sábado, 2 de agosto de 2014

DE JURAS E JURAMENTOS

Crônica de Jayme Barbosa

Juramento de Hipócrates

Na infância, aprendemos que não se deve jurar em vão, tampouco em nome de Deus ou da mãe. Na adolescência, juramos fidelidade à pátria e ensaiamos juras de amor. No fim do curso universitário – à exceção do compromisso de Hipócrates, que os médicos juram e nem sempre cumprem – papagueiam-se promessas vãs, sem nenhuma convicção, no ato da formatura.
Pois não é que um dia desses topei no jornalzinho do CREA, órgão que – livradas as artes médicas e advocatícias – cuida de apoquentar, com notável competência, quase todo o resto; topei, ia dizendo, com um modelo de juramento para geólogo apresentado ao conselho  em maio de 2001 e exibido com destaque no jornaleco, que mais parecia pacto de sangue.
Entendi que antes disso geólogo não jurava nada, portanto. Caía de cuca fresca nas lides laborais, sem compromisso nem dor de consciência. Antes de ler o textículo proposto, confesso que cheguei a invejá-los. Mas, depois de lido, a possibilidade de jurar sobre aquela estapafurdice amorteceu-me a inveja.
Começa assim o solene descompromisso; “Juro, por Gaia, minha Mãe-Terra, por suas rochas, solos, águas e ares e por todos os seres vivos, humanos ou não, que a ela estão indissoluvelmente entrelaçados, que Eu, com todas as minhas forças e com plena consciência, cumprirei esse juramento.” Juro que isso está escrito e não acaba aí. Este primeiro parágrafo ocupa 10% da obra toda.
Admirei, todavia, o vigor no disparo da jura. Só não entendi a razão da sofrida Gaia ter sido, logo de saída, encurralada entre vírgulas e com apenas uma proposição de companhia. Trata-se, afinal, da mãe da terra, a quem é prestada pungente veneração de cabo a rabo do juramentaço. Por que será que ensanduicharam a velha? Algum motivo houve. Pela arrumação do período, foi talvez questão de respeito. Desbodaram a mãe para cair logo nas rochas, solos, águas, ares e no que mais houver em cima ou embaixo dela, humano ou não, no caetânico dizer.

Mas, malgrado a inconveniência da vírgula carcereira, juramento bom taí e moralizante quando acaba. Não deixa nada de fora. Cobre tudo, e tudo entrelaçado indissoluvelmente na pobre velha cansada de guerra. Por isso, tem gente que prefere juramento sem mãe no meio, para evitar agarramento na coitada.
Antes disso, eu que pensava na geológica categoria a cuidar apenas do ser vivo depois de morto e fossilizado, tive de reaprender. Todos os bichos e pés-de-pau – muriçoca, baleia, jurubeba, mandioca e que tais – são considerados seres vivos desumanos e ficam sob jura e proteção dos geólogos.
Depois é a vez do “que Eu”, cuja maiúscula no eu confere ao formando o status de santo. Tá certo. Pra enfrentar uma jura dessa só com alguma beatice de permeio.
Nessa altura, esmagado pelo juramentássico texto, que por dever de consciência e atenção ao leitor não reproduzo todo, baixou-me sonho de simplicidade à cuca. Imaginei toda a turma dessa área, denominada impropriamente de exata – geólogos, engenheiros, arquitetos, geógrafos e geofísicos –, junta, assumindo solene compromisso. Jurando sobre uma única frase, singelante e impactuosa, jamais deixar que os desconselhos da vida publiquem, entre outras jericadas, asnices juramentadas como aquela. 

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