Joaci Góes
Luís Gama, nascido em Salvador, a 21 de junho de 1830, e morto em São
Paulo, a 24 de agosto de 1882, foi uma das mais extraordinárias personalidades
de todos os tempos, no plano da coragem moral e física, na generosidade
material e afetiva, bem como em sua invencível vocação libertária.
Como os baianos, em particular, e os brasileiros, em geral, conhecem
pouco ou nada dessa figura maior, daremos um breve resumo de sua rocambolesca
biografia, como o fizemos no último dia 20, dedicado à consciência negra, ao
compormos uma mesa ao lado dos juristas Horácio Pires, presidente do Tribunal
Superior do Trabalho e Técio Lins e Silva, presidente do Instituto dos
Advogados do Brasil, em evento realizado no Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia, iniciativa de Antônio Luiz Calmon Teixeira, presidente do IABA e Eduardo
Morais de Castro, presidente em exercício do IGHB.
Luís Gama era filho da jovem escrava Luiza Mahin, cultuada como heroína
da Revolução dos Malês, de 1835, e da Sabinada, de 1837, quando foi presa e
supostamente repatriada para o continente africano. Seu pai era um nobre
português que o vendeu como escravo, aos dez anos de idade, para São Paulo. Ao
desembarcar em Santos, o menino Luís fez a pé o percurso para Campinas, onde
cumpriu sua sina escrava até os dezoito anos, quando se alforriou, na sequência
de sua tardia alfabetização, aos dezessete anos, graças à simpatia que
desfrutava de seus senhores.
Aos 29 anos, Luís Gama estreia no mundo literário com o livro de
poesias, ainda hoje reeditado, com o título que define seu conteúdo mordaz e
iconoclástico de As primeiras trovas burlescas, em que vergasta a sociedade
hipócrita e escravocrata do tempo.
Sobre a mãe Luiza Mahin, que viu pela última vez, aos sete anos, Luís
Gama deixou um depoimento prenhe de amor e admiração. Do pai que o vendeu para
pagar dívidas, Luís decidiu manter o seu nome no mais completo olvido, movido
pelo propósito generoso de protegê-lo contra o escárnio e a condenação
oprobriosa da posteridade pelo seu gesto nefando.
Matriculado na pioneira Escola de Direito do Largo de São Francisco, em
São Paulo, Luís abandonou o curso por não suportar o tratamento preconceituoso
dos colegas, optando por tornar-se rábula de reconhecida competência que viria
a conquistar a liberdade para mais de 500 escravos, um recorde absoluto nos
anos da escravidão.
A primeira das grandes vozes a levantar-se contra a escravidão, Luís
Gonzaga Pinto da Gama contou, entre seus seguidores, nomes como Castro Alves,
Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Raul Pompéia e Lúcio de
Mendonça.
Sua casa, perigosamente usada como esconderijo de escravos fugidos,
trazia à porta a seguinte inscrição: “Defendo de graça a quem lute por
conquistar a liberdade!”. O desafio maior ao establishment, que deixava sua
vida por um fio, vinha com a reiterada afirmação segundo a qual “seja qual for
o modo como o escravo mate o senhor, o seu ato será sempre considerado em
legítima defesa”.
Nas diferentes literaturas não se encontra quem, alfabetizado tão
tardiamente, tenha excelido pouco tempo depois em domínios tão distintos como a
poesia, o direito, a oratória, o jornalismo político e humorístico.
A superação dos traumas de um berço tão perturbador coloca Luís Gama no
patamar dos grandes de espírito. A Bahia deve a ele um monumento à altura de um
dos maiores nomes da Pátria.
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