Colaboração:
Ensaio de Fernando Alcoforado*
Na era
contemporânea, o xadrez geopolítico internacional aponta a existência de 3 grandes
protagonistas: Estados Unidos, China e Rússia. Do confronto que se estabeleça no futuro
entre estas 3 grandes potências militares poderão resultar cenários
alternativos ao atual que se caracteriza no momento pela hegemonia dos Estados
Unidos na cena mundial desde o fim do mundo bipolar em que se confrontaram os
Estados Unidos e a União Soviética. Tomando por base os 3 grandes protagonistas
do xadrez geopolítico internacional contemporâneo, pode-se afirmar que os
Estados Unidos têm por objetivo manter sua hegemonia mundial nos planos
econômico e militar. Para alcançar este objetivo, as estratégias do governo
norte-americano consistem, fundamentalmente, no seguinte: 1) barrar a ascensão
da China como potência hegemônica do planeta; e, 2) impedir a Rússia de alçar à
condição de grande potência mundial ou mesmo regional.
Na
prática, o governo dos Estados Unidos quer evitar o enfrentamento no futuro de
dois gigantes: a China como potência hegemônica e a Rússia revigorada.
Para
barrar a ascensão da China como potência hegemônica do planeta, a estratégia militar
norte-americana está centrada na região Ásia-Pacífico, sem descurar do Oriente Médio para
combater o terrorismo, defender Israel, salvaguardar seus interesses petrolíferos
e fazer frente à ameaça do Irã. Como aliado dos Estados Unidos, o Japão colabora
com a estratégia norte-americana de “cerco” da China reforçando seu poder militar
até 2020 (Ver o artigo Japão reforça estratégia militar para reagir à China publicado
no site <http://www.portugues.rfi.fr/geral/20101217-japao-reforca-estrategiamilitar-para-reagir-china>).
Outro objetivo da estratégia militar norte-americana é também pressionar a
aliança da Rússia com a China desenvolvendo as ações da Otan na Europa e com o
reforço de suas bases militares no Japão, Coréia do Sul e Diego Garcia e da
Frota do Pacífico. (Ver o artigo de Ruiz Pereyra Faget sob o
título Nueva estrategia militar global de Estados Unidos publicado no
site <http://port.pravda.ru/mundo/11-01-2012/32735-estrategia_eua-0/>).
O século
XXI está a marcar uma mudança qualitativa no sistema internacional e na posição
nele ocupada pelos Estados Unidos. Sem dúvida que essa mudança está estreitamente
associada à emergência da China. Para ascender à condição de potência hegemônica
do planeta, a China terá que adotar 6 estratégias: 1) alcançar níveis elevados
de crescimento econômico para ultrapassar os Estados Unidos; 2) elevar continuamente
sua participação no comércio internacional para liderá-lo; 3) retirar dos Estados
Unidos a liderança econômica e militar na Ásia, o que significa atingir o cerne
do poder
norte-americano na região; 4) impedir a Índia de se constituir como polo autônomo
de atração econômica na Ásia, possivelmente em alinhamento com os Estados
Unidos; 5) tornar-se potência imprescindível para a paz no golfo Pérsico entre persas
(Irã) e árabes (particularmente a Arábia Saudita) com o declínio da influência
dos Estados Unidos nesta região; e, 6) reforçar a aliança econômica e militar
com a Rússia.
A China
está construindo uma grande força naval para controlar o Oceano Pacífico tendo como
objetivo imediato frear o poderio militar americano no Pacífico ocidental. Os
chineses estão construindo uma força defensiva, que inclui armas que podem
atingir alvos militares norte-americanos. Os gastos militares chineses vão
ultrapassar os orçamentos combinados das doze outras grandes potências da
Ásia-Pacífico (Ver o artigo de
Michael Wines do New York Times em Pequim sob o título EUA e China procuram
acordar estratégia militar publicado no site http://www1.folha.uol.com.br/mundo/944409-eua-e-china-procuram-acordarestrategia-militar.shtml>).
Segundo a revista The Economist, a China vai ultrapassar os gastos militares
dos Estados Unidos até 2025 (Ver o artigo de José Eustáquio Diniz Alves sob o
título EUA, China e Índia: disputa de hegemonia e destruição do meio ambiente
publicado no site
<http://www.ecodebate.com.br/2012/01/13/eua-china-eindia-disputa-de-hegemonia-e-destruicao-do-meio-ambiente-artigo-de-jose-eustaquiodiniz-alves/>).
Duas
grandes potências nucleares, Rússia e Índia, poderão atuar no sentido de
reforçar a posição da China e dos Estados Unidos, respectivamente. A estratégia
militar da Rússia prevê o rearmamento do Exército e da Marinha com o uso de
armas convencionais e nucleares como resposta a um ataque contra o país (Ver o
artigo de Bruno Quadros e Quadros sob o título A nova doutrina militar da
Rússia: mais do mesmo? publicado no site <http://www.enciclopedia.com.pt/news.php?readmore=181>).
A expansão da OTAN rumo
às fronteiras russas é o principal perigo externo ao país. A Rússia tenderia a apoiar a
China em um conflito com os Estados Unidos. A Índia investe nas forças armadas
para fazer frente a seus poderosos vizinhos, China e Paquistão, e a questões de
segurança interna. (Ver o artigo Índia é o maior importador de armas do
mundo publicado
no site
<http://www.forte.jor.br/2011/03/24/india-e-o-maior-importador-dearmas-do-mundo/>).
A Índia poderia vir a apoiar a intervenção norte-americana na região no
confronto com a China.
Sobre a
Rússia, é importante destacar que seus objetivos estratégicos são: 1)
defender-se da ameaça a seu território representada pelos Estados Unidos e
pelas forças da OTAN; 2) reforçar sua posição como fornecedor de gás natural
aos países da União Europeia; e, 3) alcançar a condição de potência mundial
perdida com o fim da União Soviética. É importante observar que, após o
desmantelamento da União Soviética e do sistema socialista do Leste Europeu, o
projeto dos Estados Unidos era a ocupação dos territórios fronteiriços da
Rússia, que haviam estado sob influência soviética até 1991 (Ver o artigo A
Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os EUA: da “Cooperação” ao
Conflito de Numa Mazat e Franklin Serrano publicado no website http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/293>).
Segundo Mazat e Serrano, o movimento de ocupação começou pelo Báltico,
atravessou a Europa Central, a Ucrânia e a Bielorússia, passou pela intervenção
nos Bálcãs (ex- Iugoslávia) e chegou até a Ásia Central e o Paquistão,
ampliando as fronteiras da OTAN. Ao terminar a década de 1990, a distribuição
geopolítica das novas bases militares norte-americanas não deixa dúvidas sobre
a existência de um novo “cinturão sanitário‟, separando a Alemanha
da Rússia e a Rússia da China. A chegada
de Vladimir Putin ao poder iria modificar radicalmente esse quadro geopolítico,
até então muito desfavorável para a Rússia.
Mazat e
Serrano afirmam ainda que a intervenção da OTAN na Sérvia em 1999, apesar da forte
oposição da Rússia, foi percebida pela população russa e por seus dirigentes como uma
ameaça para a segurança do país. O bombardeio da Sérvia mostrou de forma nítida
o quanto a estratégia de cerco organizada pelos Estados Unidos e seus aliados, através
do avanço programado da OTAN e da União Europeia nas zonas antigamente controladas
pela União Soviética, podia representar um perigo para a soberania da Rússia.
A chegada
de Vladimir Putin ao poder da Rússia em 2000, marcou o início da recuperação
geopolítica da Rússia, cuja posição tinha sido muito enfraquecida durante o governo
Ieltsin na década de 1990. Putin representa a ascensão ao poder de uma ampla e sólida
coalizão de interesses econômicos e políticos que se uniram quanto à
necessidade de recompor as bases mínimas de operação de um Estado capitalista
moderno que superasse a fase selvagem e predadora da “acumulação primitiva” na
Federação Russa.
A
recuperação geopolítica da Rússia foi possível graças à afirmação de um projeto nacionalista
de recuperação do Estado russo por parte de Putin, segundo Mazat e Serrano.
Os dirigentes russos, na última década, decidiram concentrar seus esforços na reconquista
de um domínio geopolítico sobre a área da ex-União Soviética. Eles pretendiam
fazer com que fossem respeitadas as antigas fronteiras da União Soviética, à exceção
dos países Bálticos. Mas a maior preocupação dos russos em termos de
segurança
provém da atuação da OTAN no ex-bloco soviético. Assim, a Rússia se pôs vigorosamente
em 2007 ao projeto de escudo antimíssil que os norte-americanos queriam
instalar na Europa Central (Polônia, República Tcheca), por meio da OTAN. Esse
escudo antimíssil deveria supostamente proteger os membros europeus da OTAN contra a
ameaça iraniana (Ver o artigo A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa
e os EUA: da “Cooperação” ao Conflito de Numa Mazat e
Franklin Serrano publicado
no website http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/293>).
Numa Mazat
e Franklin Serrano afirmam que os dirigentes russos, na década de 2000, voltaram a
dar prioridade à questão das forças armadas, visando reverter a acelerada decadência
do potencial militar do país durante a década de 1990. O objetivo dessa reconstituição
parcial do poder militar russo consistia em dar uma base material mais forte à
estratégia de afirmação diplomática e geopolítica da Rússia frente às
tentativas permanentes
de enfraquecimento do país por parte dos Estados Unidos e de seus aliados europeus.
Em 2000, pela primeira vez desde 1992, a Federação Russa aumentou seu orçamento
de defesa. Em 2003, foram entregues à Força Aérea russa os primeiros caças desde
1992, assim como helicópteros de ataque em 2004. Em 2006, começou, também, o
fornecimento à Força Aérea do Sukhoi 34, novo avião voltado ao ataque de longa distância.
Num artigo publicado em fevereiro de 2012, Vladimir Putin anunciou que a Rússia
ia gastar 580 bilhões de euros em armamento nos próximos dez anos para modernizar
seu exército.
Foi a
partir do ano 2000 que a Rússia resolveu desenvolver uma parceria estratégica com a
China. A Rússia considerou que a China poderia ajudá-la na sua resistência às ambições
geopolíticas dos Estados Unidos tanto na Europa Oriental, quanto no Cáucaso ou
na Ásia Central. A Organização da Cooperação de Xangai (Shanghai Cooperation
Organization – SCO) foi criada em 2001 para estabelecer uma aliança entre a
Rússia e a China em termos militares e de combate ao terrorismo, ao
fundamentalismo religioso e ao separatismo na região da Ásia. A SCO é uma
organização de cooperação política e militar que se propõe explicitamente ser
um contrapeso aos Estados Unidos e às forças militares da OTAN. Putin resolveu
as últimas disputas territoriais com a China em 2004, tornando segura sua
fronteira oriental. Os dois países defendem, em geral, posições convergentes na
ONU e nos demais fóruns internacionais, como, por exemplo, o G20 (Ver o artigo A
Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os EUA: da “Cooperação” ao
Conflito de Numa Mazat e Franklin Serrano publicado no website <http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/293>).
Numa Mazat
e Franklin Serrano afirmam que a parceria entre a China e a Rússia existe,
também, no
setor do armamento. Ao longo da década de 1990, as vendas de armas para a China
foram essenciais para a sobrevivência do complexo militar-industrial russo. A Rússia
continuou sendo o maior fornecedor de armas modernas da China nos anos 2000 e
houve mais recentemente transferência de tecnologia militar russa para a
produção de novas armas chinesas. Além disso, os chineses permanecem grandes
clientes de hidrocarbonetos russos. Enfim, a parceria estratégica entre China e
Rússia é tão fundamental para os dois países que as diferenças acerca da
questão energética, ou outras divergências de interesses, naturais entre duas
potências, por mais importantes que sejam, não foram capazes de ameaçar a
colaboração entre os dois países no que diz respeito à tentativa de limitar o
poder dos Estados Unidos.
Além
disso, a Rússia é hoje um grande fornecedor de armas para os países que querem manter sua
independência em relação aos Estados Unidos, como a Índia. Da mesma forma, as
nações que sofrem de embargo sobre armas por parte dos Estados Unidos como a
China, a Venezuela ou o Irã fazem compras militares com a Rússia. Além disso, a Rússia
continua sendo a grande potência nuclear mundial ao lado dos Estados Unidos.
As sanções
unilaterais que os Estados Unidos já impuseram à Rússia devido a seu comportamento
na Ucrânia e a ameaça de impor ainda mais sanções apressou o desejo da Rússia
de encontrar novas saídas para o seu gás e petróleo. Em 16 de maio de 2014,
Rússia e China anunciaram a assinatura de um “tratado de amizade” contemplando
um acordo sobre o gás, pelo qual os dois países irão construir um gasoduto para
exportar gás russo para a China. A China vai emprestar à Rússia o dinheiro com
o qual esta construirá a sua parte do gasoduto. A Gazprom (maior produtora
russa de gás e de petróleo) fez algumas concessões de preço à China (Ver o
artigo O jogo geopolítico da Rússia e da China de Immanuel Wallerstein
publicado no website <http://outraspalavras.net/posts/o-jogo-geopoliticode-
moscou-e-pequim/>).
Cabe
observar que a paulatina queda dos preços do petróleo desde junho passado, acelerada
nas últimas semanas até chegar a 69 dólares o barril de Brent coloca em xeque a
economia da Rússia e de outros países produtores de petróleo que são
dependentes de sua receita de exportação. Os países da OPEP, que passaram mais
de dois anos diminuindo sua produção, compensando assim os aumentos na extração
de petróleo bruto por parte dos países de fora da OPEP, mudaram de estratégia e
desde setembro estão aumentando sua produção contribuindo para a queda no preço
do petróleo com o propósito de inviabilizar os substitutos do petróleo como o
xisto. A isso é somado o interesse dos Estados Unidos de alcançar a autonomia
energética com o xisto graças à aplicação da tecnologia de fracking e a
queda na demanda mundial de petróleo.
Uma
hipótese que vem sendo aventada é a de que os Estados Unidos estão por trás da queda no
preço do petróleo para afetar as economias de países inimigos como a Rússia, Irã
e Venezuela. Por conta da queda dos preços do petróleo, a Rússia está
enfrentando no momento um violento ataque especulativo com a fuga de capitais
do país da qual está resultando uma vertiginosa queda do poder aquisitivo do
Rublo. Pode-se afirmar que, a partir de um ponto de vista geopolítico, muito
provavelmente, os Estados Unidos não pressionarão para aumentar a oferta do
produto. Para agravar a situação, o epicentro da crise econômica global, que
ocorreu pela primeira vez em 2008 nos Estados Unidos e mudou para a Europa
entre 2010 e 2013, agora está se concentrando nas economias dos mercados
emergentes, inclusive na China, que está desacelerando sua economia, pode levar
o sistema capitalista mundial à depressão. Desejamos que do confronto entre Estados
Unidos, China e Rússia no xadrez geopolítico internacional não haja o acirramento
de conflitos que conduzam a uma nova guerra fratricida mundial.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas
energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997),
De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São
Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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