Colaboração de Fernando Alcoforado*
A história
econômica de inúmeros países demonstra que o capitalismo de Estado tem sido a
solução para vencer o atraso econômico. Foi o caso da União Soviética, da
China, de Taiwan, do Japão e da Coreia do Sul no Século XX. O progresso
econômico alcançado
por esses países se deveu fundamentalmente ao papel desempenhado pelo Estado na
promoção do desenvolvimento. Muito provavelmente o desempenho
econômico
desses países seria inferior se suas economias ficassem sob o livre jogo do mercado. O
papel do Estado é decisivo para que se desenvolvam as condições para incrementar
o progresso técnico e viabilizar o processo de acumulação do capital em países
periféricos. O Estado pode assumir, em um extremo, o papel de planejar e controlar
a economia como um todo e, no outro, o de apoiar as empresas na consecução de
seus objetivos.
No
entanto, nas nações onde o capitalismo de Estado foi bem sucedido, o desenvolvimento
social não aconteceu no mesmo ritmo em que se deu o desenvolvimento
econômico. Isso se deve ao fato de que nesses países a Sociedade Civil não
encontrou espaço para interferir nos rumos da atividade econômica. Uma das características
dos países onde prevalece o capitalismo de Estado é a centralização do poder em
mãos de uma burocracia estatal que privilegia os interesses dos grupos econômicos
capitalistas e/ou das elites dirigentes em detrimento dos interesses sociais.
Em outras
palavras, o capitalismo de Estado pode realizar o progresso econômico sem alcançar,
no entanto, o progresso social. Este foi o caso de países como o Japão, a Coréia do
Sul, Taiwan, a União Soviética e a China.
Na União
Soviética, por exemplo, onde ocorreu uma revolução socialista voltada para atender os
interesses do proletariado e da grande maioria da população, o desenvolvimento
social do país não aconteceu no mesmo ritmo de seu desenvolvimento econômico. A
prioridade dos governantes da União Soviética era promover o desenvolvimento
acelerado das forças produtivas para superar o atraso econômico. Nos primórdios
da revolução, sob a liderança de Lênin, havia a participação da sociedade civil
(sovietes) nas decisões do governo, apesar da prevalência do partido comunista como
supremo poder da nação. Com a morte de Lênin e a ascensão de Stalin ao comando
do partido comunista, os sovietes foram excluídos de participação nas decisões
do governo e, mais tarde, a ditadura do partido comunista se transformou em ditadura
pessoal de Stalin. Apenas com a morte de Stalin, o poder soviético voltou a ser
exercido pela máquina do partido comunista, apesar da força de seus dirigentes máximos.
A economia soviética se transformou com o tempo em capitalismo de estado em que
o excedente econômico ou mais valia gerada pela sociedade era utilizada na expansão
econômica e em benefício da elite dirigente do país, que se transformou em burguesia
de estado.
Na China,
onde ocorreu também uma revolução socialista voltada também para atender os
interesses do proletariado e da grande maioria da população, o desenvolvimento social
do país não aconteceu no mesmo ritmo de seu desenvolvimento econômico.
Quando Mao
Tse Tung exercia sua liderança à frente do partido comunista e da nação, seu
propósito era implantar o socialismo a todo o custo combatendo todas as possibilidades
de renascimento do capitalismo no país. A revolução cultural representou a
última tentativa de Mao Tse Tung de evitar o retorno do capitalismo no país. A
morte de Mao Tse Tung e a derrota política das forças que o apoiavam significou
a ascensão ao poder no partido comunista e na China de Deng Xiaoping que
promoveu o renascimento do capitalismo no país e a abertura da economia chinesa
ao capital internacional. O socialismo de Deng Xiaoping passou a se denominar
de “socialismo de mercado”. A economia chinesa se transformou a partir deste
momento em capitalismo de estado em que o excedente econômico ou mais valia
gerada pela sociedade era utilizada na expansão econômica e em benefício da
elite dirigente do país, que se transformou em burguesia de estado. Desde a
revolução chinesa até o presente momento, a China vem sendo governada pelo
partido comunista e por uma elite dirigente que exercem o comando da nação
usufruindo de grandes privilégios. A sociedade
civil não participa das decisões do governo que são exercidas exclusivamente pela
elite dirigente. A China se constitui hoje na segunda potência econômica do planeta.
No entanto, o mesmo não ocorre no plano social.
À exceção
do Canadá e dos países escandinavos (Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega),
não há registro, na história econômica mundial, de país que tenha promovido o
desenvolvimento econômico simultaneamente com o desenvolvimento social, isto é,
que tenha apresentado elevadas taxas de crescimento do PIB e desenvolvimento regional
equilibrado ao mesmo tempo em que tenha atendido às demandas sociais em termos
de pleno emprego, adequada distribuição da renda e da riqueza nacionais, habitação,
serviços de educação e saúde e acesso à cultura, dentre outros. No capitalismo,
a compatibilização do progresso econômico com o bem–estar social depende
fundamentalmente da capacidade que os movimentos sociais tenham de pressionar o
governo e as classes dominantes no atendimento das demandas sociais. Os países
da Europa Ocidental conquistaram grande avanço nas leis sociais graças à força da
Sociedade Civil organizada.
No momento
atual, com a expansão do neoliberalismo em escala planetária, muitas das conquistas
sociais alcançadas pelos trabalhadores em todo o mundo no Século XX estão sendo
postas em xeque, incluindo o próprio Estado do Bem–Estar Social implantado em alguns
países da Europa Ocidental. Nos países capitalistas periféricos como o Brasil, seus
governos estão promovendo um processo de abertura da economia e flexibilização da
legislação trabalhista com base no modelo neoliberal para facilitar o ingresso
de capitais externos em detrimento dos interesses dos trabalhadores e da maioria
da população. Diante desse fato, o desenvolvimento social não acompanha o desenvolvimento
econômico onde este ocorra.
Pode-se
afirmar que os países que têm maior capacidade de gerar poupança própria realizam
maior volume de investimentos na atividade produtiva e têm mais chance de promover o
desenvolvimento econômico acelerado. Constata-se que o desenvolvimento econômico
tem mais chance de ocorrer de forma acelerada nas economias de mercado onde
prevalece o capitalismo de Estado e nas economias centralmente planificadas, sobretudo
nessas últimas, devido ao maior controle do Estado sobre o ato de poupar e de
investir. A história econômica mundial é plena de exemplos dessa ordem, como é
o caso dos países denominados socialistas (União Soviética e China) e dos
países do Pacífico Asiático (Japão, Coréia do Sul e Taiwan).
Viabilizar
poupança própria em grande volume para poder investir no processo de acumulação
de capital representa o grande desafio dos países periféricos e semiperiféricos.
Os países do Pacífico Asiático (Japão, Coréia do Sul e Taiwan) conseguiram
realizar tal proeza e expandir suas economias na segunda metade do
Século XX.
No entanto, outros países, como foi o caso do Brasil de 1930 até o presente momento,
expandiram suas economias apoiando-se na poupança externa para não comprometerem
os níveis de consumo interno. Os países que optaram por utilizar poupança
externa na promoção de seu desenvolvimento fracassaram duplamente: a expansão
econômica cessou ou declinou, isto é, não foi sustentável e o endividamento externo
ampliou-se. Esse fato mostra que a chave para promover o desenvolvimento econômico
de um país reside na geração da poupança interna para realizar os
investimentos
necessários.
Está
bastante comprovado pelos exemplos da história que o desenvolvimento econômico
não se sustenta com a insuficiência do processo de acumulação do capital, da mesma
forma que o desenvolvimento social não se realiza com a fraqueza da Sociedade
Civil organizada, dos sindicatos de trabalhadores e dos partidos políticos progressistas,
somados a fatores culturais inibidores. Acumulação de capital apoiado na poupança
interna para promover o desenvolvimento econômico e o fortalecimento da Sociedade
Civil Organizada são essenciais para que o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento
social se realizem na plenitude e simultaneamente.
Constata-se,
também, pelos exemplos da história, que um país ou uma região só alcançará níveis
elevados de desenvolvimento econômico se existirem recursos humanos e naturais em
quantidade e qualidade, infraestrutura econômica e social compatível com as necessidades,
mercados interno e externo para os produtos e serviços nele produzidos, economias
de aglomeração que assegurem produtividade e competitividade para os produtos e
serviços, redes de empresas que possibilitem a constituição de cadeias
produtivas de elevada competitividade e disponibilidade de recursos públicos e
privados para investimento. As fragilidades do Brasil em termos de recursos
humanos, infraestrutura econômica e social e recursos públicos e privados para
investimento comprometem enormemente seu desenvolvimento econômico.
Está
também bastante demonstrado que o país ou a região que reunir todos esses
fatores se constituirá em lócus privilegiado para o processo de acumulação de
capital e, em consequência, promoverá seu desenvolvimento econômico. Os países
capitalistas desenvolvidos (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França,
etc), também os novos países industrializados (Japão, Coreia do Sul, Taiwan,
Austrália, Nova Zelândia, etc.), prosperaram economicamente porque conseguiram
reunir a maior parte dos fatores acima mencionados. De modo geral, os países
que não prosperaram são aqueles que apresentam carência total ou parcial desses
fatores. Por sua vez, os países capitalistas periféricos e semiperiféricos têm
seu progresso barrado, não apenas devido à existência de modos de produção
pré-capitalistas e ao atraso ou inviabilidade do processo de industrialização,
mas, sobretudo, em consequência da ação colonialista e imperialista das grandes
potências capitalistas.
Não há
exemplo na história de transformação de país capitalista periférico para a condição
de país desenvolvido. No Século XX, nenhum país situado na periferia capitalista
se tornou desenvolvido. A Coréia do Sul foi o único da periferia capitalista que
avançou para a condição de país semiperiférico e o Japão e a Itália saíram da condição
de países semiperiféricos para a de integrantes do núcleo de países
capitalistas desenvolvidos. A União soviética, os países socialistas do leste
europeu e a China não conseguiram se transformar em países desenvolvidos,
apesar do grande esforço realizado.
Não há
progresso econômico e social de uma nação sem a realização de mudanças econômicas
e sociais. O progresso econômico se materializa quando há transformação, mudança e
criação de riqueza e o progresso social só acontece quando a riqueza é amplamente
distribuída pela população, isto é, não é concentrada. Um projeto de desenvolvimento
tem, portanto, caráter progressista quando o desenvolvimento econômico
e o desenvolvimento social ocorrem simultaneamente. No mundo inteiro, também nos
países desenvolvidos, com a exceção de alguns poucos países (Canadá e países
escandinavos) o progresso ainda não se realizou na plenitude. No planeta, tem havido na
era contemporânea uma piora em todos os países nos indicadores de bem-estar social.
Não apenas os países periféricos e semiperiféricos encontram-se em regressão
em termos de progresso no bem-estar social, mas também os países desenvolvidos.
O fato de
o Brasil ter evoluído da condição de economia primário-exportadora para a de economia
industrial na segunda metade do século XX é saudado como demonstração de progresso.
No entanto, aumentou enormemente sua dependência econômica e tecnológica em
relação ao Exterior, haja vista ter seu crescimento econômico se apoiado
fortemente em capitais externos, sobretudo a partir do processo de
industrialização iniciado na década de 1930. O verdadeiro progresso econômico e
social está ainda por se realizar no Brasil. No Brasil, nenhum governo foi
capaz de realizar ao longo da história as mudanças exigidas para a promoção de
seu progresso econômico e social. Na era contemporânea, os governantes
brasileiros realizaram muito pouco para reduzir as disparidades sociais e regionais
de renda que são ainda gigantescas no Brasil. Além disso, adotaram desde o governo
Fernando Collor a política econômica neoliberal, se subordinando aos interesses
do grande
capital nacional e internacional.
Fernando
Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas
energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997),
De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São
Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento
Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.
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