quinta-feira, 1 de maio de 2014

O COLAPSO DA IDEIA ILUMINISTA DE PROGRESSO

Fernando Alcoforado*


A ideia de “progresso” no pensamento social veio com a Revolução Industrial ocorrida no século XVIII. Do século XVIII ao século XX, passou-se a acreditar que os únicos meios confiáveis para o melhoramento da condição humana provêm das novas máquinas, substâncias químicas e das mais diversas técnicas. Inclusive
os problemas sociais e do meio ambiente criados pelos avanços tecnológicos raras vezes têm afetado esta fé. Há uma crença generalizada de que existe um laço positivo entre desenvolvimento técnico e o bem-estar humano e de que a próxima onda de inovações proporcionará um progresso ainda maior. Mas, será que se pode afirmar que a humanidade progrediu com o avanço da ciência? Os fatos da realidade comprovam que o conhecimento científico não trouxe o progresso desejado para a humanidade porque a ciência e a tecnologia, apesar de estarem conformando as nossas vidas para melhor, estão, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas.
Para exemplificar, nos primeiros quarenta anos do século XX ocorreu na Física mais uma revolução, trazendo como consequência uma compreensão da estrutura dos átomos e dos meios pelos quais a energia poderia ser deles liberada, mas, em contrapartida, essas ideias foram posteriormente aplicadas na construção de armas nucleares de destruição em massa. Nos últimos vinte e cinco anos do século XX ocorreu outra revolução, agora no campo da Biologia com o aprofundamento cada maior na busca da estrutura genética dos organismos vivos, já tendo desenvolvido os meios de manipular no laboratório o material genético ou outros componentes básicos da vida. A conclusão geral é a de que, no final, isso poderá levar a uma sinistra tecnologia biológica, que seria empregada para finalidades malignas como ocorreu com a Física Nuclear ao desenvolver as armas nucleares.
Mas, afinal, o que é o progresso da humanidade? Progresso significa movimento para frente tendo como sinônimo avanço e progressão. O progresso pode ser definido como um processo cumulativo no qual o estágio mais recente é sempre considerado preferível e melhor, ou seja, qualitativamente superior, ao que o precedeu. Neste sentido, a mudança ocorre em uma determinada direção e essa progressão é interpretada como uma melhoria em relação à situação anterior. Assim, a mudança é orientada para o melhor, é necessária, isto é, não se pode parar o progresso, e é irreversível, isto é, nenhum retorno ao passado é possível. A melhoria seria inevitável. O amanhã sempre será melhor que o hoje.
Em sua obra The End of progress – How modern economics has failed us (O Fim do progresso- Como a economia moderna tem falhado), publicada pela John Wiley & Sons em 2011, Graeme Maxton afirma que a humanidade está se movendo para trás. A humanidade está destruindo mais do que construindo. Em cada ano, a economia mundial cresce aproximadamente US$ 1,5 trilhão. Mas, em cada ano, a humanidade devasta o planeta a um custo de US$ 4,5 trilhões. A humanidade está se movendo no sentido inverso gerando perdas maiores do que a riqueza que cria. Maxton afirma que a humanidade experimentou rápido crescimento econômico, mas criou também um mundo instável. Segundo Maxton, em muitos países, pela primeira vez em séculos, nos defrontamos com a queda na expectativa de vida e com a perspectiva do declínio da produção de alimentos e da oferta de água, bem como a exaustão dos recursos naturais como o petróleo.
Tudo o que está acontecendo no mundo conspira contra tudo que pregava o Iluminismo a partir do século XVIII, quando um grupo de pensadores começou a se mobilizar em torno da defesa de ideias que pautavam a renovação de práticas e instituições vigentes em toda Europa, levantando questões filosóficas que pensavam sobre a condição e a felicidade do homem. O movimento iluminista atacou sistematicamente tudo o que era considerado contrário à busca da felicidade, da justiça e da igualdade. O que se verifica hoje em todo o planeta é a antítese do que preconizava o Iluminismo. Cabe observar que o pensamento iluminista elegeu a “razão” como o grande instrumento de reflexão capaz de melhorar e empreender instituições mais justas e funcionais. Tudo o que acontece na atualidade no mundo em que vivemos nega o pensamento de Emmanuel Kant, um dos filósofos do Iluminismo, que considerava a História caminhando na direção do melhor (KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986). Não apenas pensadores como Immanuel Wallerstein, Jacques Attali. Eric Hobsbawn e François Chesnais, entre outros, prognosticaram ou prognosticam um futuro catastrófico para a humanidade no século XXI. A eles se juntam mais dois pensadores: John Casti, matemático e Ph.D., especialista em teorias dos sistemas e da complexidade e, Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo francês, pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique de Paris). Sobre o futuro da humanidade, John Casti o aborda em seu livro O Colapso de Tudo - Os Eventos Extremos que Podem Destruir a Civilização a Qualquer Momento (Rio: Editora Intrínseca Ltda., 2012) e Edgar Morin em seu livro Vers l’abîme ? (Rumo ao abismo?) (Cahiers de L’Herne, 2007).
Em seu livro O Colapso de Tudo - Os Eventos Extremos que Podem Destruir a Civilização a Qualquer Momento, John Casti afirma que nossa sociedade está se tornando tão interligada e complexa que o colapso é quase inevitável. Casti traçou os cenários de uma interrupção generalizada e duradoura da internet, do esgotamento o sistema global de abastecimento de alimentos, de um pulso eletromagnético continental que destrói todos os aparelhos eletrônicos, do colapso da globalização, da destruição da Terra pela criação de partículas exóticas, da desestabilização do panorama nuclear, do fim do suprimento global de petróleo, de uma pandemia global, da falta de energia elétrica e de água potável, de robôs inteligentes que sobrepujam a humanidade e da deflação global e do colapso dos mercados financeiros mundiais.
Por sua vez, em seu livro Vers l’abîme? Edgar Morin considera a inevitabilidade do desastre que ameaça a humanidade em que, segundo ele, o improvável se torna possível.
O título do livro sob a forma de interrogação trata da certeza do abismo. “A humanidade evitará esse desastre ou recomeçará a partir do desastre? A crise mundial que se abre e se amplifica conduz ao desastre ou à superação?” Edgar Morin prova que a crise mundial se agravou e o pensamento político dominante é incapaz de formular uma política de civilização e de humanidade. O mundo está no início do caos, e a única perspectiva é uma metamorfose, com o surgimento de forças de transformação e regeneração.
Morin afirma que a Modernidade criou três mitos: o de controlar o universo, o do progresso e da conquista da felicidade. O enorme desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da economia, do capitalismo, tem aumentado de forma inédita a invenção, mas também a capacidade de destruição. A razão herdada do Iluminismo impôs a ideia de um universo totalmente inteligível. O progresso científico e técnico permitiu como sempre a emancipação humana, mas a morte coletiva também se tornou possível como nunca antes. Os progressos tecnológico, científico, médico, social, se manifestam na forma de destruição da biosfera, destruição cultural, criação de novas desigualdades e de novas servidões. Morin defende a tese de que a sociedade mundial não é civilizada, ao contrário, é bárbara. Morin afirma que nós estamos diante do afundamento do Iluminismo e de suas promessas.
Morin defende a tese de que seja aberta a necessidade de uma verdadeira transformação  na organização social global com a constituição de uma sociedade de novo tipo, uma sociedade- mundo. A catástrofe econômica, social e ambiental global será inevitável se a humanidade não construir esta sociedade-mundo que incorpore todos os povos do mundo inteiro através de um governo mundial democrático e que seja capaz de planejar e controlar os sistemas caóticos que ameaçam a sobrevivência da humanidade. Só assim será possível evitar a depressão da economia mundial, a exaustão dos recursos naturais do planeta, o crescimento desordenado das cidades e a mudança climática catastrófica global, além do descontrole dos sistemas de internet e de energia e da emergência de pandemias globais.



*Fernando Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional  pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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