Por Luiz Carlos Facó
Dizia Machado de Assis, num artigo publicado
em 09/01/1866. Sob o título Propósito: “A
temperatura literária brasileira está abaixo de zero. Este clima tropical, que
tanto aquece as imaginações, e faz brotar poetas, quase como faz brotar flores,
por um fenômeno, aliás explicável, torna preguiçosos os espíritos, e nulo o
movimento intelectual.”
A atualidade
dessas palavras escritas há quase dois séculos é impressionante. Descrevem com
perfeição o marasmo intelectual que ocorre nos dias atuais, quando não se
observa nada de edificante. Na pintura, não desponta nenhum valor digno de
referência. Na música, tampouco. Na escultura, parece que Rodin levou consigo, ao partir, toda a inspiração que poderia caber
aos que restaram. Na literatura, nada se faz de original. Nossos poetas,
encarregados de traduzir os encantos da vida, as incertezas da morte, a força
do amor, as emoções como um todo, escorregam ao fazê-lo. O sol lhes diz:
- Sou a
vida, a força, a luz, o representante do Criador, espelhem-se em mim.
E eles se
esquecem de olhá-lo. Não seguem o seu conselho. Portanto, não conseguem
descrever em seus versos as belezas poéticas que ele, o sol, aponta-lhes. Ficam
satisfeitos em produzir versos frios, incoerentes, tão subjetivos, que, ao
reles mortal, é impossível decifrá-los. Serão eles assaz sapientes ou nós,
leitores, desprovidos de inteligência, para entendê-los? Os prosadores seguem o
mesmo diapasão. Nada de único. O que escrevem é insosso. Sem imaginação,
distantes eles do encontro com a imaginação do leitor. Desprezam o prazer da
ideia bem elaborada. O gosto de expô-la com clareza, correção e elegância. Numa
linguagem transparente, bem-posta. Tornaram-se ventanias ameaçadoras, que rugem
por instantes e, quando amainadas, sequer deixam rastros. Apagam-se da nossa
memória no dia subsequente.
Procuro uma
resposta para esse vácuo e não encontro.
Aí estão bem-vivas,
as páginas literárias dos nossos maiores periódicos, emprestando força aos que
surgem no panorama literário. Os programas das tevês educativas abrem espaço às
novas construções artísticas. Surgem editoras voltadas a dar lume às criações dos
novos nomes. Além de leis municipais, estaduais e a nacional de incentivo à
cultura. Entretanto, nada parece adiantar, ou ser suficientemente eficaz para
nos tirar deste poço de mediocridade. Leva-me a crer ter a arte dos dias que
correm sido contaminada pelo espírito mercantilista.
Nas décadas
de cinquenta e sessenta, do século findo, tal paisagem delineava-se de forma
bastante diferente. Grupos de jovens talentosos reuniam-se para trocar ideias.
Não em compartimentos estanques. Muito menos em arcádias ou confrarias, onde o
mote era o elogio mútuo. Mas, em pequenos bares, nos centros acadêmicos, onde a
liberdade de expressão e de ideias era o fundamento. Desses encontros,
resultaram, na música, nomes como o de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa,
Maria Bethânia, Raul Seixas. Na arte pictórica, Calazans Neto, Sante
Scaldaferri, Fernando Coelho. Na cinematografia, Glauber Rocha, Roberto Pires.
Na literatura, Sonia Coutinho, Ildázio Tavares, João Eurico Matta, João Carlos
Teixeira Gomes (Joca), João Ubaldo Ribeiro. No teatro, Helena Inês, Geraldo del
Rey, Othon Bastos, Marta Overbeck. E tantos outros, que minha memória, no
momento, cansada pelos achaques da melhor idade (quem inventou essa infame – “porra” – designação?) se instalando,
impede-me nominá-los.
Hoje, não
mais existem tais reuniões. Os jovens, deste século de contestações (racionais
e irracionais), têm outras preocupações. “Sarar” seus corpos na prática de
esportes radicais. Ou em academias de ginásticas que os deixam “bombados”.
Frequentar os bares e as baladas da moda. Curtir os shoppings
centers e os locais mais afamados do consumismo. Badalar nas festinhas
animadas por exctasy, cocaína e maconha. Ficar com a popozuda
ou o popozudo
do pedaço. Mostrar
seus corpos e requebrá-los sensualmente ao som dos acordes rítmicos e
estridentes da axé-music; enfim, participar de um bundalelê numa festa em
um apê
qualquer.
Presumo ser
essa a causa do quanto reclamo e me entristece.
Oxalá tudo
mude para melhor! É a minha expectativa.
Meu caro Facó, o que você relata em sua crônica é a expressão da verdade. Eu próprio vivenciei os anos 50 e 60 do século XX e sou testemunha do que você afirma até que ditadura militar sepultou a partir de 1964 tudo de bom que estava sendo plantado naquela época. Dois fatores contribuíram para esta mudança que está anulando o movimento intelectual em nosso país na era contemporânea: o primeiro foi a ditadura militar que atuou para castrar seu avanço e impedir as mudanças sociais no Brasil e, o segundo, após a ditadura militar, o consumismo exacerbado e a crescente alienação a que foi submetida a população brasileira pela ideologia neoliberal que passou a vender a ideia de que tudo era descartável para haver avanços certamente na perspectiva neoliberal. Isto tudo produziu o vazio intelectual em que vivemos em que as pessoas estão mais preocupadas em viver o presente, consumir cada vez mais os objetos de consumo do que em transformar o mundo. Parabéns, caro amigo, pela excelente crônica. Fernando Alcoforado
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