Um imortal baiano ou um baiano imortal
Texto de Luiz Carlos Facó
Extraído do Livro Contos em Cantos Saudosos
A
cada manhã quando o sol desponta, secando
o pranto tímido da noite, do meu leito despertando, bendigo o nascer de
um novo dia. E, numa oração, agradeço por continuar a viver. Poder beijar as
pessoas amadas. abraçá-las com ternura, propondo-me, utopicamente, exorcizar as
diferenças sociais e expulsar os demônios do preconceito. Acabar com os
sofrimentos alheios. Procurar os amigos, os muitos que fiz no eu caminhar,
dispersos por este mundão sem limites. Também escrever o que me vai n’alma.
Contar as minhas verdades. Dar asas à minha imaginação.
A
mim mesmo prometo tudo isso, mas pouco realizo. Pesam-me as tarefas. Muito mais
a execução delas. Como anunciar nada custa..., permaneço nas intenções.
Porém
uma, em particular, procuro cumprir com zelo: pensar nos amigos e não permitir
apartarem-se de mim. Pois eles se constituem na única riqueza que reuni em
minha vida.
Um
desses é João Eurico Matta.
Conheci-o
no tempo em que éramos meninos. Ao adolescermos. Num casual encontro, quando
procurava o seu irmão Paulinho, de saudosa memória, a quem busquei para
aprender matemática, matéria que abominava.
Naquele
achar, ficamos amigos. Amizade que se estendeu para toda a família. Desde o
mestre Edgard, seu pai, passando por seu
irmãos Emmanuel, Paulo, um Gênio das ciências exatas, que me ensinou a
raciocinar de forma cartesiana, Conchita e Maria das Vitórias, doces e sempre
lembradas meninas.
Nessa
época, veraneávamos em Mar grande. João na Gamboa. Num casarão avarandado,
cheio de janelas que se abriam para o mar. Eu, na Ilhota, num pequeno bangalô
confronte ao Clube dos Vinte.
Permeava
entre nossas casas uma distância considerável que eu percorria, diariamente, só
para conversar com o meu novo amigo. Um jovem escritor, que me confiava os
textos que escrevia sobre literatura oriental, transbordantes de conhecimentos,
plenos de maturidade, passíveis de serem assinados pelos mais expressivos
luminares da literatura. Considerados hoje, pela modéstia, não acintosa, mas
característica do autor, como juvenília.
Para mim havidas como capitais, à revelação de um talento precoce, que,
de tão atuais, merecem publicação.
Juro
que daquela convivência nasceu o meu desejo de escrever. Gostava de ler. De
escrever nem tanto. Quiçá por preguiça. Mas o entusiasmo que João mês passava
do seu trabalho, das suas pesquisas incendiavam o meu espírito. Daí a emulá-lo
foi um passo. Evidente que sem o brilho da sua cultura, sem o fulgor da sua
criatividade, sem a grandeza do seu gênio. Mas, ousadamente o seguia. E o sigo
até hoje sem conseguir ombrear-me ao seu engenho. Sigo-o com aprendiz. E o faço
satisfeito. Na certeza de que acompanho um mestre que só me inspira orgulho.
Por
anos, nossa convivência foi assídua. Não só em Mar Grande como na Faculdade de
Direito da Universidade da Bahia que ambos frequentávamos. Tornou-se menos
vívida, quando seguimos diferentes caminhos profissionais. João ensinando, uma
missão que abraçou desde o seu período estudantil, fazendo-se um dos fundadores
da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, da qual foi um dos
seus diretores.
Assumiu
a Secretaria da Reforma Administrativa no Governo Lomanto Júnior entre 1963 a
1967, ingressando na Academia de Letras da Bahia, como eu previra muitos
lustros antes. Hoje, vejo como minha mente se rejubila com o acerto de seus
vaticínios.
Aquele
distanciamento natural jamais arrefeceu nossa amizade. Ela se manteve firme.
Tinha raízes solidamente fincadas. Bem cuidadas. Continuamente alimentadas com
os salutares nutrientes da vida. Tanto assim, que meu penúltimo livro publicado,
Garimpando Lembranças, teve revisão e prefácio dele. De texto comovente, onde
do princípio ao fim se derramam, de maneira escancarada, elogios e sentimentos de saudade e amizade, aos quais
me curvei, reverente, porque partidos de um coração generoso.
Talvez,
dos seus amigos, seja eu o menos capaz intelectualmente para falar sobre ele.
Porém, ouso fazê-lo porque a minha incapacidade é suprida pelas inquietudes da
minha coragem, que a tudo desafia quando se propõe dizer verdades. Sobremaneira
de um homem íntegro. Marido amoroso e eternamente apaixonado por Geísa, mulher
encantadora que retorna às lides universitárias, com o vigor da juventude, à
procura das verdades universais. Pai abnegado de Alfredo Eurico e João Paulo;
de Maria Cristina, Maria Helena e Rebeca, cantora e compositora sensível. Elas
lhe deram netos queridos.
Intelectual
brilhante. Herdeiro íntegro das qualidades do velho e querido Edgard Matta.
Imortal da cultura jurídica nacional, de quem guardo o semblante, as ideias, a
voz empolgante a serviço de uma oratória impactante e convincente, a amizade e
as gentilezas com as quais sempre me seduziu. Como me seduz João Eurico, porte
de cavalheiro, nobre de gestos. Meu amigo querido.
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