Ainda choramos Mário
Cabral...
O autor ao lado do
arquiabade do mosteiro de São Bento – Ba.
Crônica de Luiz Calos
Facó
Extraída do Livro
Sergipanos Ilustres na Bahia
Antevejo que
irei provocar discussões entre os leitores. Hão de lamentar a minha atitude,
alguns criticar. Outros me farão motivo de zombaria e de motejo,
perguntando-se: como se atreve este fedelho da literatura polemizar uma de suas
figuras maiores?
Como prévia
defesa, devo dizer-lhes que não se trata de críticas, mas de uma contestação, e
que me cabe, como leitor e analista, como ser humano perceptivo, sensível, expressar
minha opinião, seja ela contra ou a favor. Mário Cabral continua sendo para mim
o amigo, o amado mestre, o ídolo, o cristal bem polido, sem riscos ou estrias.
Mesmo assim, dele posso divergir. É um imperativo da minha consciência, forjada
em ideais libertários.
Nos dias
atuais, que costumamos designar de período da modernidade, quando o tempo nos
escasseia, por ser arrisco, célere, como que escapando entre nossos dedos,
escorregadio como enguia impondo-nos disciplina para melhor aproveitá-lo, fujo
de aliar-me a ele, mesmo com contribuições pequeninas, para que não se apresse
ainda mais. Malgrado a impessoalidade que os envolve, utilizo, quase sempre
para comunicar-me com os amigos, meios rápidos e consentâneos com a implacável
agilidade temporal: telefone, internet. Uso esses avanços da tecnologia,
confesso, por comodidade e, por que não revelar, por preguiça. Evidentemente
que aqueles não são os melhores meios de comunicação. Uma conversa pessoal é
mais convincente, própria, sobretudo, extraordinariamente bem mais agradável. Amo
o diálogo face a face, por permitir observar os olhos do interlocutor, suas
reações, seus gestos. Expressões que são retratos contínuos e reveladores da
intencionalidade de pensamento. Mais importantes que uma palavra, se bem que
haja pessoas que desprezem este detalhe.
Embora o
telefone seja um meio de comunicação frio, sem vida, limitado, transmissor de
mensagens quase impessoais, que nos veda observar fisionomias, reações, troco
mil palavras por um gesto, um significativo olhar de aprovação ou desaprovação
do interlocutor, optamos, praticabilidade e comodidade do invento de Graham
Bell, eu e Mário, elegê-lo como ponte para nos comunicarmos. Mas, desta vez,
pela importância do que teria a transmitir-lhe, resolvi fazê-lo por escrito.
Ponderando que através das letras esparramo melhor as minha emoções. Consigno
todas as ideias, sem direito a recuos. Declaro tudo quanto penso. Espraio meus
pontos de vista sem contestações incontinentes, inclusive do destinatário, o
próprio Mário, o sempre cultor da liberdade, do direito de dissentir.
No seu
penúltimo livro, alvo dos meus cuidados, respeito e elogios, Jornal da Noite, o
último saiu agora e se intitula, Cidade Morta, ele escreve no capítulo doze,
com alguma ironia e certo humor, a crônica Rio de Lágrimas; Nela diz com
ênfase: “Secou o Rio de Lágrimas. Hoje em dia ninguém chora por ninguém.
Naturalmente há exceções. Mas antigamente, cerca de trinta anos passados, o
mundo chorava de maneira constante e obsessiva. Quando uma pessoa viajava de
trem, ou de navio, era comum a presença da família e dos amigos. E no momento
da partida tanto choravam os que partiam
como os que ficavam. E havia também lenços brancos, tremulando, agitando o ar,
como se aquilo fosse o adeus do nunca mais... Chorava-se a rodo,
convulsivamente, quando alguém viajava. Hoje, não... A nossa sociedade,
utilitária e competitiva, já não sabe chorar. Sabe agredir, sabe matar, sabe
difamar, sabe atingir os cornos da lua. Mas chorar, não sabe... a última
choradeira coletiva do século foi quando o Brasil perdeu o Campeonato do Mundo
de 1950. Cerca de 200.000 pessoas choravam. Duvido que esse espetáculo se
repetisse nos dias atuais. Hoje haveria insultos, xingamentos, agressão ao
juiz, tentativa de massacre aos jogadores adversários. Tudo mudou. Mas para
pior. E a verdade aí está: secou o coração do homem contemporâneo.”
Quanto
ceticismo, quanta dúvida, quanta descrença, querido Mário, no homem de hoje.
Como parte dessa multidão de anônimos, que você confundiu, cabe defender-me e
ir em socorro dela. O homem de hoje chora, sim, e muito. Talvez um pouco menos
em público. Mas chora muito. A banalização da tragédia através dos meios de
comunicação, principalmente da televisão, levou-o ao choro solitário, escondido.
Mas nós choramos, sim. Choramos pelas vítimas da fome na Coréia do Norte, do
Iraque, que não tem remédios para os seus filhos que morrem ceifados por
simples gripe, em virtude do bloqueio econômico que lhes foi imposto pelas
Nações Unidas. Choramos pelos que tombam em guerras fratricidas na Europa e na
África. Choramos pelos deserdados da Chechênia, Kosovo e Timor Leste. Os
calcinados por incêndios. Vitimados por desmoronamentos, alagamentos, enchentes
e terremotos mundo afora. Atos de sabotagem e terrorismo. Pelos que morrem por
acidentes de trânsito nas ruas e estradas das nossas cidades, em imprudentes
acidentes. Choramos, sim, amigo, pelas crianças abandonadas que vivem ainda a
mendigar pelo pão de cada dia, apesar do Bolsa Família. Pelos milhões de
excluídos. Pela vergonhosa distribuição da renda nacional. Mas de forma
silente. Quando não em protestos quase diários. Não é necessário que rolem as
lágrimas para que sintamos o choro. O coração nos diz que choramos.
Você também
esqueceu, prezado mestre, que depois da Copa do Mundo de 1950, quando eu chorei
a valer, apesar de ainda criança, choramos convulsivamente, com a morte de
Tancredo Neves. Aliás, toda a Nação chorou num coro uníssono. Choramos pouco
tempo atrás com a morte de Airton Senna e dos “Mamonas Assassinas”, no início
de uma carreira promissora. Enfim o mundo chorou, de forma copiosa, com a morte
da Princesa Diana. Choramos por amor. Por aquele que enaltece e pelo que
angustia. Choramos por nossas perdas. Pelos parentes e amigos que nos deixaram.
E choramos, ainda, movidos pela alegria. Eu, particularmente, por tem um amigo
como você.
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