Por Luiz Carlos Facó
O autor abraçado a João
Ubaldo Ribeiro
A Bahia tem
História e estórias, como diria Luiz da Câmara Cascudo, superlativo historiador
e folclorista, que preferia assim apelidar os “causos” pescados na cultura
popular, salvos do esquecimento pela tradição oral, e que tanto gosto de
reproduzi-los como se fossem epifanias.
Em nossa
terra, quem os conhece, a fundo, de cor e salteado, é o escritor jornalista e
requintado poeta Sebastião Nery, quer por colecioná-los quer por ser agente ou
ter testemunhado muitos deles.
No meu caso
guardo, no baú das minhas reminiscências, alguns merecedores de divulgação, por
retratarem o lúdico e a irreverência da buliçosa alma baiana. Muitos deles
vivenciei. Na qualidade de protagonista ou de coadjuvante. Doutros, tomei
conhecimento por ouvir dizer, através de um espírito santo de orelha, a
cochichar em meus ouvidos.
Os que até
aqui tenho contado têm o abono da veracidade. Firmados por meu amigo e compadre
Hélbio Palmeira, talentoso mestre do Direito Trabalhista, dono de privilegiada
memória e feitio próprio de marrá-los.
A Bahia não
é um opúsculo. É no mínimo uma enciclopédia. Prólogo de todos os acontecimentos
da vida brasileira. Não é a cena introdutória do dramático ou do funesto, como
ocorria na primeira parte das peças representadas no antigo teatro grego. É o
prefácio do alvorecer. Senhora de um grandioso porvir. Do culto das artes, em
particular, o canto, a dança e a literatura. Em suas terras nasceu o Brasil.
Nela se fundou a primeira cidade do país, mantida por duzentos e muitos anos
como sua capital. Foi, em seu território, que se travaram lutas sangrentas pela
consolidação da independência pátria. Nela foram gerados nomes que glorificam a
independência nacional: Gregório de Matos, o poeta satírico, reconhecido pelo
povo como “boca do inferno” ou “poeta maldito”, Rui Barbosa, Carneiro Ribeiro,
Castro Alves, Pedro Calmon, João Mangabeira, Jorge Amado, Adonias Filho, João
Ubaldo Ribeiro. Tantos quantos os incontáveis pássaros que voejam que voejam,
em bandos, à procura de sítios fartos em alimentos e água. Também, este rincão
abençoado, berço da cultura nacional, o é do sincretismo religioso e da etnia
brasileira. Dada à luz pela miscigenação do negro, do índio e do branco, que
pariram uma gente generosa. Afável. Sorridente. Festeira. Cúmplice. Exacerbada
nas expressões físicas para demonstrar alegria e prazer. Trabalhadora.
Inventiva. Capaz de arrumar um jeitinho qualquer para solucionar uma quizila.
Inteligente. Seu biótipo atraí a todos pela beleza e sensibilidade que dela
emanam como são atraídas as abelhas pelo néctar adocicado das flores. Apta, a
um só tempo, de crer em Deus e em crendices. De orar e de recorrer a um ebó. De
se benzer e carregar consigo um patuá. De sagacidade insuspeita. Possuidora de
tolerância que não beira a decrepitude. Às vezes soberba. Petulante. Invejosa,
como disse Otávio Mangabeira: “Por pura inveja, o baiano gasta cem mil réis
para que o seu vizinho não ganhe dez mil réis”. Portadora, não se precisa
esconder, de todas as mazelas e vícios da humanidade. Pudera! Ninguém é
perfeito.
Escreveu, um
dia, Machado de Assis: “Virtudes inteiriças são invenções dos poetas”.
O mais
atraente desta terra de Rui Espinheira, Roberto Sá Menezes, Hélio Pólvora, Fred
Souza Castro, Milze Soares Eon, João Carlos Teixeira Gomes, o Joca – pena de
aço, José Andrade, Luiz Henrique Behrens, Rodrigo Sá Menezes, Paulo Segundo,
Waltinho Queirós, e tantos outros, tantos quantos o seu tamanho, é o
encantamento que desperta. É a absoluta teimosia do seu povo em preservar suas
tradições, embora, algumas delas, tenham se dissipado, como se esvaem as brumas
do amanhecer.
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