quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O 15 E O 17

Literatura

Conto de domínio público de Artur Azevedo
(foi observada a ortografia original)

(IMPRESSÂO DA LEITURA DE UM CONTO FRANCES)



Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo foi um dramaturgo, poeta, contista e jornalista brasileiro.
Nascimento7 de julho de 1855, São Luís, Maranhão
Falecimento22 de outubro de 1908, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro


- Com efeito, Francelina! Que tempo levaste para ires ali à venda! Querias lá ficar?
- Não, senhora; é porque estas casas novas parecem-se todas umas com as outras, e por isso, em vez de entrar no 15, entrei no 17. Varei por ali adentro até a cozinha!
- Que estás dizendo?
- A verdade, patroa. De agora em diante não entro em casa sem olhar para o número da porta!
- Depois te habituarás. Isso aconteceu porque estás na casa há oito dias apenas. Bom. Compraste o que tinhas de comprar?
- Sim, senhora.
- Não falta mais nada?
- Não, senhora.
- Então, até logo. Fecha a porta da rua e trata de preparar o jantar. As cinco horas estarei de volta.
E D. Isabel, que já estava pronta para sair, passou para o corredor, desceu a escada e desapareceu.
A Francelina fechou a porta da rua, conforme a patroa lhe recomendara, e foi para a cozinha.
Não havia passado meia hora, quando a mulata (a Francelina era mulata) ouviu bater levemente à porta da rua. Correu à janela da sala de visitas para ver quem era, e deu com uma senhora idosa, bastante idosa, pequenina, curvada, esperando que lhe abrissem a porta.
A criada não a conhecia, mas pensou consigo que não haveria inconveniente em abrir a porta a uma velha, e por isso fê-la entrar.
- Ora, graças! Julguei que me deixassem ao sol durante uma hora! Dá cá a mão, rapariga! Ajuda-me a subir a escada! Bem sabes que já não tenho olhos!
- Que deseja a senhora? - perguntou Francelina quando chegaram à sala de visitas.
- Excusas de falar baixo! Bem sabes que já não tenho também ouvidos! Nem olhos, nem ouvidos, nem pernas! E por isso leva-me à cadeira de balanço. Onde está ela?... Já mudou de lugar! Que mania a de minha sobrinha! Está sempre com os móveis daqui para ali.
A Francelina levou a velhota para a cadeira de balanço, onde a instalou comodamente.
- Ora, espera! Parece-me que eu não a conheço! Você é nova na casa?
- Sim, senhora! Estou aqui há oito dias.
- Grite!
- Estou aqui há oito dias.
- Grite mais alto!
- Estou aqui há oito dias,
- Há oito dias? Então não me conhece, porque há um mês que eu cá não venho. Sou tia da sua patroa. Onde está ela?
- Saiu.
- Hem?
- Saiu.
- Mais alto!
- Saiu.
- Saiu? Também aquilo não faz senão saracotear! Então agora que veio morar na cidade! Olha, ó... como te chamas?
- Francelina.
- Hem?
- Francelina.
- Olha, Marcelina, vai buscar uma xícara de café bem quente, com uma gotinha de conhaque, mas antes disso descalça-me estas botinas, e traze-me os chinelos da sua patroa, e também um dos travesseiros da cama. Enquanto ela não vem, vou passar pelo sono.
A Francelina fez tudo quanto ordenou a velha, e deixou-a adormecida na sala, com os pés e a cabeça metidos nos chinelos e no travesseiro de D. Isabel.
Quando esta chegou da rua, às cinco horas da tarde, a criada disse-lhe:
A tia da patroa está dormindo lá na sala. A minha tia? Mas eu não tenho tia!
- Como não tem tia?
E a Francelina contou-lhe tudo quanto se passara.
- Ora essa! - exclamou D. Isabel, e correu para a sala, acompanhada pela criada.
A velha dormia profundamente.
- Mas eu não conheço, não sei quem é esta senhora! Que quer isto dizer?... Que mistério será este?... Vou acordá-la.
E D. Isabel começou a sacudir a velha, que não acordava.
A Francelina teve uma frase estúpida:
- Sacuda com força, patroa, porque ela é surda!
D. Isabel sacudiu com mais força, e nada!.
- Meu Deus! Esta rigidez!... Esta rigidez!...
E a dona da casa soltou um grito estridente.
- Que é, patroa?
- Esta velha está morta!
- Morta?!
Efetivamente, a pobre velhinha, durante o sono, sem se sentir, passara desta para melhor.
Imagine-se a aflição das duas mulheres diante daquele cadáver misterioso; mas D. Isabel, que era inteligente, pensou:
- Quem sabe se a velha não entrou no 15 pensando que era o 17?
E pelo muro do terraço chamou a vizinha:
- Ó vizinha? Vizinha?...
- Que é?
- A senhora não tem uma tia velha, surda e catacega?
- Tenho, sim, senhora.
D. Isabel respirou.
- Pois mande buscá-la, porque ela está na minha casa. Entrou aqui por engano.
- Ela que venha; não é preciso mandar buscá-la.
- Isso é, porque está... doente... Adoeceu aqui...
Meia hora depois a pobre velha era removida... para o Necrotério.

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