Crônica de Jayme
Barbosa
Extraída do livro
Crônicas recolhidas
O povo
brasileiro anda tão carente de divertimento, coitado, que qualquer comemoração
sem cacete e gás lacrimogêneo é bem vinda; pelo menos enquanto for lembrada a
festa do achamento, com farta distribuição de porrada entre índios e sem-
terra, para solenizar 500 anos de injustiças.
Por isso vem
a calhar a tese de que o novo século, junto com o milênio, só vai acontecer na
entrada de 2001: razões para festejos e celebrações de novo. Mas como ainda se
tem meio ano pela frente, é bom catar motivos intermediários para alegrar a
vida enquanto chega o evento: embora felicidade nunca venha desatrelada de
tristeza, para servir de contraponto.
Veja o nosso
Nordeste, fazendo louvação às barragens cheias neste fim de século, inclusive a
de Cocorobó, onde, cem anos antes, nossas forças armadas destruíram Canudos e
mataram todos seus defensores. Naquela época, longe dali, Lord Kelvin,
presidente da Royal Society Science, afirmava ser impossível o voo em aparelho
mais pesado que o ar. Ora, o homem já pisou na Lua e mandou sonda a Marte, mas
os viventes do nosso semiárido continuam a sofrer as mesmas agruras geradora de
Conselheiro e Canudos. Tanto prodígio tecnológico de um lado e miséria
permanente de outro, encaixados num mesmo século, é descompasso ruim de
suportar. Não dá para comemorar.
Depois, há
somente meio século, um dos papas da cibernética, declara que o Cérebro
Eletrônico – nome que então se dava ao computador – não pesaria no futuro mais
que uma tonelada e meia. Faz tempo que se produz computador de colo tão leve
como criança nordestina subalimentada: avanço da tecnologia, estagnação no
social. Não há razão, portanto, para regozijo.
Neste mesmo
século, as vacinas e penicilinas permitiram quadruplicar a raça humana. Com
tanta boca para comer – mesmo umas quase nada – e vaidade de poderosos para
lustrar, o binômio ciência e tecnologia foi superestimado. As nações
desenvolvidas avançaram com determinação na engenharia espacial, na automação e
na informática; geraram, por um lado, glórias, conforto, alimento e, por outro,
desemprego para os subdesenvolvidos. O balanço não permite comemoração.
Sem sair do
tema, Vinicius definiu 73 como o ano sem critério, pois mandou para o cemitério
três Pablos de um só vez: Neruda, Casals, Picasso. Allende, mesmo morto no “descriterioso” período, não entrou no
soneto, por ser somente Salvador.
Agora, 32
anos depois, pode-se apreciar a condenação de Pinochet: motivos para festas,
congratulações neste fim de ano. Vamos comemorar!
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