Pe.
Manoel Henrique
Este perfil do sertanejo nordestino passa necessariamente pelo lado
histórico, pelo espaço cultural, que torna possível sua convivência humana.
Segundo Pitlirim-Sorokin, em seu livro Cultura e Sociedade, afirma: o “eu”
nasce da “realidade” e a “realidade” brota do “eu”, numa interação
inseparável, sem poderem ser dissociados para não se perder uma parte desta
verdade.
O Rio São Francisco foi um ponto de convergência para os que desceram
do Maranhão, Piauí, Ceará, e outros, a partir do século XVII, tangendo e ao
mesmo tempo tangido pelo gado e os que subiram atraídos pelas minas. O
sertanejo surgiu fruto da miscigenação negro-indígena e branca.
Encontramos assim duas atividades que marcaram a formação do sertão: a
criação de gado e a extração mineral. E daí: o vaqueiro e o garimpeiro. A
agricultura de subsistência passa a ser uma atividade intermediária. Esta
agricultura depende fundamentalmente da situação física, dos ciclos da seca,
inseparáveis da vida do sertão. O vaqueiro é uma figura obrigatória para quem
atravessa os misteriosos caminhos da caatinga. Aparentemente, é um homem
calmo, indolente, mas num átimo, reage com todas as suas forças e sai em
busca do gado fujão, desobediente. A roupa de couro, seu orgulho de
indumentária, é também uma necessidade para enfrentar a natureza agressiva de
região. Atravessar a caatinga é uma arte desafiadora: o incauto ficará ferido
pelos espinhos, preso entre os cipós. Os inumeráveis caminhos da caatinga
levam a todos os cantos, mas o estranho pode se perder na primeira
encruzilhada.
A natureza marca o homem do sertão, em sua alternância de fertilidade
nos tempos de água e de morte, nos tempos de penúria e martírio prolongados,
perpassa interiormente sua alma sertaneja. No tempo das chuvas, a caatinga é
verdejante, enche os olhos e o coração de muita esperança. Vem a seca, e a
vida seca, se encolhe, deixando o cheiro de morte. A perder-se no horizonte,
domina a caatinga, juremas,
xique-xiques, mandacarus, palmas, cabeças-de-frade, angicos,
umbuzeiros, juazeiros, jatobás, caroás, gravatá, macambiras. Mesmo quando
falta a chuva altaneiros amostram-se os jatobás, jamelões, juazeiros,
gameleiras, no meio da caatinga estorricada.
Darcy Ribeiro, um dia, assim Definiu: “O Sertão é uma Civilização”.
Civilização tão consistente e resistente, que permanece incólume diante do
império avassalador da mídia. Capaz de residir muitos anos em São Paulo, para
onde foi exilado da seca, e, ao voltar, põe seu chapéu de couro, coloca o
facão na cintura e vai para a roça, com a mesma naturalidade de antigamente.
Contará as mesmas histórias fantásticas do tempo da infância, celebrará os
mesmos gestos religiosos e seus costumes que somente se justifica no caso de
uma civilização fincada com raízes profundas.
Acima de tudo, o sertanejo é um homem contemplativo, capaz de
permanecer sozinho com seus botões, horas a fio, na soleira de sua casa,
fumando seu cigarro de palha, olhando perdidamente para o distante horizonte.
É um homem de poucas palavras, perguntas curtas, respostas diminuídas. Em
outros momentos, porém, movido a algum “gole”, torna-se loquaz, capaz de
longas conversas, não esquecendo de contar os causos de seu conhecimento,
reminiscências dos mais velhos, figuras veneráveis do passado. Homem pacífico,
mas que não risca o facão em vão. Homem religioso, reconhece que tudo é
providência de Deus. O sagrado para ele é o misterioso, o insondável, o
terrível, o inacessível.
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