Conto de Artur Azevedo*
(foi observada a ortografia original)
O conselheiro Lapa era casado e tinha uma filha, que passara dos vinte anos sem que nenhum rapaz a namorasse, não porque fosse feia ou antipática, vaidosa ou mal educada, mas porque ninguém se atrevia a levantar os olhos para a filha de um conselheiro tão grave e tão conspícuo.
Entretanto, um simples escriturário do Tesouro teve um dia a ventura de fazer falar o coração da moça.
Animado pelas intenções mais puras, e competentemente autorizado pela sua bela, o escriturário um dia fez provisão de coragem, subiu a escada do conselheiro, pediu para falar a sua excelência, e quando se viu diante daqueles óculos, sabe Deus como formulou, ou antes, balbuciou um pedido de casamento.
O conselheiro não se dignou responder; limitou-se a medir o insolente de alto a baixo, e a apontar-lhe a porta, dizendo-lhe secamente: - Não admito esses gracejos em minha casa! Rua!. .
* * *
Este procedimento afligiu bastante os dois namorados, e fez
naturalmente com que eles se apaixonassem deveras um pelo outro.A menina teve tal desgosto, e deixou de alimentar-se durante tantos dias consecutivos que adoeceu gravemente.
A esposa do conselheiro, boa senhora, mas muito fraca, muito achacada de asma, esgotou diante do implacável marido todos os argumentos que acudiram ao seu coração de mãe; mas a melhor e mais eloqüente advogada de Rosalina e Alberto, que assim se chamavam os namorados, foi a Teresa, uma bonita mulata que, em pequena, aos doze anos, tinha sido contratada para ama-seca de Rosalina, e ali se fizera mulher, sem ter querido nunca abandonar a casa, recusando até o casamento que lhe oferecera um português apatacado, dono da casa de pasto da esquina.
A Teresa tinha trinta e três anos, mas ninguém lhe daria mais de vinte e cinco.
* * *
Apesar de toda a sua austeridade, o nosso conselheiro há quinze
anos que não perdia ocasião de fazer declarações de amor à agregada, e não
perdia a esperança de que ela um dia cedesse.A mulata resistia a todas as investidas libidinosas do amo; dizia-lhe que tomasse juízo, que respeitasse o seu lar doméstico, que a senhora e a menina podiam reparar, etc., e, naturalmente, o conselheiro andava em tudo isso com tanta manha e hipocrisia que ninguém suspeitava daquele trabalhinho de quinze anos.
* * *
A Teresa, que estimava deveras a Rosalina, lembrou-se (de que não
se lembram as mulheres!) de utilizar em beneficio da menina os maus sentimentos
do pai, e, um dia, fingindo-se cansada de tanta perseguição, concedeu ao
conselheiro a entrevista que há tanto tempo solicitava.Na madrugada seguinte, o austero pai de família, de robe de chambre e chinelos, mas sem óculos, entrou devagarinho no quarto da mulata, e esta, mal que o apanhou lá dentro, começou a gritar com todas as forças dos seus pulmões:
- Sinhazinha! Sinhazinha! Parabéns! Parabéns!...
A velha, apesar de sua asma, e Rosalina saltaram imediatamente das camas, envolveram-se nas colchas, e foram ter, assustadas, ao quarto da Teresa, onde encontraram o conselheiro sem pinga de sangue.
- Parabéns, sinhazinha! - continuou a gritar a boa mulata. - O patrão teve um sonho tão esquisito, e ficou tão impressionado, que resolveu consentir no seu casamento com o Sr. Alberto! Ele veio acordar-me para eu levar a notícia à sinhazinha.
O conselheiro não teve o que dizer.
BIOGRAFIA
Nome literário:
Azevedo, Artur.
Nome completo: Azevedo, Artur Nabantino Gonçalves de. Pseudônimo: Elói, o Herói; A Gavroche; Petronio; Cosimo; Juvenal; Dorante; Cractchi; Passos Nogueira; Frivolino. Nascimento: São Luís, MA, 7 de julho de 1855. Falecimento: Rio de Janeiro, RJ, 1908 |
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Contista,
poeta, teatrólogo e jornalista. Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo nasceu
em São Luís (MA), em 7 de julho de 1855. Filho de David Gonçalves de Azevedo
e Emília Amália Pinto de Magalhães. Aos oito anos demonstrou gosto para o
teatro e fez adaptações de textos de autores como Joaquim Manuel de Macedo.
Pouco depois passou a escrever, ele próprio, suas peças. Muito cedo começou a
trabalhar no comércio. Foi empregado na administração provincial e logo após
foi demitido por publicar sátiras contra autoridades do governo. Ao mesmo
tempo lançou as primeiras comédias nos teatros de São Luís (MA). Com 15 anos
escreveu a peça Amor por anexins.
Foi para
o Rio de Janeiro no ano de 1873. Empregou-se no Ministério da Agricultura e
ensinou Português no Colégio Pinheiro. Mas foi no Jornalismo que se
desenvolveu em atividades que o projetaram como um dos maiores contistas e
teatrólogos brasileiros. Fundou publicações literárias, como A
Gazetinha, Vida Moderna e O Álbum. Colaborou em A
Estação, ao lado de Machado de Assis, e no jornal Novidades,
junto com Olavo Bilac, Coelho Neto, entre outros. Neste tempo escreveu as
peças dramáticas, O Liberato e A Família Salazar,
que sofreu censura imperial e foi publicada mais tarde em volume, com o
título de O escravocrata. Escreveu mais de quatro mil artigos
sobre eventos artísticos, principalmente sobre teatro.
Em 1889,
reuniu um volume de contos dedicado a Machado de Assis, seu companheiro na
Secretaria da Viação. Em 1894, publicou o segundo livro de histórias
curtas, Contos fora de moda, e mais dois volumes, Contos
cariocas e Vida alheia. Morreu no Rio de Janeiro em 22
de outubro de 1908.
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