O livro tem perdido, nos últimos
tempos, muito do seu charme e deixou de ser o único ou mais importante suporte
da cultura. Ainda que descendente dos códices, o livro adaptou-se aos tempos da
imprensa, evoluiu em seu formato, sua composição, sua capa, ilustrações,
tornando-se um símbolo da vida literária das sociedades, em todo mundo.
A função da imprensa editoria, desde
os tipos móveis até os sistemas eletrônicos da atualidade, foi a de fazer
recircular textos que jaziam nos grandes códices e sobreviviam nas múltiplas
formas da oralidade. O conhecimento, antes restrito a grupos, sujeito as
manipulações interessadas, teve no livro uma propagação importante, ampliando a
capacidade comunicadora dos textos, como mensagens difundidas universalmente.
Foi com o livro que se ampliou o
horizonte da utilização das coleções antigas, codificadas muitas delas durante
a Idade Média, e que trouxeram para os dias de hoje textos fundantes das
civilizações, repletos de valores predominantes entre os povos, a começar pela
Bíblia, em si um livro, mas internamente um conjunto de textos, bem ordenado,
para cumprir um sentido religioso. Os católicos extraíram da Bíblia a essência
da história sagrada e produziram uma exegese na representação litúrgica, que é
a Missa, guardando nos dois hemisférios, o da escrita e o da oralidade.
Desde a edição fragmentária da Bíblia
de Gutenberg que as oficinas gráficas assumiram um papel que tem acompanhado a
evolução da sociedade, acelerando dos debates temáticos, bibliografando os
sistemas filosóficos, fixando crenças e valores que, em última análise balizam
a organização e a convivência social. O tempo fez criar direito em torno dos
livros, tanto para o autor, quanto para o leitor. O direito autoral, novidade
no século XIX, protegeu os escritores, responsáveis pela elaboração dos textos,
enquanto o direito do leitor assegura que lhe chegue, continuamente, as
informações que alimentam o conhecimento, a reflexão que nutre o saber,
universalizado pela saga humana.
Há outras formas de direitos ligados
ao autor e ao leitor, variando de sociedade para sociedade, no contexto do
tempo. Presentemente mais do que o direito assegurado, de um percentual
definido (10% no Brasil), e que incide sobre os preços da comercialização dos
livros, o autor luta para garantir direitos dos novos meios de comunicação que
reproduzem em cópias diretas, como fotocópias processadas nos ambientes
universitários e fora deles, cds, páginas e sites de computadores, ou outros
suportes difusores, os textos.
Já se faz, comumente, uso da leitura
na tela, acessando a editoras eletrônicas que reproduzem textos, sem respeito a
autoria. O leitor adquiri, assim, direitos amplos de recepção de textos, sem
que necessariamente tenha custos. Este quesito está, então, como parte de um
processo, nem sempre controlado, da chamada indústria cultural. Visto por outro
ângulo, as sociedades ganham a oportunidade de estabelecer contatos com fontes
arquetípicas dos repertórios culturais. Isso quer dizer que a comunicação
eletrônica permite a que de um lugar qualquer, retornem, por exemplo versões e
variantes de textos produzidos na França, na Espanha, na Itália, em Portugal,
sobreviventes na oralidade, o que nem sempre ocorria quando o suporte dos
textos era o livro.
As mudanças para com o livro, atingem
as bibliotecas, os centos de pesquisas, e vão modificar, no futuro, as relações
dos leitores, em face do conhecimento e do saber. A própria escola, que regrou o conhecimento,
terá de atualizar seu universo de informações e reflexões, para merecer a
credibilidade dos seus usuários, de todos os graus de estudos. Revistas, Teses,
Monografias, Dissertações, Boletins, seguem a mesma trajetória do livro, pela
semelhança editorial e de formatação.
Roger Chartier tem estudado,
exaustivamente, a questão da leitura, do livro, da oralidade e da vida
europeia, tomando a França como cenário histórico de suas abordagens. Há fatos
comuns, tanto lá, como entre os brasileiros, embora sejam poucos os estudos no
Brasil que alcancem o o universo da produção e da circulação de textos. Há,
também, certas singularidades que guardam pertinência específica àquela cultura,
do mesmo modo com há, no Brasil , forma singulares, originais, de expressão
literária, como por exemplo, os Álbuns,
de poesias e de pensamentos, organizados e guardados como verdadeiros tesouros
íntimos, repletos de sentimento e emoção, por moças principalmente.
Na década de 20 do século passado, e
por décadas seguidas, os cadernos simples de uso escolar, eram transformados em
livros manuscritos, denominados Álbuns,
nos quais eram colocados poemas, dos grandes poetas em voga, do mundo e do
Brasil, e textos próprios, de autores próximos e da mesma convivência além dos
poemas, parte deste mostruário lírico, os organizadores escreviam e pediam aposição de pensamentos, pequenos textos
sentenciais, ditos, ou quadras e advinhas, que complementavam o conteúdo de
tais obras.
A leitura, portanto nunca esteve
restrita apenas aos livros ou a formalidade da escola. Ao contrário, alimentou
hábito comum, antes atribuído apenas às pessoas abonadas, que aprendiam a
língua francesa para a leitura produzida em Paris, como sinônimo de atualização
e brilho cultural.
As paróquias que de algum modo ocupam
o lugar das freguesias e capelanias, tiveram livros de tombo e neles fizeram
registros importantes de festas, eventos religiosos, e de fatos ligados ao
calendário anual.
Desgraçadamente, os livros católicos
sumiram com o tempo, abandonados às traças, ou perdidos nos desvãos do
desinteresse. Em algumas poucas Igrejas do interior ainda é possível recuperar
informações, tão precisas como aquelas que estão na memória dos fieis.
Em certo sentido a oralidade cumpre,
junto à escrita, uma relação biunívica, espécie de mão dupla, no entrelaçamento
constante que justifica o oral fixar-se em texto escrito e este cair em domínio
público das conversas e parar na memória do povo. O melhor exemplo desse
fenômeno é o boato, tido como “notícia sem fundamento”, presente em toas as
sociedades do mundo.
O boato tem duas formas, é
essencialmente oral no cotidiano social, mas ganha forma escrita em situações
especiais, como as campanhas eleitorais, tal qual a de 2014 para a presidência
da República, por exemplo, por exemplo. Nesta época são muitos os panfletos,
jornais, publicações na internet vinculando boatos que visam atingir os
contendores. Mantidos no anonimato do seu autor ou dos autores, são geralmente,
desrespeitosos e injuriosos, difamatórios, muita vez, impressos
clandestinamente.
Oral ou escrito, o boato é uma
narrativa popular, frequente, estruturada como texto tronco, do qual proliferam
as variantes, como se tomasse por empréstimo do Folclore a expressão “quem
conta um conto, aumenta um ponto”, ganhando cunho de veracidade e força de
credibilidade em outra expressão popular: “quando o povo diz “ou fala”, ou foi,
ou é, ou tá pra ser.”
Na própria raiz etimológica do termo,
do latim “boatus”, de “boare”, os dicionaristas da língua
portuguesa, como Caldas Aulete, definiram o boato como a novidade, no sentido
de notícia, que circula no público, sem autor que a autentique. E assim o boato
resiste presente em todas as sociedades, alimentando o imaginário com o seu
poder motivador e a sua capacidade de convencimento.
Foi isso que aconteceu na recente
eleição brasileira: o boato venceu. A vitória pendeu para quem mais dele se
utilizou.
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