Sua importância, seu destino
O ciclo
da borracha foi
um momento importante da história econômica e social do Brasil,
relacionado com a extração de
látex e comercialização da borracha. Teve o seu centro na região amazônica, e
proporcionou expansão da colonização, atração de riqueza, transformações
culturais e sociais, e grande impulso ao crescimento de Manaus, Porto Velho e Belém, até hoje
capitais e maiores centros de seus respectivos estados, Amazonas, Rondônia e Pará. No mesmo
período, foi criado o Território Federal do Acre, atual Estado do Acre, cuja área
foi adquirida da Bolívia, por meio da compra no valor de 2 milhões de libras
esterlinas, em 1903. O ciclo da borracha viveu seu auge entre1879 e 1912, tendo
depois experimentado uma sobrevida entre 1942 e 1945, durante a
II Guerra Mundial (1939-1945).
O
naturalista francês Charles Marie la Condamine ficou muito interessado quando
tomou conhecimento da pegajosa e espessa seiva com a qual os índios da
Amazônia, no século XVIII, confeccionavam objetos. Assim relatou sua descoberta
na Academia de Ciências da França, em 1774: "Os índios fabricam garrafas,
botas e bolas ocas, que se achatam quando apertadas, mas que tornam a sua
primitiva forma desde que livres". Ali foi dado o primeiro passo para o
advento do Ciclo-da-Borracha.
A primeira
fábrica de produtos de borracha (ligas elásticas e suspensórios)
surgiu na França, em Paris, no ano
de 1803. Contudo,
o material ainda apresentava algumas desvantagens: à temperatura ambiente, a
goma mostrava-se pegajosa. Com o aumento da temperatura, a goma ficava ainda
mais mole e pegajosa, ao passo que a diminuição da temperatura era acompanhada
do endurecimento e rigidez da borracha.
Foram
os índios centro-americanos os primeiros
a descobrir e fazer uso das propriedades singulares da borracha natural.
Entretanto, foi na floresta amazônica que de fato se desenvolveu a atividade da
extração da borracha, a partir da seringa ou seringueira (Hevea
brasiliensis), uma árvore que
pertence à família das Euphorbiaceae, também
conhecida como árvore da fortuna.
Extração de látex de uma seringueira.
A borracha,
assim obtida, possui desvantagens. Por exemplo, a exposição ao ar provoca a
mistura com outros materiais (detritos diversos), o que a torna perecível e
putrefável, bem como pegajosa devido à influência da temperatura. Através de um
tratamento industrial, eliminam-se do coágulo as impurezas e submete-se a
borracha resultante a um processo denominado vulcanização, resultando a
eliminação das propriedades indesejáveis. Torna-se assim imperecível,
resistente a solventes e a
variações de temperatura, adquirindo excelentes propriedades mecânicas e
perdendo o carácter pegajoso.
Durante os
primeiros quatro séculos e meio do descobrimento, como não foram encontradas
riquezas de ouro ou minerais preciosos na Amazônia, as populações da hileia brasileira
viviam praticamente em isolamento, porque nem a coroa portuguesa e,
posteriormente, nem o império brasileiro
conseguiram concretizar ações governamentais que incentivassem o progresso na
região. Vivendo do extrativismo vegetal, a economia regional se desenvolveu por
ciclos (Drogas do Sertão), acompanhando o interesse do mercado nos diversos
recursos naturais da região.
Para
extração da borracha neste período, acontece uma migração de nordestinos,
principalmente do Ceará, pois o
estado sofria as consequências das secas do final do século XIX.
Belém, capital do Estado do Pará, assim como Manaus, capital do Estado do Amazonas, eram na época consideradas cidades brasileiras das mais
desenvolvidas e umas das mais prósperas do mundo, principalmente Belém, não só
pela sua posição estratégica - quase no litoral -, mas também porque sediava um
maior número de residências de seringalistas, casas bancárias e outras
importantes instituições que Manaus. Ambas possuíam luz elétrica e sistema de água encanada e esgotos. Viveram seu apogeu entre 1890 e 1920, gozando de tecnologias que outras cidades do sul e sudeste do
Brasil ainda não possuíam, tais como bondes
elétricos, avenidas construídas sobre pântanos aterrados, além de edifícios imponentes e luxuosos, como o requintado Teatro
Amazonas, o Palácio do Governo, o Mercado Municipal e
o prédio da Alfândega, no caso de Manaus, e o Mercado de São Brás, Mercado Francisco
Bolonha, Teatro
da Paz, Palácio Antônio Lemos,
corredores de mangueiras e diversos palacetes residenciais no caso de Belém,
construídos em boa parte pelo intendente Antônio
Lemos.
O Cinema Olympia, a mais antiga casa
de exibição de filmes de Belém, considerada uma das mais luxuosas e modernas de
seu tempo, foi inaugurado em 21 de
abril de 1912 no auge do cinema mudo internacional, pelos proprietários Antonio
Martins e Carlos Augusto Teixeira, à Praça da República , esquina da Rua
Macapá.
A construção desse espaço de cultura
completava o quadrado, em cujos vértices situavam-se o Palace, Grande Hotel e o
Teatro da Paz, local de Reunião da elite de Belém que, elegantemente trajados à
moda parisiense assistiam a inauguração ao som de acordes musicais, num
ambiente esplendoroso, de bom gosto e de grande animação. A abertura teve como
pano de fundo a Belle
Époque, ao final do apogeu econômico propiciado pelo
período da borracha e o final da intendência de Antônio Lemos, grande
transformador urbanista da cidade.
A influência europeia logo se fez
notar em Manaus e Belém, na arquitetura da construções e no modo de viver, fazendo do século
XIX a melhor fase econômica vivida por ambas cidades. A Amazônia era
responsável, nessa época, por quase 40% de toda a exportação brasileira. Os
novos ricos de Manaus tornaram a cidade a capital mundial da venda de diamantes. Graças à borracha, a renda
per capita de Manaus era duas vezes superior à da região produtora de café (São Paulo, Rio de
Janeiro e Espírito Santo).
Moeda da borracha: libra esterlina: como forma de pagamento pela exportação da borracha, os seringalistas recebiam em libra esterlina (£), moeda do Reino Unido, que inclusive era a mesma que circulava em Manaus e Belém durante a Belle Époque amazônica.
Igreja de São
Sebastião (Manaus) que se situa em frente ao Teatro Amazonas, que, com o fim do
ciclo da borracha, teve uma de suas torres, o segundo sineiro, suprimida em
virtude da falta de dinheiro para trazê-la da Europa.
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
terminada em 1912, já chegava tarde. A Amazônia já estava perdendo a primazia
do monopólio de produção da borracha porque os seringais plantados pelos ingleses na Malásia, no Ceilão e na África tropical, com sementes oriundas da própria Amazônia, passaram a produzir látex com maior eficiência e produtividade. Consequentemente,
com custos menores e preço final menor, o que os fez assumir o controle do
comércio mundial do produto.
A borracha natural da Amazônia passou
a ter um preço proibitivo no mercado mundial, tendo como reflexo imediato a
estagnação da economia regional. A crise da borracha tornou-se ainda maior
porque a falta de visão empresarial e governamental resultou na ausência de
alternativas que possibilitassem o desenvolvimento regional, tendo como consequência
imediata a estagnação também das cidades. A falta não pode ser atribuída apenas
aos empresários tidos como barões
da borracha e à classe
dominante em geral, mas também ao governo e políticos que não incentivaram a
criação de projetos administrativos que gerassem um planejamento e um
desenvolvimento sustentado da atividade de extração do látex.
Centro
de Belém
Por sinal, desde a época do Governo
Imperial que eram descartados projetos de incentivo à produção ou proteção
dessa que era, no final do século XIX, a maior fonte de renda do Brasil,
superando o decadente Ciclo do Café. Tal inércia se devia ao Governo Monárquico,
que era atrelado ao interesse econômico dos barões do café, que direcionava
todos os esforços governamentais para manter a riqueza do sudeste brasileiro,
mais próxima e influente ao poder do que os ricos barões da borracha, que
preferiam viagens de negócios internacionais do que visitas políticas ao Rei [carece de
fontes].
Com a República, pouca coisa mudou. O
baixo peso político era contrastante com o poder financeiro do riquíssimo
Norte. O Poder, concentrado no Sudeste brasileiro, passou a ser controlado
pelos interesses econômicos dos cafeicultores e dos pecuaristas, resultando na política do café-com-leite, e excluindo os interesses dos barões da borracha (que também,
pouco se movimentavam politicamente para serem incluídos, preferindo ir gastar
seu dinheiro nos cassinos europeus [carece de
fontes] do que investir em "lobbies" por acharem que o ciclo da
borracha nunca acabaria).
A Malásia,
que investiu no plantio de seringueiras e em técnicas de extração do látex, foi
a principal responsável pela queda do monopólio brasileiro.
Embora restando a ferrovia
Madeira-Mamoré e as cidades de Porto
Velho e Guajará-Mirim como herança deste apogeu, a crise econômica provocada pelo
término do ciclo da borracha deixou marcas profundas em toda a região
amazônica: queda na receita dos Estados, alto índice de desemprego, êxodo
rural e urbano, sobrados e mansões completamente abandonados, e,
principalmente, completa falta de expectativas em relação ao futuro para os que
insistiram em permanecer na região.
Os trabalhadores dos seringais, agora
desprovidos da renda da extração, fixaram-se na periferia de Manaus em busca de melhores condições de vida. Por volta de 1920, começaram a formar o que seria chamado de cidade flutuante, que se
consolidaria até a década de 1967.
O governo central do Brasil até criou
um órgão com o objetivo de contornar a crise, chamado Superintendência de
Defesa da Borracha, mas esta superintendência foi ineficiente e não conseguiu
garantir ganhos reais, sendo, por esta razão, desativada não muito tempo depois
de sua criação.
A partir do final da década de 1920, Henry
Ford, o pioneiro da indústria americana de automóveis, empreendeu o cultivo de seringais na Amazônia criando 1927 a
cidade de Fordlândia e posteriormente (1934) Belterra, no Oeste do Pará, especialmente para este fim, com técnicas de cultivo e cuidados
especiais, mas a iniciativa não logrou êxito já que a plantação foi atacada por
uma praga na folhagem conhecida como mal-de-folhas, causada pelo fungo Microcyclus
ulei.
A Amazônia viveria outra vez o ciclo
da borracha durante a Segunda Guerra Mundial,
embora por pouco tempo. Como forças japonesas dominaram militarmente o Pacífico
Sul nos primeiros meses de 1942 e invadiram também a Malásia, o controle dos seringais passou a
estar nas mãos dos nipônicos, o que culminou na queda de 97% da produção da
borracha asiática.
Para o Brasil, além da grande movimentação
realizada pela exportação da borracha, os investimentos realizados os Estados
Unidos chegaram, de certa forma, a manter nossa economia estável e até -
em alguns momentos - em alta durante o período em que se desenrolava o
conflito. O país havia encontrado a química milagrosa da guerra por conta da
abertura rumo às atividades rurais e extrativistas, no qual permitia
perspectivas de propulsão e crescimento de nossa economia. Parte desse ideal
surgia da necessidade de viver com os próprios recursos, a fim de estimular o
crescimento da riqueza agropecuária nacional e de produtos que poderiam ter desenvolvido suas
exportações.
Naquele período já havia uma grande
oportunidade de bons negócios entre Brasil e Estados Unidos: o Conselho Federal
de Comércio Exterior, com sede no Rio de Janeiro, havia emitido uma circular
aos governos e às associações comerciais e industriais dos Estados comunicando
que tinham recebido um telegrama da Embaixada do Brasil em Washington, o qual informava que o Departamento de Guerra dos Estados Unidos
iniciava algumas compras para armazenamento, no valor de 100 milhões de dólares
em mercadorias necessárias à defesa nacional, tais como: bauxita, manganês, mica, cobre, borracha, lã, cristal de rocha, etc.
Isto resultaria na implantação de mais
alguns elementos, inclusive de infra-estrutura, apenas em Belém, desta vez por parte dos Estados Unidos. A exemplo disso, temos o Banco de Crédito da Borracha, atual Banco da Amazônia; o
Grande Hotel, luxuoso hotel construído em Belém em apenas 3 anos, onde hoje
é o Hilton Hotel; o aeroporto de Belém; a base aérea de Belém; entre outros.
Com o alistamento de nordestinos, Getúlio
Vargas minimizou o problema da seca do nordeste e ao mesmo tempo deu novo
ânimo na colonização da Amazônia.
Na ânsia de encontrar um caminho que
resolvesse esse impasse e, mesmo, para suprir as Forças
Aliadas da borracha então necessária para o material bélico, o governo
brasileiro fez um acordo, em maio de 1941, com o governo dos Estados Unidos (Acordos de Washington),
que desencadeou uma operação em larga escala de extração de látex na Amazônia -
operação que ficou conhecida como a Batalha da Borracha.
Como os seringais estavam abandonados
e mais de 35 mil trabalhadores permaneciam na região, o grande desafio de Getúlio
Vargas, então presidente do Brasil, era aumentar a produção anual de látex de
18 mil para 45 mil toneladas, como previa o acordo. Para isso seria necessária
a força braçal de 100 mil homens.
O alistamento compulsório em 1943 era feito pelo Serviço
Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), com sede no nordeste, em Fortaleza, criado pelo então Estado Novo. A escolha do nordeste como sede
deveu-se essencialmente como resposta a uma seca devastadora na região e à crise sem precedentes que os camponeses
da região enfrentavam.
Além do SEMTA, foram criados pelo
governo nesta época, visando a dar suporte à Batalha
da borracha, a Superintendência
para o Abastecimento do Vale da Amazônia (Sava), o Serviço Especial de Saúde Pública
(Sesp) e o Serviço de Navegação da Amazônia e
de Administração do Porto do Pará (Snapp). Criou-se ainda a instituição
chamada Banco de Crédito da
Borracha, que seria transformada, em 1950, no Banco de
Crédito da Amazônia.
O órgão internacional Rubber Development Corporation
(RDC), financiado com capital dos industriais estadunidenses, custeava as
despesas do deslocamento dos migrantes (conhecidos à época como brabos).
O governo dos Estados Unidos pagava ao governo brasileiro cem dólares por cada
trabalhador entregue na Amazônia.
O governo dos Estados Unidos pagava ao governo brasileiro cem
dólares por cada trabalhador entregue na Amazônia
Milhares de trabalhadores de várias
regiões do Brasil foram compulsoriamente levados à escravidão por dívida e à
morte por doenças para as quais não possuíam imunidade. Só do nordeste foram para a Amazônia 54 mil
trabalhadores, sendo 30 mil deles apenas do Ceará. Esses novos seringueiros receberam a alcunha de Soldados da Borracha,
numa alusão clara de que o papel do seringueiro em suprir as fábricas nos EUA
com borracha era tão importante quanto o de combater o regime nazista com
armas.
Manaus tinha, em 1849, cinco mil habitantes, e, em meio século, cresceu para 70 mil.
Novamente a região experimentou a sensação de riqueza e de pujança. O dinheiro voltou a circular em Manaus, em Belém, em cidades e povoados
vizinhos e a economia regional fortaleceu-se. Mas a borracha ficou pra trás,
recolhida a reles insignificância mesmo com a elevada contribuição prestada ao
norte do país. Quanto descuido com o que era genuinamente nosso.
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