quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

ZÉLIA NO MANHATTAN CONNECTION: DE TIRAR O SONO

Por
Vitor Hugo Soares

Domingo, 18 de janeiro. 2015 arranca desabalado em velocidade e tensão. Já se pode antecipar: temos um calendário de ano raro e diferente no Brasil, pois parece ter começado antes do Carnaval passar. A meia-noite se aproxima. Já não se espera mais nada de relevante – factual e jornalisticamente falando. O cidadão comum só pede um sono tranquilo e reparador para aguentar o tranco da nova semana, neste temerário e assustador período da vida brasileira.
 Ao telespectador assíduo do programa Manhattan Connection, no canal privado Globo News, no entanto (esse é exatamente o caso do autor do artigo), é sempre recomendável ficar em guarda. Preparado para algum susto ou ocorrência do inesperado. Neste caso, o sal do jornalismo avesso ao ramerrão.
 Exatamente o que aconteceu na madrugada do começo desta semana, na entrevista especial da ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Conversa quente, multilateral e multifacetada. No estúdio de New York, a personagem central sentada na bancada, com os apresentadores Lucas Mendes e Caio Blinder. Além de NY, o restante dos entrevistadores ancorados em outros recantos do mundo.

 Li e ouvi nos dias seguintes, críticas pesadas à convidada, aos responsáveis pelo programa e à emissora, por ter pautado a ex-ministra todo-poderosa do Governo Collor em espaço tão qualificado, apesar do horário. Entre as pauladas, uma falava "da decadência do Manhattan", que estaria perdendo as suas características originais de conteúdo crítico, informativo e cultural de alto nível e em sintonia fina com o mais interessante e atual da política internacional. Teria perdido suas marcas de sucesso e prestígio, "para tornar-se um programa humorístico de quinta categoria", ataca o crítico.
Ele cita, ao justificar seu pensamento, uma passagem em que a ex-ministra fala da aparentemente inesgotável tolerância do povo brasileiro a governantes incompetentes e à corrupção.
“O povo brasileiro é muito feliz, e isso é um defeito, um problema. É um povo muito tolerante. Consegue conviver com coisas ruins durante muito tempo. Não sei qual vai ser o grau de tolerância, deveríamos estar já no limite”, disse Zélia ao responder pergunta de Diogo Mainardi, de Veneza, sobre política nacional atual, a economia e o governo petista de Dilma Rousseff.
 Na parte que me toca, digo e assino: foi uma conversa de conteúdo e qualidade muito além da média daquilo que ultimamente se vê por aqui. Sem meias palavras e rara franqueza, no tempo em que o mais comum é a fala medida, quase murmurada para não fazer barulho ou incomodar os poderosos da vez.
 Sem pedidos de desculpas em falsete, por parte da entrevistada ou dos entrevistadores. Desde a breve apresentação da convidada, seguida da primeira pergunta do âncora Lucas Mendes, foi um jogo de adulto, para gente adulta que está acordada e atenta já em plena madrugada de segunda-feira, em Brasília, pelo horário de verão.
 Zélia, a ex-ministra do governo do "caçador de Marajás", Fernando Collor de Mello, famosa e tristemente lembrada pelo confisco das economias dos brasileiros que confiavam, cegamente, na inviolabilidade da sua caderneta de poupança, traz marcas do tempo na face e as exibe, sem exagero de maquilagem, na mesa do Manhattan. Despojada no vestir e nos acessórios, sotaque inimitável e praticamente inalterado, apesar de tanto tempo morando e trabalhando na mais importante cidade do planeta, a antiga soberana da economia brasileira parece bem mais serena e sem aquele ar permanente de arrogância, misturada com insegurança e desconfiança que parecia carregar no seu tempo de mando.
 Não se abalou, gaguejou ou tremeu a voz (atenção ministro Joaquim Levy) nem mesmo quando o apresentador Lucas Mendes (reforçado por Ricardo Amorim, de São Paulo), logo na abertura do programa, perguntou sobre o novo chefe da economia, semelhanças e diferenças com ela, em seu tempo de comando, e das relações de Collor com ela e Dilma com Levy.   
“O ministro (Levy) tem todas as condições de controlar e colocar a economia em um estado melhor. Ele tem os instrumentos, tem a competência e a capacidade para fazer isso. O que ele não tem e eu tinha, quer dizer, não sei se ele não tem, é o apoio da presidente. Essa é a grande questão que nós vamos ter que testar nos próximos seis meses a um ano. (…) Nesse período ele vai precisar de apoio político da presidente da República, e isso, sinceramente, eu não sei se ele tem. Até agora, pelos discursos da presidente, inclusive no discurso de posse, eu não vi nada que indicasse que ela esteja disposta a suportar todas as medidas que eles (equipe econômica) vão ter que tomar. Medidas essas que não são agradáveis”.
A conferir, digo eu. E mais não digo para não estourar o espaço do texto, a não ser que a íntegra da entrevista de Zélia pode ser vista e ouvida, na íntegra, no espaço do Manhattan Connection, na página da Globo News, na Internet. Uma entrevista de tirar o sono na madrugada de domingo.

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