Por Artur de Azevedo
(CONTO
MEIO PLAGIADO E MEIO ORIGINAL. FOI PRESERVADA A ORTOGRAFIA DA ÉPOCA)
Um dia em que o Barreto, acabado o expediente,
palestrava com alguns dos seus colegas de repartição, queixou-se da mesquinhez
dos ordenados.
- Ora! Tu nada sofres! Acudiu um dos colegas, com
um sorriso impertinente.
- Nada sofro?! Ora esta! Por quê?!.
- Porque és rico!
- Rico, eu?!...
- Naturalmente. Se não fosses rico, tua mulher não
poderia andar coberta de brilhantes!
O Barreto soltou uma gargalhada.
- Ah, meu amigo, os brilhantes de minha mulher são
falsos, são baratinhos, não valem nada!
- Não parece.
- Não parece, mas são. Minha mulher é de uma
economia feroz, e tudo quanto economiza emprega em toilettes e
jóias... mas que jóias!... Falsas, falsas como Judas... Já lhe tenho dito um
milhão de vezes que se deixe disso; que não use jóias uma vez que não pode
usá-las verdadeiras; que ela somente a si mesma se ilude, tornando-se ridícula
aos olhos do mundo; mas não há meio: aquilo é mania! Tirem tudo, tudo à
Francina, mas deixem-lhe as suas jóias de pechisbeque!...
Realmente assim essa Francina, de vez em quando,
mostrava ao marido um par de bichas de brilhantes ou um colar de pérolas, que
produziam o mais deslumbrante efeito, mas não passavam de jóias de teatro,
compradas com os vinténs que ela poupava nas despesas da copa.
Barreto, que fora sempre um pobretão, nada entendia
de pedras finas e por isso achava que as de sua mulher, apesar de falsas, eram
bonitas; mas, no íntimo, ele envergonhava-se daquela fulgurante exibição no
pescoço, nos braços, nos dedos e nas orelhas de Francina.
- Os que sabem que essas jóias são falsas, pensava
ele, hão de me achar ridículo; os que as supõem verdadeiras poderão fazer de
mim um juízo ainda mais desagradável. Toda a gente sabe quanto ganho: os meus
vencimentos figuram na coleção de leis, na tabela anexa ao regulamento da minha
repartição...
O Barreto pensava bem; mas a sua debilidade moral
não permitia que ele contrariasse Francina.
Um dia o fracalhão percebeu - com que alegria! -
que ela estava no seu estado interessante. Eram casados havia oito anos e só
agora se lembrava o céu de abençoar a sua união, mandando-lhes um filho! Ele
esperava que os cuidados maternos modificassem o que sua mulher tinha de
ridícula e vaidosa.
Mas as suas esperanças foram cruelmente frustradas
pela fatalidade: a criança, extraída a ferros, nasceu morta, e Francina morreu
de eclampsia.
O Barreto sentiu tanto, tanto, que quase morreu
também.
Havia um mês que era viúvo quando um dia lhe
apareceu em casa um homem que ele não conhecia, e se deu a conhecer como um dos
joalheiros mais conhecidos da capital.
O Barreto perguntou-lhe o motivo da sua visita.
- É muito simples. A falecida sua senhora tinha
jóias. É natural que o senhor não precisando delas pretenda desfazer-se de
algumas, senão de todas. Venho pedir-lhe que me dê a preferência.
- Preferência para quê?
- Para comprá-las.
- Mas, meu caro senhor, as jóias de minha mulher
são falsas.
- Falsas? Ora essa! E é a mim que o senhor diz
isso, a mim que lhas vendi! A sua senhora seria incapaz de pôr uma jóia falsa!
- O senhor engana-se!
- Tanto não me engano, que lhe ofereço por essas
jóias, se se conservam todas em seu poder, sessenta contos de réis!
O Barreto ficou petrificado; entretanto, disfarçou
como pôde a comoção, e despediu o joalheiro, dizendo que o procuraria na loja.
Logo que ficou só, encaminhou-se para o quarto da
morta, e abriu a cômoda onde se achavam as jóias; mas ao vê-las sentiu uma onda
de sangue subir-lhe à cabeça e caiu para trás.
Quando lhe acudiram estava morto.
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