quarta-feira, 2 de julho de 2014

A QUESTÃO GEOPOLÍTICA NO BRASIL

Fernando Alcoforado*


A geopolítica é a ciência que define as relações de poder do Estado nacional interna e
externamente. A Geopolítica é uma ciência que está intimamente relacionada com
os conflitos e as guerras sendo estes uma expressão decorrente da política de poder entre Estados e suas ambições. A geopolítica é a disciplina que busca entender as relações recíprocas entre o poder político nacional e o espaço geográfico. A Geopolítica tem como foco principal o estudo das relações de poder entre os Estados nacionais e a cena que se desenvolve em decorrência destas no cenário internacional e militar. No século XIX, ocorreu o estabelecimento de metodologias relacionadas com a Geopolítica, quando o geógrafo alemão Friedrich Ratzel formulou conceitos fundamentais para abordagem real da geopolítica internacional em seu livro intitulado Antropogeografia – Fundamentos da aplicação da geografia à história quando defendeu a tese de que a função primordial do Estado é expandir e defender o território nacional (Ver o artigo Definição de Geopolítica publicado no website
<http://geopoliticatocolando.blogspot.com.br/2010/04/definicao-de-geopolitica.html>).

Ao conceituar Geopolítica, Ratzel expôs o conceito de mobilidade das fronteiras
nacionais, sendo estas diretamente relacionadas à capacidade do Estado de propiciar sua expansão ou manutenção através de seu poder político-militar. A geopolítica é, em
síntese, a ciência que surge da necessidade de explicar o nascimento, ascensão e queda das potências políticas e suas influências no plano político-econômico estratégico mundial, realizando análise da situação existente, das tendências futuras de evolução histórica, econômica e social do país e do mundo e das relações internacionais visando traçar cenários plausíveis no que diz respeito ao futuro do país e das relações internacionais com base nos quais possibilite a construção de um futuro desejado para a nação, além de analisar o cerne das decisões políticas e estratégicas adotadas pelos Estados nacionais em todo o  mundo. Em suma, a Geopolítica trata principalmente das relações de poder entre os Estados nacionais nas quais se destaca a política de defesa nacional contra a ameaça de agressões externas.

A política de defesa do Brasil foi alterada profundamente com o fim do regime militar.
Durante a ditadura militar, utilizou-se a Doutrina de Segurança Nacional que comandou
as ações do governo brasileiro de 1964 até 1985 quando ocorreu o fim do regime
militar. Essa doutrina era uma proposta totalitária, que não comportava o conflito, a
divergência, a diversidade. A Doutrina de Segurança Nacional adotou essa concepção e
lhe deu um caráter militar, em que as Forças Armadas seriam responsáveis pelo
funcionamento harmônico da sociedade brasileira. A Doutrina de Segurança Nacional
considerava o mundo dividido em duas partes, uma capitalista e democrática sob a
liderança dos Estados Unidos e outra, comunista, sob a liderança da União Soviética. O
inimigo externo era a União Soviética e todos os países socialistas do mundo e o
inimigo interno era todo cidadão e organizações da Sociedade Civil que se opunham ao
regime militar.

Após a ditadura militar, com a redemocratização do Brasil, as políticas públicas do
Estado brasileiro se tornaram mais permeáveis às questões indígenas e do meio
ambiente abandonando os paradigmas da “segurança e desenvolvimento” da Doutrina
de Segurança Nacional. Hoje, mesmo o Exército brasileiro passa a focar suas
estratégias na Região Amazônica quase que exclusivamente sob a ótica da ocupação da faixa de fronteira, ressuscitando inclusive a lógica das fronteiras-limites que marcou o período colonial. Além de levarem em conta as questões indígenas e ambientais em suas políticas públicas, o governo brasileiro tem sido leniente na defesa da integridade
nacional de ameaças externas após a ditadura militar ao aprovar, por exemplo, a
Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) cujo texto obriga o
Brasil a admitir a cessão de sua soberania sobre áreas indígenas, o que significa perder o controle sobre cerca de 20% do país.

Ao assinar a Convenção 169 da OIT, o governo brasileiro reforça a aplicação de
sanções pela ONU contra o Brasil no caso de violação dos direitos dos povos indígenas
residentes no País. Sob o pretexto de razões humanitárias, a intervenção militar da ONU ou de qualquer dos membros do Conselho de Segurança pode ocorrer para se apossarem das riquezas minerais e da biodiversidade existentes na Amazônia no Brasil como já aconteceu no Iraque e na Líbia quando as potências ocidentais se apossaram dos campos de petróleo. O fim da União Soviética e da ameaça comunista, a proeminência militar dos Estados Unidos no mundo e a abertura da economia brasileira com o modelo neoliberal criaram a falsa percepção de que não seria mais necessária a adoção de uma eficaz política de defesa nacional.

Em 9 de setembro de 2008, foi aprovada pela Presidência da República, a Estratégia
Nacional de Defesa Brasileira (END). Ela apresenta três eixos estruturantes: o primeiro,
versando sobre a organização das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica),
definindo diretrizes e estratégias específicas para cada uma das Forças, bem como sobre o relacionamento entre elas; o segundo eixo, trata da reestruturação da indústria bélica brasileira, objetivando que a reestruturação das Forças Armadas do País tenha contribuição decisiva de tecnologias de domínio nacional; e, finalmente, o último eixo estruturante, trata da composição dos efetivos das Forças Armadas e do serviço militar obrigatório (Ver o artigo A Estratégia Nacional de Defesa e a Reorganização e Transformação das Forças Armadas de Eliézer Risso de Oliveira publicado no website <http://internet-ant.esg.br/enee/leitura_complementar.pdf>).

As maiores preocupações no âmbito da defesa encontram-se no Norte e no Oeste do
país, no Atlântico Sul e nas regiões com as maiores concentrações demográficas e com
os maiores parques industriais do País. Compete à Marinha atuar no controle e
policiamento de áreas marítimas para evitar a concentração de forças inimigas no mar
territorial brasileiro, evitar a ocupação da região Amazônica, que é detentora de
abundantes recursos minerais, vastos recursos hídricos e imenso potencial de
biodiversidade, por potências estrangeiras, proteger as plataformas petrolíferas onde se localiza o Pré-sal (na faixa de Santos a Vitória) situadas nas águas sob jurisdição
brasileira e as linhas de comunicação, bem como estar presente nas grandes bacias
fluviais do rio Amazonas ao Norte e dos rios Paraguai e Paraná ao Sul. O Exército deve
realocar seu efetivo para o centro do país para facilitar seus deslocamentos em qualquer direção, maximizando a agilidade da resposta em caso de agressão. Além disso, será incrementada a presença das três Forças nas áreas de fronteira.

A Amazônia é uma das prioridades da Estratégia Nacional de Defesa pelas razões acima
descritas. Devido à sua vastidão territorial, a END propõe fortalecer a capacidade
logística nesta região, para assegurar a mobilidade em qualquer circunstância. Com
relação à industria nacional de material de defesa, a END busca capacitá-la com o
objetivo de que esta conquiste a autonomia tecnológica necessária para prover as
necessidades nacionais e competir em mercados externos com o objetivo de aumentar
sua escala de produção. A Estratégia Nacional de Defesa prevê o desenvolvimento do
potencial de mobilização militar e nacional com o objetivo de assegurar a capacidade
dissuasória e operacional das Forças Armadas. O Serviço Militar Obrigatório é
considerado a condição para que se possa mobilizar o povo brasileiro em defesa da
soberania nacional.

A END traça vinte e três diretrizes que devem nortear o desenvolvimento das políticas
de defesa do Brasil nos próximos anos. Essas diretrizes tratam do monitoramento e
controle das fronteiras terrestres e das águas jurisdicionais brasileiras, ressaltando a
capacidade de responder prontamente à qualquer ameaça ou agressão através da
mobilidade estratégica. Outra diretriz importante versa sobre o fortalecimento de três
setores de importância estratégica, o espacial, o cibernético e o nuclear, apoiada no fato de que o desenvolvimento desses setores permite a integração das operações das três Forças sem a dependência de tecnologia estrangeira. Estimular a integração da América do Sul é outra prioridade para a defesa brasileira. Esta integração fomentará a
cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa. A criação do
Conselho de Defesa Sul-Americano será incentivada.

Na formulação da estratégia nacional de defesa, constata-se, entretanto, como
debilidade, a falta de estratégias que contribuam para promover o desenvolvimento
econômico e social do Brasil. O próprio documento da END deixa claro que a estratégia
nacional de defesa é inseparável da estratégia nacional de desenvolvimento, alegando
que uma reforça as razões da outra. Neste sentido, para reforçar a END, o governo
brasileiro deveria elaborar um plano de desenvolvimento do Brasil que, entre as
estratégias de desenvolvimento nacional, estabeleça linhas de ação para eliminar as
deficiências relacionadas com os setores de educação e saúde, de infraestrutura de
transporte (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos), a baixa disponibilidade de recursos próprios para investimento por parte do governo, a dependência de capitais externos, a dependência tecnológica nacional e a baixa competitividade da economia brasileira para promover o desenvolvimento do País. Ressalte-se que a inexistência de um plano de desenvolvimento nacional e a não eliminação das deficiências acima descritas pode contribuir para o agravamento das tensões sociais no Brasil, como já vem ocorrendo, comprometendo, em consequência, a coesão social necessária à defesa do território nacional contra agressões externas.

Outra debilidade da Estratégia de Defesa Nacional reside no fato de não terem sido
propostas estratégias para a efetiva utilização do potencial de recursos naturais
existentes no País, o fortalecimento do mercado interno brasileiro com a adoção de
eficazes políticas de distribuição de renda e de substituição de importações visando
promover o crescimento do parque industrial brasileiro, evitar a desindustrialização do
Brasil e, consequentemente, promover o desenvolvimento da economia brasileira.
Deveriam ser delineadas também estratégias de integração da economia brasileira com
os países da América do Sul e da África. Finalmente, mais uma debilidade na
formulação da estratégia de defesa do Brasil diz respeito à falta de cenários mundiais
sobre possíveis conflitos internacionais, como é o caso dos conflitos entre os Estados
Unidos e a China, Israel e Palestina e Israel e Irã, entre outros, e seus impactos sobre o
Brasil e as correspondentes estratégias militares e diplomáticas a serem adotadas pelo
País.

As riquezas existentes na Amazônia em termos dos gigantescos recursos hídricos,
recursos minerais e recursos da biodiversidade podem se constituir em fontes de
conflitos entre o Brasil e as grandes potências no futuro. Isto se deve à cobiça desses
recursos por parte das grandes potências mundiais diante da perspectiva de sua escassez até a metade do Século XXI. As ameaças que pairam sobre a Amazônia se baseiam na perspectiva de que as guerras do Século XXI terão como fulcro a batalha por recursos naturais os quais tendem a se esgotar. O modelo de desenvolvimento da economia mundial está atingindo seus limites. Com a falta de recursos naturais necessários à sobrevivência e a ausência de uma governança mundial que assegure a convivência pacífica entre as nações, a humanidade tende a uma regressão à barbárie e ao comportamento cruel.

É importante ressaltar que as guerras de invasão deverão se multiplicar tendo por
objetivo a conquista de recursos naturais no mundo. É preciso não esquecer que o
conflito entre os países beligerantes no Oriente Médio e a agressão da Alemanha nazista à União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial aconteceram tendo como fulcro a luta pelo controle das reservas de petróleo lá existentes. O que as potências
ocidentais fizeram recentemente no Iraque, no Afeganistão e na Líbia para se apossarem do petróleo e dos recursos minerais lá existentes não foi muito diferente daquilo que, no passado, os espanhóis fizeram com os astecas, maias e incas em busca de ouro nas Américas no Século XVI. No Iraque e na Líbia, o objetivo foi claro: apropriar-se do petróleo. Diante da perspectiva de escassez de petróleo no mundo, uma área que pode ser objeto de cobiça pelas grandes potências no futuro é aquela abrangida pelo Pré-sal no Brasil. A invasão e ocupação do Afeganistão pelas potências ocidentais tinham também como objetivo, além da perseguição a Bin Laden, a conquista das imensas reservas minerais lá existentes. Os antes desconhecidos depósitos de ferro, cobre, cobalto, ouro e metais críticos para a indústria, como o lítio e nióbio, são tão grandes que o Afeganistão poderá, no futuro, transformar-se num dos mais importantes centros de mineração do planeta.

A água está se convertendo também em uma fonte geradora de guerras devido à
competição internacional pelos recursos hídricos. A guerra entre israelenses e palestinos é, também, uma guerra pelas águas do rio Jordão que são usadas por Israel, Jordânia, Síria, Líbano e Cisjordânia. No continente americano, há o conflito entre Estados Unidos e México pela água do Rio Colorado que se intensificou em anos recentes. O rio Brahmaputra já causou grande tensão entre Índia e China e pode gerar conflito de grandes proporções entre dois dos maiores exércitos do mundo. O Egito, o Sudão e a Etiópia estão em conflito pelo uso do rio Nilo. A escassez de água no mundo já está fazendo com que navios-tanques roubem água da Amazônia para levar para o Exterior (Ver o artigo sob o título Navios-tanques estão roubando água da Amazônia para levar para o Exterior publicado no site <http://www.animaisos.org/noticia.php?id=504>).
Todos os fatos acima relatados apontam na direção de que a Amazônia pode ser objeto de cobiça das grandes potências mundiais para terem acesso aos recursos naturais nela existentes. O fato de a Amazônia Legal ser a maior província mineral do mundo, estimada em 7 trilhões de dólares contribui também para que ela possa vir a ser objeto de intervenção das grandes potências mundiais no futuro. A cobiça da Amazônia já foi manifestada por várias personalidades internacionais como o então presidente da França, François Miterrand, pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush (pai), e pelo presidente Mikhail Gorbachev da ex- União Soviética nos idos de 1989 e, também, pelo general Patrick Hishes, chefe do Órgão Central de Informações das Forças Armadas Americanas que ameaçou que, caso o Brasil colocasse em risco o meio ambiente dos Estados Unidos com o uso indevido da Amazônia, estaria pronto para interromper esse processo imediatamente. Também Pascal Lamy, presidente da OMC, afirmou naquela época que a Amazônia deve ser considerada bem público mundial e submetida à gestão da Comunidade Internacional.

Diante da importância da preservação da Floresta Amazônica no combate às mudanças
climáticas globais, a sua destruição caracterizaria a incompetência do governo brasileiro na sua manutenção, fato este que poderia justificar uma intervenção militar
internacional no futuro com a ocupação da região amazônica pelas grandes potências.
Outra justificativa de intervenção militar internacional, sob o pretexto de defesa dos
direitos humanos, seria a ameaça à existência dos povos indígenas nela residentes. A
intervenção militar internacional abriria caminho também para as grandes potências se apossarem dos recursos hídricos, minerais e da biodiversidade existentes na região
amazônica.

Para evitar que este cenário aconteça, é preciso que o governo brasileiro implemente
uma política de desenvolvimento da região amazônica tendo como um dos pré-requisitos
fundamentais assegurar a preservação da Floresta Amazônica que está
ameaçada de destruição devido ao desmatamento e queimadas resultantes da expansão da atividade agropecuária e madeireira, à exploração mineral que vem deixando um legado de pobreza e sérios impactos socioambientais, à implantação de rodovias que veem causando grandes impactos ambientais e às hidroelétricas cujos reservatórios planejados vão provocar tantos impactos negativos ao meio ambiente que a sua construção não é recomendável.

Para que o Brasil exerça sua soberania e promova o desenvolvimento da região é
imperioso o elemento catalisador, a vontade nacional, com a significativa presença do
Estado brasileiro, através das Forças Armadas e de outros agentes e órgãos públicos.
Para manter sua soberania na Amazônia, o Brasil terá de ocupar a região e explorar
racionalmente sua riqueza, com tecnologia adequada à preservação do meio ambiente.

O sucesso na defesa territorial da Amazônia exige o imprescindível apoio da população
amazônica o que requer a adoção de uma política de desenvolvimento que contribua
para a utilização racional dos recursos naturais existentes na Amazônia em benefício da população nela residente. Isto significa dizer que a ocupação das Forças Armadas
brasileiras deve estar associada à política de desenvolvimento regional.


*Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel,
São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora,
Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do

Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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