Crônica de Jayme
Barbosa
Juramento de Hipócrates
Na infância,
aprendemos que não se deve jurar em vão, tampouco em nome de Deus ou da mãe. Na
adolescência, juramos fidelidade à pátria e ensaiamos juras de amor. No fim do
curso universitário – à exceção do compromisso de Hipócrates, que os médicos
juram e nem sempre cumprem – papagueiam-se promessas vãs, sem nenhuma
convicção, no ato da formatura.
Pois não é
que um dia desses topei no jornalzinho do CREA, órgão que – livradas as artes
médicas e advocatícias – cuida de apoquentar, com notável competência, quase
todo o resto; topei, ia dizendo, com um modelo de juramento para geólogo
apresentado ao conselho em maio de 2001
e exibido com destaque no jornaleco, que mais parecia pacto de sangue.
Entendi que
antes disso geólogo não jurava nada, portanto. Caía de cuca fresca nas lides
laborais, sem compromisso nem dor de consciência. Antes de ler o textículo
proposto, confesso que cheguei a invejá-los. Mas, depois de lido, a
possibilidade de jurar sobre aquela estapafurdice amorteceu-me a inveja.
Começa assim
o solene descompromisso; “Juro, por Gaia,
minha Mãe-Terra, por suas rochas, solos, águas e ares e por todos os seres
vivos, humanos ou não, que a ela estão indissoluvelmente entrelaçados, que Eu,
com todas as minhas forças e com plena consciência, cumprirei esse juramento.”
Juro que isso está escrito e não acaba aí. Este primeiro parágrafo ocupa 10% da
obra toda.
Admirei,
todavia, o vigor no disparo da jura. Só não entendi a razão da sofrida Gaia ter
sido, logo de saída, encurralada entre vírgulas e com apenas uma proposição de
companhia. Trata-se, afinal, da mãe da terra, a quem é prestada pungente
veneração de cabo a rabo do juramentaço. Por que será que ensanduicharam a
velha? Algum motivo houve. Pela arrumação do período, foi talvez questão de
respeito. Desbodaram a mãe para cair logo nas rochas, solos, águas, ares e no
que mais houver em cima ou embaixo dela, humano ou não, no caetânico dizer.
Mas,
malgrado a inconveniência da vírgula carcereira, juramento bom taí e
moralizante quando acaba. Não deixa nada de fora. Cobre tudo, e tudo
entrelaçado indissoluvelmente na pobre velha cansada de guerra. Por isso, tem
gente que prefere juramento sem mãe no meio, para evitar agarramento na
coitada.
Antes disso,
eu que pensava na geológica categoria a cuidar apenas do ser vivo depois de
morto e fossilizado, tive de reaprender. Todos os bichos e pés-de-pau –
muriçoca, baleia, jurubeba, mandioca e que tais – são considerados seres vivos
desumanos e ficam sob jura e proteção dos geólogos.
Depois é a
vez do “que Eu”, cuja maiúscula no eu
confere ao formando o status de
santo. Tá certo. Pra enfrentar uma jura dessa só com alguma beatice de permeio.
Nessa
altura, esmagado pelo juramentássico texto, que por dever de consciência e
atenção ao leitor não reproduzo todo, baixou-me sonho de simplicidade à cuca.
Imaginei toda a turma dessa área, denominada impropriamente de exata –
geólogos, engenheiros, arquitetos, geógrafos e geofísicos –, junta, assumindo
solene compromisso. Jurando sobre uma única frase, singelante e impactuosa,
jamais deixar que os desconselhos da vida publiquem, entre outras jericadas,
asnices juramentadas como aquela.
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