Prestes a completar 20 anos, a Agência Espacial Brasileira (AEB) convive com o desafio de tentar manter o país
no seleto grupo de países com tecnologia aeroespacial, ao mesmo tempo em que
conta com um baixíssimo orçamento.
Para se ter uma ideia, do Orçamento da União previsto para 2014 em R$ 2,5 trilhões,
apenas 9,5 bilhões estão destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI) e desse total apenas R$
300 milhões estão destinados à agência. Vale lembrar que apenas a sonda
norte-americana Curiosity custou
mais de R$ 5 bilhões (mais da metade de todo orçamento para ciência no Brasil).
A fim de entender como a AEB enfrenta as restrições
orçamentárias e se prepara para lançar satélites produzidos em território
nacional, o Blog Ceará Científico entrevistou, com exclusividade, o
presidente da agência, José Raimundo Coelho.
Blog Ceará Científico - Qual o impacto da falha do lançamento do satélite CBers-3
no Programa Espacial Brasileiro? É mesmo viável antecipar o lançamento do
CBers-4?
José Raimundo Coelho - É viável, sim, antecipar o lançamento do CBERS 4 para o final de
2014. Os brasileiros e chineses já estão empenhados nessa tarefa, desde o
início deste ano. As imagens dos satélites da família CBERS fazem parte de
um conjunto de dados muito utilizado pelos usuários brasileiros e chineses.
Entretanto, a maioria das aplicações que necessitam desses dados, utilizam ao
mesmo tempo, dados de outros satélites. Ainda não dispomos de um satélite,
cujos dados sejam suficientes para todas as aplicações. O impacto da falha,
portanto, existe e é considerável, mas não podemos afirmar que constitua um
prejuízo irreparável, pelos motivos já mencionados. Os compromissos, do
ponto de vista do programa, também não serão alterados. O CBERS 4 será lançado
proximamente e já estamos estudando a possibilidade de desenvolver um outro
satélite CBERS utilizando parte dos equipamentos sobressalentes dos CBERS3 e 4,
além das futuras famílias que farão parte da nossa agenda decenal de parceria.
BCC - Quando o Centro de
Lançamentos de Alcântara deve retomar o ritmo que tinha antes do acidente de
2003?
JRC - As obras no Centro de Lançamento
de Alcântara (CLA), no Maranhão, não
estão paradas. A Torre Móvel de Integração foi totalmente reconstruída. A obra
foi concluída no final de 2012. Um teste de integração física da torre com um
modelo “mock up” do VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites) também já foi realizado. É importante
ressaltar que a torre está pronta para operação de lançamento.
BCC – Como está o desenvolvimento
do VLM-1 (Veículo Lançador de Microssatélites)? Qual a previsão de lançamento?
JRC – O VLM-1 está na fase do projeto preliminar. A
previsão do lançamento é para o biênio 2015/2016.
BCC - E qual a importância do
desenvolvimento e lançamento do nanossatélite NanosatC-Br-1?
JRC - Desenvolver o programa de
nanossatélites é iniciar a formação de uma massa crítica de especialistas, que
será fundamental para a consolidação do programa espacial do país. O
segundo nanossatélite brasileiro e primeiro Cubesat nacional, o NanosatC-Br1,
será levado ao espaço em maio próximo pelo lançador russo DNPER.
BCC - Em termos de percentual
relativo do PIB, o Programa Espacial Brasileiro destina dez vezes menos
recursos de seu orçamento que a Índia e 30 vezes menos que os EUA, segundo
levantamento. Porque isso acontece? A falta de verbas por si só explica a
diferença entre os programas espaciais desses países ou há como driblar a
escassez de dinheiro e alavancar o setor aeroespacial no País?
JRC - É verdade que programas
espaciais de vários países do mundo dispõem de recursos muito superiores ao
nosso. Seria interessante, entretanto, examinar todas as razões e motivações
que envolvem essas determinações. Prioridades nacionais, de naturezas distintas
às brasileiras, devem estar envolvidas nessas decisões. Em algumas situações
seria justo apelarmos para soluções criativas que envolvam compromissos
financeiros de vários segmentos da sociedade.
BCC - Até que ponto, o crescimento
econômico vertiginoso de Índia e China estão relacionados ao seu poderio
aeroespacial? O Brasil pode se inspirar nesses países?
JRC - O desenvolvimento de ciência e
tecnologia em áreas, tais como, a área aeroespacial, em geral está muito
relacionada com o desenvolvimento como um todo de um país, porque se trata de
um segmento cujo desenvolvimento envolve desafios em um conjunto muito variado
e diversificado de objetos.
BCC – O incentivo ao desenvolvimento
privado de tecnologia aeroespacial poderia ser uma alternativa para o Brasil
crescer nessa área? Há alguma iniciativa nesse sentido sendo desenvolvida?
JRC - O incentivo ao desenvolvimento
tecnológico da indústria aeroespacial do país faz parte da nossa política
espacial. Os empresários são convidados a acompanhar e participar da elaboração
de projetos, como do satélite de sensoriamento terra-água Sabia – Mar, a ser
desenvolvido em parceria com a Argentina. As empresas também dialogam com a
Agência Espacial Brasileira (AEB) com o intuito de estudar oportunidades de
negócios com agências espaciais de outros países. Outra ação foi a
articulação da AEB junto ao governo chinês para que empresas brasileiras
participassem de encontros com indústrias do segmento aeroespacial do país para
a troca de informações e possível formação de parcerias, não só com vistas ao
mercado interno dos dois países, mas, também, do exterior, principalmente
América Latina.
BCC – Quais os principais projetos
que a AEB está desenvolvendo até 2016?
JRC - O Programa Nacional de
Atividades Espaciais (Pnae) prevê o lançamento de cerca de dez satélites até
2020, incluindo os de observação da Terra (solos e oceanos), meteorológicos,
comunicação e científicos. Também será dado forte incentivo para o
desenvolvimento de pequenos satélites, até porque a atividade tem forte impacto
na formação de recursos humanos, o que dará novo impulso ao desenvolvimento
espacial do país nas próximas décadas.
BCC - O que faltou ao longo dos anos
e o que deve ser feito nas próximas décadas para o Brasil diminuir o atraso em
relação às potências espaciais?
JRC - Acreditamos que a motivação mais
segura e correta para o desenvolvimento das atividades espaciais no Brasil está
mais relacionada aos benefícios que esse desenvolvimento pode acarretar à
sociedade brasileira e não necessariamente a qualquer corrida de potências
espaciais.
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