Por Artur de Azevedo
Meteu-se
em cabeça do pobre Raposo que havia de ser o marido da senhorita Ernestina
Soares, e verdade, verdade, ele tinha por si os pais da moça, que o sabiam
possuidor de um bom número de prédios e apólices e viam na sua pessoa o ideal
dos genros.
A
senhorita não era da mesma opinião, em primeiro lugar porque gostava muito do
primo Enéias, que não tinha apólices nem prédios, mas era um bonito rapaz e um
mimoso poeta e, em segundo lugar, porque o Raposo, coitado!, pesava nada menos
de cento e vinte quilogramas, isto é, tinha uma pança que o incompatibilizava
absolutamente com um ideal de moça.
O
Soares - honra lhe seja! - não era homem que obrigasse a filha a casar-se
contra a vontade; entretanto, procurou convencê-la de que a corpulência do
Raposo não era um pecado nem um delito, nem uma vergonha, e melhor vida teria
ela em companhia dele que na do primo Enéias, um troca-tintas que não valia
dois caracóis.
O
Soares, que tinha as suas leituras, apontou à filha o exemplo de muitos homens
ilustres que foram grande barrigudos, mas tudo em vão: decididamente a pequena
estava enrabichada pelo primo Enéias.
O
mais que o velho obteve foi fazer com que a filha recebesse, em companhia dos
pais, a visita do Raposo.
-
Tu não o conheces! Olha que é um homem de espírito e um cavalheiro de fina
educação! Isso de mais barriga ou menos barriga não quer dizer nada! Vou
convidá-lo para vir tomar uma noite dessas uma xícara de chá em nossa casa.
Durante a sua visita examiná-lo-ás de perto. Quem sabe? Talvez se modifiquem as
tuas impressões. Se não se modificarem, paciência - casa-te com quem quiseres e
sê pobre à tua vontade!
Na
noite aprazada o landau do Raposo conduziu-lhe a pança até à casa do Soares, e
o capitalista foi recebido com muita amabilidade por toda a família.
Ele
sentou-se em uma delicada cadeira de braços em que parecia não caber, e durante
uma hora falou da sua vida, das suas viagens, das suas aventuras por esse mundo
a fora com tanta loquacidade, com tanta graça, com tanta verve, que
efetivamente a senhorita esqueceu-se de que ele era gordo e começou a achá-lo
simpático.
No
fim daquela hora o primo Enéias estava quase esquecido; mas vejam os leitores
de que depende, às vezes, o destino de um homem: quando, convidado a passar à
sala de jantar, onde estava servido o chá, Raposo se ergueu, ergueu consigo a
cadeira que ficou apertada entre os seus quadris, extraordinariamente dilatados
por um largo repouso.
O
desgraçado forcejou para arrancar a cadeira e não conseguiu. O Soares
aproximou-se dele e começou a puxá-la com toda a força, enquanto o Raposo,
curvado, agarrava-se ao umbral de uma porta como a um ponto de apoio.
Também
o Soares não conseguiu tirar o pobre Raposo daquela prisão.
-
Não puxe! não puxe mais! - gritou ele. - Olhe que quebra!...
E,
agachado, esgueirou-se pela escada abaixo, sem se despedir de ninguém, levando
consigo a cadeira.
A
porta esperava-o o landau onde ele entrou, calculem com que dificuldade,
gritando ao cocheiro que o levasse à casa, enquanto alguns transeuntes,
espantados, riam às gargalhadas vendo aquele barrigudo, no carro, de gatinhas,
com os largos quadris comprimidos entre os braços de uma cadeira.
A
senhorita, desde que o Raposo se ergueu até que o viu entrar no landau, riu
tanto, tanto, que foi preciso desapertar-lhe o colete.
Uma
hora depois um criado restituía ao Soares a maldita cadeira.
Naquela
casa nunca mais se falou no Raposo.
A
senhorita continua a namorar o primo Enéias, que está à espera de um emprego no
Povoamento do Solo para se poder casar.
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