Por CONSUELO PONDÉ
Viveu apenas quarenta e três anos, mas viveu
intensamente. Uma existência marcada pela tristeza que acompanhou desde a
infância o menino órfão, o adolescente arredio, o homem adulto esquivo.
Um
temperamento complicado que, apesar disso, conseguiu reunir um apreciável
número de amigos: Coelho Neto, Vicente de Carvalho, Teodoro Sampaio, Afrânio
Peixoto, Francisco Venâncio Filho, dentre outros.
Juntos,
viajaram incontáveis vezes para Portugal. Lembrar que o comércio de escravos,
antes da lei de 7 de novembro de 1831, e mais ainda, antes do Bill Aberdeen,
era uma atividade regular no Brasil, não era vista com maus olhos, mas
entendida como uma prática comercial corriqueira. Numa dessas viagens do casal
a Lisboa, faleceu o comerciante, deixando a mulher e filhos.
A viúva não
esquentou o colchão, casou-se, logo depois, com Joaquim Pereira Barreto, com
quem não se harmonizaram os enteados. Por conta dessa situação, cedo, os filhos
mais velhos Antônio e Manuel deixaram a casa materna e a Bahia.
O segundo
deles, Manuel, estabeleceu-se no vale do Paraíba do Sul, das grandes e rendosas
plantações de café. Ali se enamorou da jovem Eudóxia Moreira, a caçula das
filhas de Joaquim Alves Moreira, pequeno proprietário rural, fixando-se na
região.
É que, pelo
casamento, tornou-se dono de uma fazendinha em Santa Rita do Rio Negro,
distrito de Cantagalo. Naquele local, nasceu Euclides da Cunha, batizado no dia
24 de novembro de 1866, pelos padrinhos José e Emerenciana Teixeira de
Carvalho, proprietários da fazenda Saudade, onde nascera o futuro escritor.
Para não
escapar à marca de sua trajetória, foi 1866 um ano muito atribulado na vida do
Brasil. É que acontecia a grande mobilização para a guerra da Tríplice Aliança,
mais conhecida como Guerra do Paraguay, que se refletia na vida de todos.
Como
consequência, foi um período crítico, de escassez da produção, elevação dos
preços dos gêneros alimentícios, deficiência de transportes e outros problemas
gerados pelo conturbado instante. Todas essas dificuldades se abateram sobre os
Cunha às voltas com a débil saúde da mãe de família e do recém-nascido.
Daí, as
frequentes idas de Eudóxia para Teresópolis, com quem se harmonizava e de quem
recebia apoio, onde se hospedava com a irmã Rosinda Gouveia. Em certo momento,
particularmente grave, Manuel teve que liquidar seus negócios e acompanhar a
família para a fazenda São Joaquim, onde residia Laura Garcez, também sua
cunhada. É que Eudóxia fora atingida pela tuberculose, não podendo mais cuidar
da família.
Não se
detiveram nesse local, transferindo-se, em seguida, para
Conceição-da-Ponte-Nova, onde existiam melhores recursos médicos. Entretanto,
poucos meses depois morria Eudóxia, deixando dois filhos pequeninos: Euclides e
Adélia, com apenas três e um ano de idade. A solução foi a volta para a casa da
tia Rosinda, em Teresópolis, onde Euclides permaneceria até 1871, porquanto
a tia pouco tempo depois faleceria.
A
peregrinação continuaria com a morada na casa da tia Laura Garcez, onde o
menino feioso e triste viveria mais sete anos, sob os cuidados daquela que foi
sua terceira mãe. Segundo seus biógrafos, ali não se sentia acolhido, mas
apenas um agregado, não tendo Euclydes reservado qualquer comentário sobre essa
passagem de sua vida, o que aconteceu, contudo, em relação à casa de tia
Rosinda.
Era o ano
de 1874 e Euclides, como os meninos da Fazenda São Joaquim, necessitava de
escola, razão pela qual ingressou no colégio Francisco José Caldeira da Silva –
homem de ideias republicanas, que na casa da Gamboa instalara um internato, que
acolhia os filhos dos fazendeiros da região. Naquele estabelecimento militava o
mestre Caldeira, excelente professor de gramática, retórica e francês, de cujos
ensinamentos muito se beneficiou Euclides. Tanto assim que, em três anos de
estudo habilitou-se a estudar na Corte sendo conduzido, em 1877, para a Corte,
a fim de preparar-se para o futuro.
Enquanto
seu pai se estabelecia no comércio do Rio de Janeiro, seguiu Euclides para a
Bahia, onde durante um ano cursou o Colégio Carneiro Ribeiro. Mas, não parou
por aí sua vida itinerante. Volta ao Rio, em 1879, passando a morar na casa do
tio Antônio, no Largo da Carioca, e cursado o Colégio Anglo–Americano.
Em 1880
impressionou-se com o motim de Lopes Trovão contra o imposto do vintém,
impregnando-se dos ideais republicanos e, no ano seguinte, ainda sob a chefia
desse líder, assistiu novas manifestações republicanas, cujo pretexto era a
reforma eleitoral do ministério Saraiva.
A Revolta
do Vintém vale recordar, ocorreu no final de 1870, no Rio de Janeiro, tendo
sido deflagrada pelo aumento da taxa de vinte (reis), um vintém, cobrados sobre
o transporte público feitos pelos bondes de tração animal que serviam à
população. Lopes Trovão foi um dos mais ativos propagandistas republicanos e
ardoroso abolicionista, além de signatário do Manifesto Republicano de 1870.
Euclydes
impressionou-se com a vibração do médico, jornalista e político brasileiro, o
trovejante orador Lopes Trovão. Nascia ali, também, o combativo e
impetuoso republicano - Euclydes da Cunha.
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