Literatura
Conto de Mark Twain
1835 - 1910
Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido pelo pseudônimo Mark
Twain, foi um escritor e humorista norte-americano.
Muito longe, no céu, em Júpiter ou Saturno, ou
melhor ainda em Sírius, dois astrônomos dirigiram seus telescópios para a
Terra. Um deles é um velho siriata, sábio ilustre, e outro seu discípulo, ainda
principiante. Neste instante é o último que, com o olho na ocular observa os
astros.
O VELHO
ASTRÔN0MO – Olha. Esse globo luminoso e pálido é a Terra. Ela acaba de
atravessar o solstício de inverno e começa aquilo a que seus habitantes chamam
um novo ano. Com uma ampliação maior, vou fazer com que os veja a correr pelas
ruas de suas cidades. É quando, sem dúvida para se tranquilizarem nessa época
de noites longas e frias, eles se presenteiam reciprocamente e celebram festas
noturnas… (Faz girar uma manivela.) 135, 136, 136, 5… isto deveria
bastar… Dize-me o que estás vendo.
O DISCÍPULO
– Que espetáculo admirável, mestre! Vejo imensos povoados, em agitação.
Cobre-os um nevoeiro cinzento e nesse nevoeiro caminham alegremente homens e
mulheres. Todos carregam embrulhos amarrados com barbantes de cor. Alguns
apertam nos braços uma árvore coberta de geada. As mães levantam os filhos e mostram-lhes
os brinquedos guardados em gaiolas de vidro. Os mais pobres compram um presente
qualquer. Quem esperaria encontrar tanto amor em criaturas tão miseráveis?
O VELHO
ASTRÔNOMO – Gosto dessa pequena raça; é corajosa. Há quinze mil anos terrestres
que a venho observando. Ela procura construir uma felicidade durável. Todas as
vezes que o edifício parece próximo de sua conclusão, desaba e sepulta milhões
de terráqueos. Todas às vezes, sem desanimar, essas efêmeras recomeçam seus
minúsculos esforços.
O DISCÍPULO
– Lembro-me, mestre. Faz alguns dias, quando o senhor me dava suas primeiras
lições, mostrou-me os terráqueos que procuravam destruir-se mutuamente. Era
horroroso. Membros e cabeças arrebentavam. Gases mortíferos asfixiavam rebanhos
inteiros. Seus povoados ardiam. Eu não podia compreender a fúria desses
animálculos… Como é possível, mestre, que os mesmos seres revelem hoje tanta
bondade? Pelo menos repararam suas ruínas?
O VELHO
ASTRÔNOMO – Observa tu mesmo.
O
DISCÍPULO, (deslocando suavemente a luneta) – A desordem ainda é grande.
As casas estão reconstruídas, mas as trilhas das caravanas continuam desertas e
os navios estão nos portos, inúteis. No oriente, à orla de um grande oceano,
alguns insetos batalham. Por toda a parte estão paradas as fábricas, por toda a
parte vejo milhares de seres desocupados que buscam penosamente com que se
alimentar… Oh! Mestre! Eis um espetáculo inacreditável. Nesse mesmo glóbulo de
lama onde há terráqueos morrendo de fome, outros terráqueos acumulam e deixam
apodrecer colheitas que parecem inúteis… Estarão loucos?
O VELHO
ASTRÔNOMO – Realmente, esse é o mais louco de todos os planetas. Tal qual o
estás vendo hoje, ou o vi, eu que o conheço bem, dez vezes, cem vezes, no
decorrer de sua história. Após cada convulsão, são-lhe necessários quinze ou
vinte anos terrestres para recuperar o equilíbrio. Depois ele goza trinta ou
quarenta anos de paz, e recomeça.
O DISCÍPULO
– Mas não compreenderá a vaidade desses passatempos cruéis?
O VELHO
ASTRÔNOMO – Talvez comece a compreender. Eu desesperaria desses terráqueos se
não verificasse que, desde que os observo, no fim de contas, progrediram um
pouco. Vi-os fracos e miseráveis, refugiados no alto das florestas para escapar
às feras, famintos. A pouco e pouco os vi tornarem-se os senhores do planeta.
O DISCÍPULO
(rindo) – Senhores de uma gota de lama…
O VELHO
ASTRÔNOMO – Para eles ela é o mundo. Vencedores dos animais investiram contra
os elementos. Comparar sua ciência à nossa seria cômico. Apesar disso, para
animálculos insignificantes, que vitória! E agora, têm a seu serviço tantas
forças novas que se veem em dificuldades com elas. Breve entrarão, como os
siriatas, na era dos ócios inteligentes.
O DISCÍPULO
– Compreendem eles sua história? Que pensam da aventura de sua raça?
O VELHO
ASTRÔNOMO – Abre o auscultador interestelar.
0 jovem siriata regula, não sem dificuldade, um aparelho de mil engrenagens. Primeiro pega”, estouvadamente, Saturno, Vênus, depois acha a Terra. Vozes a principio confusas tornam-se claras.
0 jovem siriata regula, não sem dificuldade, um aparelho de mil engrenagens. Primeiro pega”, estouvadamente, Saturno, Vênus, depois acha a Terra. Vozes a principio confusas tornam-se claras.
AS VOZES TERRESTRES
Crise sem precedentes – Catástrofe – Feliz Natal – Boas Entradas – Desta vez, é o desastre definitivo – Mas não, meu querido, nada há de definitivo – Feliz Natal – Boas Entradas – Estou arruinado – Que leva aí? – Alguns presentes para as crianças – Feliz Natal – Boas Entradas -.
Crise sem precedentes – Catástrofe – Feliz Natal – Boas Entradas – Desta vez, é o desastre definitivo – Mas não, meu querido, nada há de definitivo – Feliz Natal – Boas Entradas – Estou arruinado – Que leva aí? – Alguns presentes para as crianças – Feliz Natal – Boas Entradas -.
O DISCÍPULO
– Como podem eles misturar assim votos festivos e lamentações?
O VELHO
ASTRÔNOMO – Não têm razão? Não sabes tu mesmo que esse hemisfério, atualmente
velado pela bruma e a neve, cobrir-se-á com as flores viçosas da primavera
dentro de três ou quatro meses? A árvore negra e contorcida estará então como
um ramalhete rosa ou branco, a relva viridente sairá da terra nua e a ordem da
desordem. Assim marcha o mundo.
O DISCÍPULO
– Mundo estranho e cruel.
O VELHO
ASTRÔNOMO – Mas que não é destituído de beleza.
Origem:
Covil do Orc
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