela experiência que tive com os
petistas no Movimento Sindical, posso afirmar que é um misto de organização
política e criminosa. O PCdoB, de comunista tem apenas o nome, pois o seu
oportunismo e carreirismo o colocam no limbo dos demais partidos fisiológicos.
A ética é
a principal questão de princípio de uma organização de esquerda, o que não
ocorre em nenhum partido da base governamental. Não deve haver tolerância
com corrupção, seja ela de farda, de terno, de macacão ou de saia. Todas
nós sabemos da corrupção em associações, sindicatos, ONGS, igrejas, condomínios
residenciais. Abominável.
Porém,
alguns aprendizes de udenismo, não devem ter conhecimento dos grandes golpes
contra o erário nos governos da ditadura.
Não vou
falar dos governos Collor, FHC, LULA e DILMA, cujo comportamento antiético já
foi muito badalado. E deve ser cada vez mais mostrado. Mas, querer idear uma
aura de probos, honestos, éticos aos governos da ditadura é, no mínimo, grande
heresia. Gostam de se enganar apenas porque o principal pretexto alardeado para
o golpe era o combate à corrupção e extirpar o comunismo. Era palavra de ordem,
que perdurou durante toda a ditadura.
Mas era
pura falácia, protegida pela férrea censura aos meios de comunicação, a
entidades associativas e ao Parlamento. Jornalista que ousasse denunciar sofria
graves consequências. Parlamentar que usasse a tribuna para isso, era
sumariamente cassado, além de outras punições.
Os
militares restringiam a visão de corrupção a um ato de desonestidade específica
com o dinheiro público; prática de furtos motivada por vícios adquiridos na
política. Expelindo os viciados, o problema estaria resolvido. Visão simplista,
moralista.
Vejamos:
Após a criação da Comissão Geral de Investigação e instalação de dezenas de
Inquéritos Policiais-Militares, o primeiro governo militar (Castelo Branco),
anunciou a criação de um “Livro Branco da Corrupção”, que seria amplamente
divulgado. Promessa arquivada, pois havia militares envolvidos. Alimentou-se na
época, uma visão heroica para os políticos decentes; o que era, e é, obrigação,
passou a ser uma honraria.
Enquanto isso, escudados nas medidas coercitivas e de severa censura, corruptos
conviviam e participavam dos governos.
Apesar disso, devido à magnitude, o escândalo dos desvios de verbas para a
construção da PONTE
RIO-NITERÓI, veio à tona.
Na
construção da RODOVIA
TRANSAMAZÔNICA, a corrupção vicejou. Não eram apenas desvios ocorridos nos
diversos acampamentos, como o de Marabá, no Pará, onde se falava à boca pequena
que militares adquiriam bens para suas casas e de uso pessoal com dinheiro
público. Havia notícia de grandes roubalheiras. Por causa da repressão não se
apurou o real valor da obra, nem as irregularidades em licitações.
Uma concorrência viciada beneficiou a CAPEMI-CAIXA
DE PECÚLIO DOS MILITARES para, com
exclusividade, através da subsidiária Agropecuária Capemi Ind. e Com.,
comercializar toda a madeira da região onde se localizaria o lago da
Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins. Essa subsidiária tinha sido recém-criada
e não possuía know-how. Apesar disso, o Banco Nacional de Crédito Cooperativo,
sem garantias, deu aval à empresa para aquisição de empréstimo de US$ 100
milhões num banco norte-americano. A empresa faliu. Uma CPI instalada em 1980
apurou vários atos de corrupção envolvendo o governo e a Agropecuária. A
represa causou desastre ambiental, pois a vegetação foi inundada, causando o
fenômeno “eutrofização” que é a liberação dos gases carbônico e metano, devido
à decomposição da matéria orgânica inundada, aumentando o efeito estufa em
milhões de toneladas. Gerou também problemas sociais: transferiram as famílias
que habitavam a região, para áreas infestadas de insetos perigosos.
O caso LUTFALLA,
envolvendo o ex-ministro Reis Veloso, o ex-governador Paulo Maluff e outras
autoridades, queimou centenas dólares “emprestados” pelo BNDE à empresa em
situação falimentar, contra parecer do presidente do banco, que afirmou só
liberaria o empréstimo se houvesse ordem superior, por escrito. A determinação
chegou. O prejuízo é grande e ninguém foi punido. Maluf é autoridade cortejada
e prestigiada pelo PT.
O primeiro
presidente eleito indiretamente declarou: “O problema mais grave do Brasil
não é a subversão. É a corrupção, muito mais difícil de caracterizar e
comprovar, punir exemplarmente e erradicar.”
A primeira CGI foi extinta e outra criada após o AI-5. Tinha poderes
administrativos, de polícia, de judiciário, sem prestar contas, nem
subordinação, a nenhum organismo ou autoridade. E dispondo de poderosos órgãos
de informação, além do SNI: CENIMAR-Centro de Informações da Marinha,
CISA-Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica e CIE-Centro de
Informações do Exército, além de ter instituído a delação premiada.
O AI-5
conferiu ao presidente o poder de confiscar bens adquiridos ilicitamente. Ao ser extinta, por Geisel,
em 1978, a CGI tinha instalado 1.153 inquéritos. Entretanto, em apenas 58 houve
decisão de confiscar bens. Acabou em mediocridade, abrindo inquérito para
apurar atraso de salários de professores no município de S. Jose do Mitibu-RN,
compra de adubo pela Secretaria de Agricultura de MG e irregularidades em
entidades de futebol.
Verdadeira paranoia tomou conta dos inquisidores. Simples denúncia, muitas
vezes sem nenhum fundamento e até por picuinhas, eram transformadas em inquérito
e, mesmo sem nada apurado, os indiciados não obtinham retratação.
A certeza de nada ser levado a público, o poder de calar possíveis
denunciantes, cassação de mandatos, prender indiscriminadamente e sem “habeas
corpus”, levaram ao cometimento de vários desmandos e privilégios. E ainda
contando com a prática da tortura, quando os torturadores eram agraciados com
promoções, agradecimentos públicos e outros tipos de recompensa, como a
concessão da Medalha do Pacificador ao torturador Sérgio Fleury. Além das
prebendas oferecidas por alguns empresários.
Inquéritos abertos contra Paulo Maluf, José Sarney e prefeitos serviçais
da ditadura, eram arquivados em menos de três meses e seus sigilos respeitados,
mesmo havendo provas documentais. Leonel Brizola, Jango, Juscelino e Arraes
sofreram devassas, suas vidas vasculhadas, sem autorização judicial. O
inquérito de Brizola durou 438 dias e nada apurou.
Espero que os saudosistas dos militares reflitam. É obvio que não se pode
deixar de punir os corruptos dos governos civis. É preciso dar um basta a essa
situação que já chegou às raias do absurdo. Porém, não é fora da democracia que
se irá curar esse câncer. Pelo contrário, somente ampliando as formas de a
sociedade poder fiscalizar, denunciar os ladrões, exigir punição com confisco
do produto do furto, é que se poderá obter sucesso.
Em abril de 2014
RONALD SANTOS BARATA
P.S. – Nos livros do
escritor José Carlos de Assis “A Chave do Tesouro” e “A Dupla Face da
Corrupção”, podemos ver uma enorme relação de escândalos no período da
ditadura, a saber: Caso Coroa-Brastel combinado com a Metalúrgica Castor do
bicheiro Castor de Andrade, Corretora Laureano, Caso Halles, Econômico, Lume,
Ipiranga, Eletrobras, BUC, Áurea, Delfin, Abdalla, Atalla, UEB-Riosul etc.
Nota: Aproveitei alguns
dados dos trabalhos da professora da UFMG Heloisa Maria Murgel Starling e
de Guilherme Amado.
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