Fernando Alcoforado*
A
geopolítica é a ciência que define as relações de poder do Estado nacional
interna e
externamente.
A Geopolítica é uma ciência que está intimamente relacionada com
os
conflitos e as guerras sendo estes uma expressão decorrente da política de
poder entre Estados e suas ambições. A geopolítica é a disciplina que busca
entender as relações recíprocas entre o poder político nacional e o espaço
geográfico. A Geopolítica tem como foco principal o estudo das relações de
poder entre os Estados nacionais e a cena que se desenvolve em decorrência
destas no cenário internacional e militar. No século XIX, ocorreu o
estabelecimento de metodologias relacionadas com a Geopolítica, quando o
geógrafo alemão Friedrich Ratzel formulou conceitos fundamentais para abordagem
real da geopolítica internacional em seu livro intitulado Antropogeografia –
Fundamentos da aplicação da geografia à história quando defendeu a tese de
que a função primordial do Estado é expandir e defender o território nacional
(Ver o artigo Definição de Geopolítica publicado no website
Ao
conceituar Geopolítica, Ratzel expôs o conceito de mobilidade das fronteiras
nacionais,
sendo estas diretamente relacionadas à capacidade do Estado de propiciar sua expansão
ou manutenção através de seu poder político-militar. A geopolítica é, em
síntese,
a ciência que surge da necessidade de explicar o nascimento, ascensão e queda das
potências políticas e suas influências no plano político-econômico estratégico mundial,
realizando análise da situação existente, das tendências futuras de evolução
histórica, econômica e social do país e do mundo e das relações internacionais visando
traçar cenários plausíveis no que diz respeito ao futuro do país e das relações
internacionais com base nos quais possibilite a construção de um futuro
desejado para a nação, além de analisar o cerne das decisões políticas e
estratégicas adotadas pelos Estados nacionais em todo o mundo. Em suma, a Geopolítica trata principalmente das relações de poder entre os
Estados nacionais nas quais se destaca a política de defesa nacional contra a
ameaça de agressões externas.
A
política de defesa do Brasil foi alterada profundamente com o fim do regime
militar.
Durante
a ditadura militar, utilizou-se a Doutrina de Segurança Nacional que comandou
as
ações do governo brasileiro de 1964 até 1985 quando ocorreu o fim do regime
militar.
Essa doutrina era uma proposta totalitária, que não comportava o conflito, a
divergência,
a diversidade. A Doutrina de Segurança Nacional adotou essa concepção e
lhe
deu um caráter militar, em que as Forças Armadas seriam responsáveis pelo
funcionamento
harmônico da sociedade brasileira. A Doutrina de Segurança Nacional
considerava
o mundo dividido em duas partes, uma capitalista e democrática sob a
liderança
dos Estados Unidos e outra, comunista, sob a liderança da União Soviética. O
inimigo
externo era a União Soviética e todos os países socialistas do mundo e o
inimigo
interno era todo cidadão e organizações da Sociedade Civil que se opunham ao
regime
militar.
Após
a ditadura militar, com a redemocratização do Brasil, as políticas públicas do
Estado
brasileiro se tornaram mais permeáveis às questões indígenas e do meio
ambiente
abandonando os paradigmas da “segurança e desenvolvimento” da Doutrina
de
Segurança Nacional. Hoje, mesmo o Exército brasileiro passa a focar suas
estratégias
na Região Amazônica quase que exclusivamente sob a ótica da ocupação da faixa
de fronteira, ressuscitando inclusive a lógica das fronteiras-limites que
marcou o período colonial. Além de levarem em conta as questões indígenas e
ambientais em suas políticas públicas, o governo brasileiro tem sido leniente
na defesa da integridade
nacional
de ameaças externas após a ditadura militar ao aprovar, por exemplo, a
Convenção
169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) cujo texto obriga o
Brasil
a admitir a cessão de sua soberania sobre áreas indígenas, o que significa
perder o controle sobre cerca de 20% do país.
Ao
assinar a Convenção 169 da OIT, o governo brasileiro reforça a aplicação de
sanções
pela ONU contra o Brasil no caso de violação dos direitos dos povos indígenas
residentes
no País. Sob o pretexto de razões humanitárias, a intervenção militar da ONU ou
de qualquer dos membros do Conselho de Segurança pode ocorrer para se apossarem
das riquezas minerais e da biodiversidade existentes na Amazônia no Brasil como
já aconteceu no Iraque e na Líbia quando as potências ocidentais se apossaram
dos campos de petróleo. O fim da União Soviética e da ameaça comunista, a
proeminência militar dos Estados Unidos no mundo e a abertura da economia
brasileira com o modelo neoliberal criaram a falsa percepção de que não seria
mais necessária a adoção de uma eficaz política de defesa nacional.
Em
9 de setembro de 2008, foi aprovada pela Presidência da República, a Estratégia
Nacional
de Defesa Brasileira (END). Ela apresenta três eixos estruturantes: o primeiro,
versando
sobre a organização das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica),
definindo
diretrizes e estratégias específicas para cada uma das Forças, bem como sobre o
relacionamento entre elas; o segundo eixo, trata da reestruturação da indústria
bélica brasileira, objetivando que a reestruturação das Forças Armadas do País
tenha contribuição decisiva de tecnologias de domínio nacional; e, finalmente,
o último eixo estruturante, trata da composição dos efetivos das Forças Armadas
e do serviço militar obrigatório (Ver o artigo A Estratégia Nacional de
Defesa e a Reorganização e Transformação das Forças Armadas de Eliézer
Risso de Oliveira publicado no website <http://internet-ant.esg.br/enee/leitura_complementar.pdf>).
As
maiores preocupações no âmbito da defesa encontram-se no Norte e no Oeste do
país,
no Atlântico Sul e nas regiões com as maiores concentrações demográficas e com
os
maiores parques industriais do País. Compete à Marinha atuar no controle e
policiamento
de áreas marítimas para evitar a concentração de forças inimigas no mar
territorial
brasileiro, evitar a ocupação da região Amazônica, que é detentora de
abundantes
recursos minerais, vastos recursos hídricos e imenso potencial de
biodiversidade,
por potências estrangeiras, proteger as plataformas petrolíferas onde se localiza
o Pré-sal (na faixa de Santos a Vitória) situadas nas águas sob jurisdição
brasileira
e as linhas de comunicação, bem como estar presente nas grandes bacias
fluviais
do rio Amazonas ao Norte e dos rios Paraguai e Paraná ao Sul. O Exército deve
realocar
seu efetivo para o centro do país para facilitar seus deslocamentos em qualquer
direção, maximizando a agilidade da resposta em caso de agressão. Além disso,
será incrementada a presença das três Forças nas áreas de fronteira.
A
Amazônia é uma das prioridades da Estratégia Nacional de Defesa pelas razões
acima
descritas.
Devido à sua vastidão territorial, a END propõe fortalecer a capacidade
logística
nesta região, para assegurar a mobilidade em qualquer circunstância. Com
relação
à industria nacional de material de defesa, a END busca capacitá-la com o
objetivo
de que esta conquiste a autonomia tecnológica necessária para prover as
necessidades
nacionais e competir em mercados externos com o objetivo de aumentar
sua
escala de produção. A Estratégia Nacional de Defesa prevê o desenvolvimento do
potencial
de mobilização militar e nacional com o objetivo de assegurar a capacidade
dissuasória
e operacional das Forças Armadas. O Serviço Militar Obrigatório é
considerado
a condição para que se possa mobilizar o povo brasileiro em defesa da
soberania
nacional.
A
END traça vinte e três diretrizes que devem nortear o desenvolvimento das
políticas
de
defesa do Brasil nos próximos anos. Essas diretrizes tratam do monitoramento e
controle
das fronteiras terrestres e das águas jurisdicionais brasileiras, ressaltando a
capacidade
de responder prontamente à qualquer ameaça ou agressão através da
mobilidade
estratégica. Outra diretriz importante versa sobre o fortalecimento de três
setores
de importância estratégica, o espacial, o cibernético e o nuclear, apoiada no
fato de que o desenvolvimento desses setores permite a integração das operações
das três Forças sem a dependência de tecnologia estrangeira. Estimular a
integração da América do Sul é outra prioridade para a defesa brasileira. Esta
integração fomentará a
cooperação
militar regional e a integração das bases industriais de defesa. A criação do
Conselho
de Defesa Sul-Americano será incentivada.
Na
formulação da estratégia nacional de defesa, constata-se, entretanto, como
debilidade,
a falta de estratégias que contribuam para promover o desenvolvimento
econômico
e social do Brasil. O próprio documento da END deixa claro que a estratégia
nacional
de defesa é inseparável da estratégia nacional de desenvolvimento, alegando
que
uma reforça as razões da outra. Neste sentido, para reforçar a END, o governo
brasileiro
deveria elaborar um plano de desenvolvimento do Brasil que, entre as
estratégias
de desenvolvimento nacional, estabeleça linhas de ação para eliminar as
deficiências
relacionadas com os setores de educação e saúde, de infraestrutura de
transporte
(rodovias, ferrovias, portos e aeroportos), a baixa disponibilidade de recursos
próprios para investimento por parte do governo, a dependência de capitais
externos, a dependência tecnológica nacional e a baixa competitividade da
economia brasileira para promover o desenvolvimento do País. Ressalte-se que a
inexistência de um plano de desenvolvimento nacional e a não eliminação das
deficiências acima descritas pode contribuir para o agravamento das tensões
sociais no Brasil, como já vem ocorrendo, comprometendo, em consequência, a
coesão social necessária à defesa do território nacional contra agressões
externas.
Outra
debilidade da Estratégia de Defesa Nacional reside no fato de não terem sido
propostas
estratégias para a efetiva utilização do potencial de recursos naturais
existentes
no País, o fortalecimento do mercado interno brasileiro com a adoção de
eficazes
políticas de distribuição de renda e de substituição de importações visando
promover
o crescimento do parque industrial brasileiro, evitar a desindustrialização do
Brasil
e, consequentemente, promover o desenvolvimento da economia brasileira.
Deveriam
ser delineadas também estratégias de integração da economia brasileira com
os
países da América do Sul e da África. Finalmente, mais uma debilidade na
formulação
da estratégia de defesa do Brasil diz respeito à falta de cenários mundiais
sobre
possíveis conflitos internacionais, como é o caso dos conflitos entre os
Estados
Unidos
e a China, Israel e Palestina e Israel e Irã, entre outros, e seus impactos
sobre o
Brasil
e as correspondentes estratégias militares e diplomáticas a serem adotadas pelo
País.
As
riquezas existentes na Amazônia em termos dos gigantescos recursos hídricos,
recursos
minerais e recursos da biodiversidade podem se constituir em fontes de
conflitos
entre o Brasil e as grandes potências no futuro. Isto se deve à cobiça desses
recursos
por parte das grandes potências mundiais diante da perspectiva de sua escassez até
a metade do Século XXI. As ameaças que pairam sobre a Amazônia se baseiam na perspectiva
de que as guerras do Século XXI terão como fulcro a batalha por recursos naturais
os quais tendem a se esgotar. O modelo de desenvolvimento da economia mundial
está atingindo seus limites. Com a falta de recursos naturais necessários à sobrevivência
e a ausência de uma governança mundial que assegure a convivência pacífica
entre as nações, a humanidade tende a uma regressão à barbárie e ao comportamento
cruel.
É
importante ressaltar que as guerras de invasão deverão se multiplicar tendo por
objetivo
a conquista de recursos naturais no mundo. É preciso não esquecer que o
conflito
entre os países beligerantes no Oriente Médio e a agressão da Alemanha nazista à
União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial aconteceram tendo como fulcro
a luta pelo controle das reservas de petróleo lá existentes. O que as potências
ocidentais
fizeram recentemente no Iraque, no Afeganistão e na Líbia para se apossarem do
petróleo e dos recursos minerais lá existentes não foi muito diferente daquilo
que, no passado, os espanhóis fizeram com os astecas, maias e incas em busca de
ouro nas Américas no Século XVI. No Iraque e na Líbia, o objetivo foi claro:
apropriar-se do petróleo. Diante da perspectiva de escassez de petróleo no
mundo, uma área que pode ser objeto de cobiça pelas grandes potências no futuro
é aquela abrangida pelo Pré-sal no Brasil. A invasão e ocupação do Afeganistão
pelas potências ocidentais tinham também como objetivo, além da perseguição a
Bin Laden, a conquista das imensas reservas minerais lá existentes. Os antes
desconhecidos depósitos de ferro, cobre, cobalto, ouro e metais críticos para a
indústria, como o lítio e nióbio, são tão grandes que o Afeganistão poderá, no
futuro, transformar-se num dos mais importantes centros de mineração do
planeta.
A
água está se convertendo também em uma fonte geradora de guerras devido à
competição
internacional pelos recursos hídricos. A guerra entre israelenses e palestinos é,
também, uma guerra pelas águas do rio Jordão que são usadas por Israel,
Jordânia, Síria, Líbano e Cisjordânia. No continente americano, há o conflito
entre Estados Unidos e México pela água do Rio Colorado que se intensificou em
anos recentes. O rio Brahmaputra já causou grande tensão entre Índia e China e
pode gerar conflito de grandes proporções entre dois dos maiores exércitos do
mundo. O Egito, o Sudão e a Etiópia estão em conflito pelo uso do rio Nilo. A
escassez de água no mundo já está fazendo com que navios-tanques roubem água da
Amazônia para levar para o Exterior (Ver o artigo sob o título Navios-tanques
estão roubando água da Amazônia para levar para o Exterior publicado no
site <http://www.animaisos.org/noticia.php?id=504>).
Todos
os fatos acima relatados apontam na direção de que a Amazônia pode ser objeto de
cobiça das grandes potências mundiais para terem acesso aos recursos naturais
nela existentes. O fato de a Amazônia Legal ser a maior província mineral do
mundo, estimada em 7 trilhões de dólares contribui também para que ela possa
vir a ser objeto de intervenção das grandes potências mundiais no futuro. A
cobiça da Amazônia já foi manifestada por várias personalidades internacionais
como o então presidente da França, François Miterrand, pelo presidente dos
Estados Unidos, George Bush (pai), e pelo presidente Mikhail Gorbachev da ex-
União Soviética nos idos de 1989 e, também, pelo general Patrick Hishes, chefe
do Órgão Central de Informações das Forças Armadas Americanas que ameaçou que,
caso o Brasil colocasse em risco o meio ambiente dos Estados Unidos com o uso
indevido da Amazônia, estaria pronto para interromper esse processo
imediatamente. Também Pascal Lamy, presidente da OMC, afirmou naquela época que
a Amazônia deve ser considerada bem público mundial e submetida à gestão da
Comunidade Internacional.
Diante
da importância da preservação da Floresta Amazônica no combate às mudanças
climáticas
globais, a sua destruição caracterizaria a incompetência do governo brasileiro na
sua manutenção, fato este que poderia justificar uma intervenção militar
internacional
no futuro com a ocupação da região amazônica pelas grandes potências.
Outra
justificativa de intervenção militar internacional, sob o pretexto de defesa
dos
direitos
humanos, seria a ameaça à existência dos povos indígenas nela residentes. A
intervenção
militar internacional abriria caminho também para as grandes potências se apossarem
dos recursos hídricos, minerais e da biodiversidade existentes na região
amazônica.
Para
evitar que este cenário aconteça, é preciso que o governo brasileiro implemente
uma
política de desenvolvimento da região amazônica tendo como um dos pré-requisitos
fundamentais
assegurar a preservação da Floresta Amazônica que está
ameaçada
de destruição devido ao desmatamento e queimadas resultantes da expansão da
atividade agropecuária e madeireira, à exploração mineral que vem deixando um legado
de pobreza e sérios impactos socioambientais, à implantação de rodovias que veem
causando grandes impactos ambientais e às hidroelétricas cujos reservatórios planejados
vão provocar tantos impactos negativos ao meio ambiente que a sua construção
não é recomendável.
Para
que o Brasil exerça sua soberania e promova o desenvolvimento da região é
imperioso
o elemento catalisador, a vontade nacional, com a significativa presença do
Estado
brasileiro, através das Forças Armadas e de outros agentes e órgãos públicos.
Para
manter sua soberania na Amazônia, o Brasil terá de ocupar a região e explorar
racionalmente
sua riqueza, com tecnologia adequada à preservação do meio ambiente.
O
sucesso na defesa territorial da Amazônia exige o imprescindível apoio da
população
amazônica
o que requer a adoção de uma política de desenvolvimento que contribua
para
a utilização racional dos recursos naturais existentes na Amazônia em benefício
da população nela residente. Isto significa dizer que a ocupação das Forças
Armadas
brasileiras
deve estar associada à política de desenvolvimento regional.
*Fernando
Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor
universitário
e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial,
planejamento
regional e
planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora
Nobel, São
Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel,
São Paulo,
1998), Um
Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento
do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel,
São Paulo,
2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era
Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG,
Saarbrücken,
Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e
Editora,
Salvador,
2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global
(Viena-
Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores
Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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