quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O BEIJA-FLOR MÁRIO CABRAL

 Assevero que nos seus livros, especialmente nesse, Mário me pareceu um beija-flor. Como a pequenina e delicada ave que baila diante das flores para sugar-lhes o néctar, fonte de sua energia, Mário volteia sobre os assuntos que o cercam para retirar-lhes ensinamentos e transmiti-los aos leitores.

Crônica de Luiz Carlos Facó
Publicada no Jornal A Tarde.


Há poucos dias entre surpreso e emocionado, recebi de Mário Cabral, o seu livro de crítica, recém-publicado, Jornal da Noite, com singela dedicatória. Logo lembrei-me da sentença de Sêneca: “Dar um livro não é apenas uma gentileza. É um elogio.” No caso desse presente, não houve um elogio mas um nímio gesto de amabilidade daquele que considero um dos escritores contemporâneos mais expressivos da nossa literatura.
Conhecedor de sua profunda e densa produção literária, Caminho da Solidão, romance, Roteiro de Aracaju, história, Confissão, ensaio, avidamente debrucei-me sobre a obra que me chegara às mãos, perguntando-me, - o que aquele escritor ainda teria a dizer? Terminada a leitura, feita com sofreguidão, conclui, envergonhando-me daquele pensamento, que Mário tinha tudo a dizer, e, ainda tem muito mais. Convenci-me, tardiamente, de que na sua obra não existe ponto final.

A cada capítulo lido, pelos meus olhos vorazes e inquietos, a emoção tomava conta de mim. Os assuntos eram os mais variados. Da escultura, quando fala de Mário Cravo Júnior, à arte pictórica, quando se refere a Jordão de Oliveira. Da prosa, quando enfoca Lauro Barreto Fontes, Jorge Amado, Mário Vargas Llosa, André Gide, Érico Veríssimo, Romain Rolland, Junot Silveira, José Calazans, Oscar Wilde, dentre muitos outros. Das viagens a Roma, Paris, Madri e Lisboa. Da poesia, quando contempla as diversas fases da sua evolução, caminhando pelo Classicismo, Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo e Modernismo. Temas tratados com a maior elegância e correção.
Em frases curtas, sonoras e bem construídas, o autor consegue encerrar todo o seu pensamento. Algumas vezes, destila desilusão e amargor. Outras, esperanças, lirismo, sem, contudo, dispensar a ironia e o humor, por instantes contido, mas doutras tantas decididamente debochado, como nos contos incluídos no livro Aracaju Bye Bye. Todos com temas regionais, que extrapolam a província, pela universalidade que possuem. Não faz concessões.
Dispensando demonstra erudição, atitude adequada de escritores cultos como ele, seu texto flui fácil com palavras empregadas de maneira precisa, num estilo extremamente limpo e conciso.
Assevero que nos seus livros, especialmente nesse, Mário me pareceu um beija-flor. Como a pequenina e delicada ave que baila diante das flores para sugar-lhes o néctar, fonte de sua energia, Mário volteia sobre os assuntos que o cercam para retirar-lhes ensinamentos e transmiti-los aos leitores. Num balé de coreografia marcada, mas que propicia ao solista improvisações magistrais.
É uma lição válida para todos – essa sua explosão intelectual aos noventa anos de vida. De minha parte, timidamente peregrinando na arte de escrever, com as reticências e inibições próprias de quem se esforça para suprir o talento escasso, lendo o Jornal da Noite, fui brindado por uma sensação inusitada de prazer e uma e uma magnífica explanação de como se pode e deve escrever um livro. Vale dizer, a aula foi dada por um gênio, portador do título de respeitado e amado cidadão baiano. E em sendo baiano é cidadão do mundo.
Apesar de imortalizado pela Academia Sergipana de Letras, sem necessidade de buscar outros lauréis, pelo acervo de suas magistrais obras anteriores, Mário produziu um livro que se insere na nossa bibliografia como um dos mais importante já produzidos pelo pensamento nacional. Vale conferir. Delicia o leitor. 

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