Fernando Alcoforado*
Na era
contemporânea, uma das estratégias do governo norte-americano consiste em impedir a
Rússia de alçar à condição de grande potência mundial ou mesmo regional.
Na
prática, o governo dos Estados Unidos quer evitar o enfrentamento no futuro de
uma Rússia revigorada. Sobre a Rússia, é importante destacar que seus objetivos
estratégicos são: 1) defender-se da ameaça a seu território representada pelos
Estados Unidos e pelas forças da OTAN; e, 2) alcançar a condição de potência
mundial perdida com o fim da União Soviética. Para defender-se da ameaça a seu
território representada pelos Estados Unidos e pelas forças da OTAN, a
estratégia militar da Rússia prevê o rearmamento do Exército e da Marinha com o
uso de armas convencionais e nucleares como resposta a um ataque contra o país
(Ver o artigo de Bruno Quadros e Quadros sob o título A nova doutrina
militar da Rússia: mais do mesmo? publicado no site <http://www.enciclopedia.com.pt/news.php?readmore=181>).
A expansão da OTAN rumo às
fronteiras russas é o principal perigo externo ao país.
Mazat e
Serrano, pesquisadores do Instituto de Economia Política da UFRJ, afirmam no artigo
acima citado que a intervenção da OTAN na Sérvia em 1999 foi percebida pela população
russa e por seus dirigentes como uma ameaça para a segurança do país. O bombardeio
da Sérvia mostrou de forma nítida quanto a estratégia de cerco organizada pelos
Estados Unidos e seus aliados, através do avanço programado da OTAN e da União
Europeia nas zonas antigamente controladas pela União Soviética, podia representar
um perigo para a soberania da Rússia. A chegada de Vladimir Putin ao poder iria
modificar radicalmente esse quadro geopolítico, até então muito desfavorável para
a Rússia. A chegada de Vladimir Putin ao poder da Rússia em 2000, marcou o início
da recuperação geopolítica da Rússia, cuja posição tinha sido muito
enfraquecida durante o governo Ieltsin na década de 1990. Putin representa a
ascensão ao poder de uma ampla e sólida coalizão de interesses econômicos e
políticos que se uniram quanto à necessidade de recompor as bases mínimas de
operação de um Estado capitalista moderno que superasse a fase selvagem e
predadora da “acumulação primitiva” na Federação Russa.
A
recuperação geopolítica da Rússia foi possível graças à afirmação de um projeto nacionalista
de recuperação do Estado russo por parte de Putin, segundo Mazat e Serrano.
Os dirigentes russos, na última década, decidiram concentrar seus esforços na reconquista
de um domínio geopolítico sobre a área da ex-União Soviética. Eles pretendiam
fazer com que fossem respeitadas as antigas fronteiras da União Soviética, à exceção
dos países Bálticos. Mas a maior preocupação dos russos em termos de
segurança
provém da atuação da OTAN no ex-bloco soviético. Assim, a Rússia se opôs vigorosamente
em 2007 ao projeto de escudo antimíssil que os norte-americanos queriam
instalar na Europa Central (Polônia, República Tcheca), por meio da OTAN. Esse
escudo antimíssil deveria supostamente proteger os membros europeus da OTAN contra a
ameaça iraniana (Ver o artigo A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa
e os EUA: da “Cooperação” ao Conflito de Numa Mazat e
Franklin Serrano publicado
no website (<http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/293>).
Numa Mazat
e Franklin Serrano afirmam que os dirigentes russos, na década de 2000, voltaram a
dar prioridade à questão das forças armadas, visando reverter a acelerada decadência
do potencial militar do país durante a década de 1990. O objetivo dessa reconstituição
parcial do poder militar russo consistia em dar uma base material mais forte à
estratégia de afirmação diplomática e geopolítica da Rússia frente às
tentativas permanentes
de enfraquecimento do país por parte dos Estados Unidos e de seus aliados europeus.
Em 2000, pela primeira vez desde 1992, a Federação Russa aumentou seu orçamento
de defesa. Em 2003, foram entregues à Força Aérea russa os primeiros caças desde
1992, assim como helicópteros de ataque em 2004. Em 2006, começou, também, o
fornecimento à Força Aérea do Sukhoi 34, novo avião voltado ao ataque de longa distância.
Num artigo publicado em fevereiro de 2012, Vladimir Putin anunciou que a Rússia
ia gastar 580 bilhões de euros em armamento nos próximos dez anos para modernizar
seu exército.
A partir
do ano 2000, a Rússia resolveu desenvolver uma parceria estratégica com a China. A
Rússia considerou que a China poderia ajudá-la na sua resistência às ambições geopolíticas
dos Estados Unidos tanto na Europa Oriental, quanto no Cáucaso ou na Ásia
Central. A Organização da Cooperação de Xangai (Shanghai Cooperation Organization
– SCO) foi criada em 2001 para estabelecer uma
aliança entre a Rússia e a China em
termos militares e de combate ao terrorismo, ao fundamentalismo religioso e ao
separatismo na região da Ásia. A SCO é uma organização de cooperação política e militar
que se propõe explicitamente ser um contrapeso aos Estados Unidos e às forças militares
da OTAN. Putin resolveu as últimas disputas territoriais com a China em
2004,
tornando segura sua fronteira oriental. Os dois países defendem, em geral, posições
convergentes na ONU e nos demais fóruns internacionais, como, por exemplo, o
G20 (Ver o artigo A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os
EUA: da “Cooperação” ao Conflito de Numa Mazat e Franklin Serrano publicado
no website http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/293>).
Numa Mazat
e Franklin Serrano afirmam que a parceria entre a China e a Rússia existe,
também, no
setor do armamento. Ao longo da década de 1990, as vendas de armas para a China
foram essenciais para a sobrevivência do complexo militar-industrial russo. A Rússia
continuou sendo o maior fornecedor de armas modernas da China nos anos 2000 e
houve mais recentemente transferência de tecnologia militar russa para a
produção de novas armas chinesas. Além disso, os chineses permanecem grandes
clientes de hidrocarbonetos russos. Enfim, a parceria estratégica entre China e
Rússia é tão fundamental para os dois países que as diferenças acerca da
questão energética, ou outras divergências de interesses, naturais entre duas
potências, por mais importantes que sejam não foram capazes de ameaçar a
colaboração entre os dois países no que diz respeito à tentativa de limitar o
poder dos Estados Unidos. Gastos de
defesa da Rússia deverão aumentar em 25 por cento em 2015, atingindo níveis
recordes. Este reequipamento e modernização de seu hardware militar segue a reorganização
de suas unidades militares em uma força de reação rápida, visto com
grande
efeito na anexação da Crimeia. A Rússia está flexionando seus músculos militares,
apresentando o maior desafio de Moscou à estratégia de defesa do Ocidente desde o
fim da Guerra Fria. Em 2010, o Parlamento russo (Duma) aprovou um programa
para 2011-2020 que destinou 20 trilhões de rublos para o rearmamento e acrescentou
três trilhões de rublos para atualizar a indústria militar. A ambição declarada
é a de que, até 2020, as forças armadas russas serão 70 por cento
"modernas".
O exército
vai receber 2.300 novos tanques, a Força Aérea 1200 aviões, incluindo helicópteros
e a Marinha 50 navios de superfície e 28 submarinos (Ver o artigo Moscow’s
military upgrade may force West to rethink strategy de
Stefan Hedlund, publicado
no website
<http://geopolitical-info.com/en/defense-and-security/moscow-smilitary-upgrade-may-force-west-to-rethink-strategy>).
É
importante observar que a Rússia é hoje um grande fornecedor de armas para os países que
querem manter sua independência em relação aos Estados Unidos, como a Índia. Da
mesma forma, as nações que sofrem de embargo sobre armas por parte dos Estados
Unidos como a China, a Venezuela ou o Irã fazem compras militares com a Rússia.
Além disso, a Rússia continua sendo a grande potência nuclear mundial ao lado dos
Estados Unidos. As sanções unilaterais que os Estados Unidos já impuseram à
Rússia devido a seu comportamento na Ucrânia e a ameaça de impor ainda mais
sanções apressou o desejo da Rússia de encontrar novas saídas para o seu gás e
petróleo. Em 16 de maio de 2014, Rússia e China anunciaram a assinatura de um
“tratado de amizade” contemplando um acordo sobre o gás, pelo qual os dois
países irão construir um gasoduto para exportar gás russo para a China. A China
vai emprestar à Rússia o dinheiro com o qual esta construirá a sua parte do
gasoduto. A Gazprom (maior produtora russa de gás e de petróleo) fez algumas concessões
de preço à China (Ver o artigo O jogo geopolítico da Rússia e da China de
Immanuel Wallerstein publicado no website
<http://outraspalavras.net/posts/o-jogogeopolitico-
de-moscou-e-pequim/>).
Uma
hipótese que vem sendo aventada é a de que os Estados Unidos estão por trás da queda
atual no preço do petróleo para afetar as economias de países inimigos como a Rússia,
Irã e Venezuela. Por conta da queda dos preços do petróleo, a Rússia está enfrentando
no momento um violento ataque especulativo com a fuga de capitais do país da
qual está resultando uma vertiginosa queda do poder aquisitivo de sua moeda, o Rublo.
Pode-se afirmar que, a partir de um ponto de vista geopolítico, muito provavelmente,
os Estados Unidos não pressionarão para reduzir a oferta do produto
visando
manter a queda no preço do barril de petróleo. Cabe observar que a paulatina queda dos
preços do petróleo desde junho passado já alcançou US$ 48 por barril no momento e
pode evoluir para US$ 30 por barril nos próximos meses que podem colocar em
xeque a economia da Rússia e de outros países produtores de petróleo que são dependentes
de sua receita de exportação. O entendimento de muitos especialistas em energia
é o de que a queda no preço do barril de petróleo não pode durar muito tempo porque
seria prejudicial não apenas para a Rússia, mas também para os Estados Unidos que
teria inviabilizada a exploração do xisto que só seria viável economicamente
com US$ 80 por barril.
Apesar de
o próprio Estados Unidos serem prejudicados com a queda do preço do barril de
petróleo, tudo leva a crer que, em curto prazo, esta política interessa ao
governo dos Estados Unidos a fim de, por um lado, desestabilizar a economia
russa para vergar seu governo, ou mesmo derrubar sua principal liderança,
Putin, que está vencendo o conflito com a Ucrânia, motivo pelo qual sofre
sanções econômicas, além de fornecer tecnologia nuclear ao Irã e, por outro
lado, derrubar o regime iraniano, cuja economia, já fragilizada pelas sanções
econômicas, depende mais do que nunca de preços do petróleo acima de US$ 100
por barril. Os Estados Unidos são inimigos mortais do Irã, por constituírem o
último produtor de petróleo no Oriente Médio não alinhado ao Ocidente e com
planos de desenvolver tecnologia nuclear. Petróleo e gás natural contribuem com
mais de 68% da receita de exportação da Rússia e mais de 50% do orçamento do governo.
A
tentativa de desestabilizar a economia russa pode contribuir, entretanto, para
o incremento
da escalada militar confrontando a Rússia contra os Estados Unidos e as forças do
OTAN. O agravamento da situação econômica da Rússia resultante da queda do preço
do barril de petróleo e o estrangulamento econômico resultante das sanções impostas
pelos Estados Unidos e União Europeia poderão radicalizar o conflito com os Estados
Unidos fazendo com que o governo russo decida pela intervenção militar preventiva
na Ucrânia que poderia reforçar ainda mais o poder de Vladimir Putin no comando da
Rússia mobilizando a nação contra o inimigo externo. Em contrapartida, os Estados
Unidos e as forças da OTAN deverão atuar ampliando o cerco da Rússia dando início
a uma nova Guerra Fria.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas
energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997),
De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São
Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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