Fernando
Alcoforado*
Joseph
Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, escreveu na contracapa do livro L´État Prédateur
de James K. Galbraith (Paris: Seuil, 2009), o
seguinte: Depois de trinta anos, o culto do mercado dominou o discurso
político. Estado mínimo, impostos limitados, desregulamentação e livre mercado
se tornaram as palavras chaves deste dogma cujo sucesso foi tal que terminou
por fazer cada vez mais apóstolos no seio dos partidos de
esquerda. No amanhecer do século XXI, assistimos nos Estados Unidos, a uma
engraçada mudança de posição ideológica. Enquanto a esquerda moderna tinha se
convertido ao livre mercado, a direita conservadora tinha abandonado
definitivamente esta ideia. Gailbraith mostra como dos anos Reagan aos anos
Bush, a direita no poder transformou os Estados Unidos em república-empresa
onde a economia não é mais regida pelos mercados, mas por uma coalizão de
poderosos lobbies industriais. Estes últimos são sustentados por um Estado
predador que, além de limitar a ação intervencionista do governo sobre a
economia, agem ao contrário aprofundando
por desviar sua ação e os recursos públicos em benefício do interesse privado.
Se o discurso oficial tem conotação liberal é precisamente para mascarar esta
forma perversa de estatismo. A nova esquerda liberal se deixou contaminar pelo
culto do mercado livre que nunca existiu e que é um mito instrumentalizado pelos
seus promotores. A esquerda liberal precisa se desintoxicar e compreender que
os mercados não trarão nenhuma solução para a crise contemporânea, para a
superação da pobreza, das desigualdades e da crise ecológica, as quais demandam
o planejamento, o controle público da distribuição de renda e o financiamento
da economia.
Para James
K. Galbraith, o Estado Predador tem por base uma classe empenhada em apoderar-se
do Estado, não por razões ideológicas, mas simplesmente para que isso lhes
traga, individualmente ou como grupo, o máximo de dinheiro, o mínimo de
incômodo ao exercício do seu o poder, e no caso de alguma coisa correr mal, o
papel do Estado é o de ir em seu socorro. Apesar da retórica em defesa do
Estado mínimo, não lhes interessa a redução do Estado pois, sem seu apoio, a
concretização dos seus objetivos estaria fortemente comprometida. A sua razão
de ser é fazer dinheiro à custa do Estado. Ao Governo é reservado o papel de
adotar políticas de redução dos rendimentos dos trabalhadores e de cortes nos
serviços públicos, ao mesmo tempo em que faz concessões milionárias a
companhias que ajudam a eleger os detentores do poder estatal. O Governo deve
socorrer as grandes empresas quando necessário e deve recusar-se a apoiar os
cidadãos comuns. E tudo isto acontece, segundo James K. Galbraith, não como
anomalias ou desvios, mas sim como condições centrais de funcionamento do
sistema.
James K.
Galbraith defende a tese de que o Estado Predador resulta de uma coalizão de
grandes empresas que procura tomar o controle do Estado para impedir o
interesse público de
se afirmar. É importante observar que são de esquerda, em princípio, partidos e
movimentos que se identificam com os interesses das classes subalternas.
Diante da
falta de alternativas para se contrapor ao neoliberalismo, vários partidos de
esquerda, sobretudo os que conquistaram o poder político em vários países como
o Brasil, aderiram ao que é designado como social-liberalismo. Michel Löwy,
pensador marxista brasileiro radicado na França, onde trabalha como diretor de
pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, afirma que o
espírito do social-liberalismo – e os governos do PT no Brasil o representam
muito bem – é o seguinte: “vamos fazer tudo o que pudermos pelos pobres com a
condição de não mexer nos privilégios dos ricos”.
Essa é a
fórmula do social-liberalismo, com variantes. Cada país tem uma forma diferente
de social-liberalismo, mas o funcionamento fundamental é esse (Ver o artigo 2014:
o fim das ilusões desenvolvimentistas publicado no
website <http://www.correiocidadania.com.br/index>).
Para
entender como funciona o capitalismo, é necessário entendê-lo da forma como concebeu
Fernand Braudel (The Wheels of Commerce. New York: Harper & Row, 1982), que
admitiu ser ele constituído por uma camada superior de uma estrutura em três
patamares: a camada inferior, a mais ampla, de uma economia extremamente elementar
e basicamente autossuficiente, que denominou de vida material, a camada
da não economia, o solo em que o capitalismo crava suas raízes, mas na qual
nunca consegue
penetrar. Acima dessa camada, vem o campo da economia de mercado, com suas
muitas comunicações horizontais entre os diferentes mercados em que há uma coordenação
automática que liga a oferta, a demanda e os preços. Depois dessa camada acima
dela, vem a zona do antimercado onde circulam os grandes predadores e
vigora a lei das selvas. Esse — hoje como no passado, antes e depois da
revolução
industrial
— é o verdadeiro lar do capitalismo. A fusão entre o Estado e o capital foi o ingrediente
vital da emergência de uma camada claramente capitalista por sobre a camada da
economia de mercado e em antítese a ela (ARRIGHI, Giovanni. O longo século
XX. São Paulo: Unesp, 1996). O capitalismo só
triunfa quando coloca o Estado a seu
serviço, isto é, quando a burguesia assume a hegemonia do poder político.
O Estado
intervencionista que passou a existir no Brasil e no mundo a partir da década de 1930
para fazer frente à grande depressão, mas, sobretudo a partir da década de 1940
com base no keynesianismo, deixou de existir a partir da década de 1990 quando
se introduziu o modelo econômico neoliberal na quase totalidade dos países. A
partir deste
momento, o Estado perdeu a capacidade de promover políticas anticíclicas, isto
é, que contrariem os maus ventos que sopram sobre a economia. No entanto, o
Estado
cresce. E
cresce desmesuradamente como ocorre no Brasil. Como um sol em declínio, projeta
agora a sua sombra com muito maior extensão cobrando mais impostos, contribuições,
taxas, etc., criando organismos, legislação, regulamentos e circulares e impondo
mais obrigações aos cidadãos e mais burocracia. O Estado vem aumentando o seu
tamanho, as suas despesas e o seu peso no produto interno bruto. Quem sustenta
este Estado hipertrofiado, ineficiente e ineficaz sob a ótica dos cidadãos?
Obviamente, as vítimas
são os contribuintes que trabalham e que pagam os seus impostos e contribuições.
Em suma: já não temos um "Estado intervencionista" que atua sobre a economia
para promover seu desenvolvimento em benefício da sociedade, mas um Estado
predador que a debilita e a suga em benefício das grandes corporações nacionais
e multinacionais.
Muita
gente acredita ingenuamente que a finalidade do Estado é a busca do bem comum.
Trata-se de um gigantesco engano porque, desde que o Estado surgiu ao longo da
história, seu papel tem sido o de servir os interesses das classes sociais
dominantes em suas diversas épocas. O Parlamento e, mais ainda, o governo de um
Estado capitalista, por mais democrático que pareça ser, está subordinado aos
interesses dos grandes monopólios capitalistas, sobretudo do sistema financeiro
por cadeias de subordinação que tomam o nome de dívida pública. Mais do que
nunca, hoje, nenhum governo poderia durar mais de um mês sem recorrer aos
bancos para pagar suas despesas. Se os bancos se recusassem a financiar o
déficit público, os governos seriam levados à falência. O aumento da dívida
pública resulta do fato de o governo gastar mais do que arrecada, cujo déficit
público cresce continuamente. O governo capta recursos junto ao sistema
financeiro remunerando-o a taxas elevadíssimas, fato este que o torna extremamente
dependente do sistema financeiro.
A questão
que se coloca para a grande maioria da população hoje no mundo é o de como
implodir o processo atual que faz com que o poder executivo e o parlamento sejam
instrumentos dos grandes monopólios capitalistas e passem a se constituir em organismos
verdadeiramente democráticos que atuem em benefício de toda a população.
A
realidade objetiva mostra que a eleição de representantes do povo para o poder executivo
e parlamentos não é suficiente para mudar o caráter do Estado Predador existente
que continuará a serviço dos grandes monopólios capitalistas. Só há um caminho
para transformar o Estado Predador em Estado de todo o povo que é a do fortalecimento
das organizações da Sociedade Civil.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas
energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997),
De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São
Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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