sábado, 18 de outubro de 2014

JOÃO EURICO MATTA

Um imortal baiano ou um baiano imortal

Texto de Luiz Carlos Facó
Extraído do Livro Contos em Cantos Saudosos


A cada manhã quando o sol desponta, secando  o pranto tímido da noite, do meu leito despertando, bendigo o nascer de um novo dia. E, numa oração, agradeço por continuar a viver. Poder beijar as pessoas amadas. abraçá-las com ternura, propondo-me, utopicamente, exorcizar as diferenças sociais e expulsar os demônios do preconceito. Acabar com os sofrimentos alheios. Procurar os amigos, os muitos que fiz no eu caminhar, dispersos por este mundão sem limites. Também escrever o que me vai n’alma. Contar as minhas verdades. Dar asas à minha imaginação.
A mim mesmo prometo tudo isso, mas pouco realizo. Pesam-me as tarefas. Muito mais a execução delas. Como anunciar nada custa..., permaneço nas intenções.
Porém uma, em particular, procuro cumprir com zelo: pensar nos amigos e não permitir apartarem-se de mim. Pois eles se constituem na única riqueza que reuni em minha vida.
Um desses é João Eurico Matta.
Conheci-o no tempo em que éramos meninos. Ao adolescermos. Num casual encontro, quando procurava o seu irmão Paulinho, de saudosa memória, a quem busquei para aprender matemática, matéria que abominava.

Naquele achar, ficamos amigos. Amizade que se estendeu para toda a família. Desde o mestre Edgard, seu pai,  passando por seu irmãos Emmanuel, Paulo, um Gênio das ciências exatas, que me ensinou a raciocinar de forma cartesiana, Conchita e Maria das Vitórias, doces e sempre lembradas meninas.
Nessa época, veraneávamos em Mar grande. João na Gamboa. Num casarão avarandado, cheio de janelas que se abriam para o mar. Eu, na Ilhota, num pequeno bangalô confronte ao Clube dos Vinte.
Permeava entre nossas casas uma distância considerável que eu percorria, diariamente, só para conversar com o meu novo amigo. Um jovem escritor, que me confiava os textos que escrevia sobre literatura oriental, transbordantes de conhecimentos, plenos de maturidade, passíveis de serem assinados pelos mais expressivos luminares da literatura. Considerados hoje, pela modéstia, não acintosa, mas característica do autor, como juvenília.  Para mim havidas como capitais, à revelação de um talento precoce, que, de tão atuais, merecem publicação.
Juro que daquela convivência nasceu o meu desejo de escrever. Gostava de ler. De escrever nem tanto. Quiçá por preguiça. Mas o entusiasmo que João mês passava do seu trabalho, das suas pesquisas incendiavam o meu espírito. Daí a emulá-lo foi um passo. Evidente que sem o brilho da sua cultura, sem o fulgor da sua criatividade, sem a grandeza do seu gênio. Mas, ousadamente o seguia. E o sigo até hoje sem conseguir ombrear-me ao seu engenho. Sigo-o com aprendiz. E o faço satisfeito. Na certeza de que acompanho um mestre que só me inspira orgulho.
Por anos, nossa convivência foi assídua. Não só em Mar Grande como na Faculdade de Direito da Universidade da Bahia que ambos frequentávamos. Tornou-se menos vívida, quando seguimos diferentes caminhos profissionais. João ensinando, uma missão que abraçou desde o seu período estudantil, fazendo-se um dos fundadores da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, da qual foi um dos seus diretores.
Assumiu a Secretaria da Reforma Administrativa no Governo Lomanto Júnior entre 1963 a 1967, ingressando na Academia de Letras da Bahia, como eu previra muitos lustros antes. Hoje, vejo como minha mente se rejubila com o acerto de seus vaticínios.
Aquele distanciamento natural jamais arrefeceu nossa amizade. Ela se manteve firme. Tinha raízes solidamente fincadas. Bem cuidadas. Continuamente alimentadas com os salutares nutrientes da vida. Tanto assim, que meu penúltimo livro publicado, Garimpando Lembranças, teve revisão e prefácio dele. De texto comovente, onde do princípio ao fim se derramam, de maneira escancarada, elogios  e sentimentos de saudade e amizade, aos quais me curvei, reverente, porque partidos de um coração generoso.
Talvez, dos seus amigos, seja eu o menos capaz intelectualmente para falar sobre ele. Porém, ouso fazê-lo porque a minha incapacidade é suprida pelas inquietudes da minha coragem, que a tudo desafia quando se propõe dizer verdades. Sobremaneira de um homem íntegro. Marido amoroso e eternamente apaixonado por Geísa, mulher encantadora que retorna às lides universitárias, com o vigor da juventude, à procura das verdades universais. Pai abnegado de Alfredo Eurico e João Paulo; de Maria Cristina, Maria Helena e Rebeca, cantora e compositora sensível. Elas lhe deram netos queridos.
Intelectual brilhante. Herdeiro íntegro das qualidades do velho e querido Edgard Matta. Imortal da cultura jurídica nacional, de quem guardo o semblante, as ideias, a voz empolgante a serviço de uma oratória impactante e convincente, a amizade e as gentilezas com as quais sempre me seduziu. Como me seduz João Eurico, porte de cavalheiro, nobre de gestos. Meu amigo querido.

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