Por João Ubaldo Ribeiro
Tenho certeza de que inventaram esse negócio de Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia
dos Namorados e assemelhados com o exclusivo propósito de atanazar o juízo do
grupo, numeroso porém desprezado, em que me integro, ou seja, o dos que acham
essas datas apenas ocasiões para exercícios de sadomasoquismo e solapamento da
já combalida estrutura familiar. Sei de dezenas e dezenas de namoros acabados e
casamentos atormentados porque um infeliz se esqueceu de uma dessas datas. (As
infelizes, curiosamente, não costumam esquecer-se — deve ser algum golpe delas;
está fora da moda, mas mandam os antigos não menosprezar o Eterno Feminino, os
antigos sabiam das coisas.) Eu mesmo só lembrei que hoje é Dia dos Pais
(escrevo com cruel antecedência, é bom sempre observar) porque andei folheando
uma agenda.
— Vô, vamos almoçar fora em sua homenagem. Aonde o senhor quer ir?
— A uma churrascaria. Uma churrascariazinha, há muito tempo que
não vou.
— Churrascaria? Mas nunca! O senhor já se esqueceu do colesterol,
esqueceu a angioplastia? O senhor não se quer bem, mas nós queremos bem ao
senhor!
— Então por que perguntam?
— É porque hoje é seu dia, paizão, é tudo para seu bem-estar e
felicidade.
Claro, vão levá-lo ao restaurante de não-fumantes em que servem
saladas de aspecto malevolente e onde vão deixar — fantástica colher de chá,
tudo para a felicidade dele — que ele tome um copinho de vinho, daquele branco
doce que a Eulália, sua nora mais carinhosa, adora. E virão os brindes, todos
sublinhando, com inquietante ênfase numa convicção obviamente falsa, os muitos
e muitos outros dias dos pais que ainda se celebrarão na companhia do
homenageado. E, na sequência de tributos que lhe serão prestados, consentirão
que fique na sala até a hora do "Sai de baixo", pois normalmente é
forçado a ir dormir depois do "Fantástico", não só porque o médico
aconselhou, como porque, e principalmente, a velha (que fuma e dorme na hora em
que quer) tem ciúme das pernas da Marisa Orth.
Quanto às ganas de pisotear e jogar no vaso o celularzinho
indecifrável que lhe deram, passam logo no dia seguinte e ele dá o celular ao
neto, o que, aliás, era o verdadeiro objetivo do presente.
Sejamos igualmente solidários para com os pais separados.
Normalmente, domingo já é dia de pai separado sair com os filhos, a maior parte
comendo apaixonadamente pizza fria e indo a lugares de cuja existência jamais
tomaria conhecimento, se não fosse pai separado.
Pai junto pode bocejar e dizer ao moleque que vá pastar vá surfar
ou vá para um quarto acusticamente isolado, caprichar no progresso de sua
surdez heavy metal. Mas pai separado tem gravíssimos encargos, notadamente se
se filia à escola entusiástico-companheirona, que implica risos alvares, gritos
de "vamos lá, filhão!", trajes grotescos, músculos e juntas aos
frangalhos, papos de homem para homem em que o homem acaba sendo o filho e
pedidos gaguejantes a senhoras desconhecidas, para que levem a filha ao
banheiro feminino. Para não falar nos presentes, todos escolhidos a dedo pela
ex-mulher entre tudo o que ele não gosta, preferivelmente algo que o
presenteador exija que ele use na hora, como um par de óculos escuros de boiola
e um walkman vermelho e azul, do tamanho e peso de uma bateria de automóvel.
Os prejuízos para as finanças familiares são às vezes
consideráveis. Um amigo meu festejou durante um mês a excursão à Europa, para
ele e a patroa (sozinho não tem graça e, embora tenha tido que passar a maior
parte do tempo em lojas e ouvindo comentários sobre como Florença realmente é
uma bela cidade, mas enche o saco logo e o comércio é péssimo, não chega aos
pés de Miami, conseguiu, afinal, viajar para fora do país), para em seguida
descobrir a chegada dos carnês de pagamento da agência de turismo, todos em seu
nome, é claro. Claro, sim, ele tinha dinheiro guardado, a vida é curta, por que
se privar de um sonho só para conservar os trocados da velhice? E ele não
reclamou, tem umas duas músicas compostas e vai ver se descola uma vaga no
Retiro dos Artistas.
De minha parte, sofro grandes sobressaltos com os anúncios de
televisão, principalmente os dos aparelhos de ginástica (venho murchando a
barriga com afinco desde que me lembraram da chegada do dia de hoje, espero
escapar) e, nas raras vezes em que o controle está sob meu controle, mudo de
canal. Mas é a velha paranoia, na verdade não tenho muito o que temer. Vou
ganhar uma bermuda e um par de sandálias, se bem que minhas camisas de ir à
Academia "estão uma vergonha" e talvez eu receba novos instrumentos
de estrangulamento parcelado. Nada como a alegria do Dia dos Pais. Pelo menos
quando se é dono de shopping ou churrascaria, imagino eu.
Texto extraído do
livro “O Conselheiro Come” Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2000,
pág. 163.
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