Por
Vitor Hugo Soares
Domingo, 18
de janeiro. 2015 arranca desabalado em velocidade e tensão. Já se pode
antecipar: temos um calendário de ano raro e diferente no Brasil, pois parece
ter começado antes do Carnaval passar. A meia-noite se aproxima. Já não se
espera mais nada de relevante – factual e jornalisticamente falando. O cidadão
comum só pede um sono tranquilo e reparador para aguentar o tranco da nova
semana, neste temerário e assustador período da vida brasileira.
Ao
telespectador assíduo do programa Manhattan Connection, no canal privado Globo
News, no entanto (esse é exatamente o caso do autor do artigo), é sempre
recomendável ficar em guarda. Preparado para algum susto ou ocorrência do
inesperado. Neste caso, o sal do jornalismo avesso ao ramerrão.
Exatamente
o que aconteceu na madrugada do começo desta semana, na entrevista especial da
ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Conversa quente, multilateral
e multifacetada. No estúdio de New York, a personagem central sentada na
bancada, com os apresentadores Lucas Mendes e Caio Blinder. Além de NY, o
restante dos entrevistadores ancorados em outros recantos do mundo.
Li e
ouvi nos dias seguintes, críticas pesadas à convidada, aos responsáveis pelo
programa e à emissora, por ter pautado a ex-ministra todo-poderosa do Governo
Collor em espaço tão qualificado, apesar do horário. Entre as pauladas, uma
falava "da decadência do Manhattan", que estaria perdendo as suas
características originais de conteúdo crítico, informativo e cultural de alto
nível e em sintonia fina com o mais interessante e atual da política
internacional. Teria perdido suas marcas de sucesso e prestígio, "para
tornar-se um programa humorístico de quinta categoria", ataca o crítico.
Ele cita,
ao justificar seu pensamento, uma passagem em que a ex-ministra fala da
aparentemente inesgotável tolerância do povo brasileiro a governantes
incompetentes e à corrupção.
“O povo
brasileiro é muito feliz, e isso é um defeito, um problema. É um povo muito
tolerante. Consegue conviver com coisas ruins durante muito tempo. Não sei qual
vai ser o grau de tolerância, deveríamos estar já no limite”, disse Zélia ao
responder pergunta de Diogo Mainardi, de Veneza, sobre política nacional atual,
a economia e o governo petista de Dilma Rousseff.
Na
parte que me toca, digo e assino: foi uma conversa de conteúdo e qualidade
muito além da média daquilo que ultimamente se vê por aqui. Sem meias palavras
e rara franqueza, no tempo em que o mais comum é a fala medida, quase murmurada
para não fazer barulho ou incomodar os poderosos da vez.
Sem
pedidos de desculpas em falsete, por parte da entrevistada ou dos
entrevistadores. Desde a breve apresentação da convidada, seguida da primeira
pergunta do âncora Lucas Mendes, foi um jogo de adulto, para gente adulta que
está acordada e atenta já em plena madrugada de segunda-feira, em Brasília,
pelo horário de verão.
Zélia,
a ex-ministra do governo do "caçador de Marajás", Fernando Collor de
Mello, famosa e tristemente lembrada pelo confisco das economias dos
brasileiros que confiavam, cegamente, na inviolabilidade da sua caderneta de
poupança, traz marcas do tempo na face e as exibe, sem exagero de maquilagem,
na mesa do Manhattan. Despojada no vestir e nos acessórios, sotaque inimitável
e praticamente inalterado, apesar de tanto tempo morando e trabalhando na mais
importante cidade do planeta, a antiga soberana da economia brasileira parece
bem mais serena e sem aquele ar permanente de arrogância, misturada com
insegurança e desconfiança que parecia carregar no seu tempo de mando.
Não
se abalou, gaguejou ou tremeu a voz (atenção ministro Joaquim Levy) nem mesmo
quando o apresentador Lucas Mendes (reforçado por Ricardo Amorim, de São
Paulo), logo na abertura do programa, perguntou sobre o novo chefe da economia,
semelhanças e diferenças com ela, em seu tempo de comando, e das relações de
Collor com ela e Dilma com Levy.
“O ministro
(Levy) tem todas as condições de controlar e colocar a economia em um estado
melhor. Ele tem os instrumentos, tem a competência e a capacidade para fazer
isso. O que ele não tem e eu tinha, quer dizer, não sei se ele não tem, é o
apoio da presidente. Essa é a grande questão que nós vamos ter que testar nos
próximos seis meses a um ano. (…) Nesse período ele vai precisar de apoio
político da presidente da República, e isso, sinceramente, eu não sei se ele
tem. Até agora, pelos discursos da presidente, inclusive no discurso de posse,
eu não vi nada que indicasse que ela esteja disposta a suportar todas as
medidas que eles (equipe econômica) vão ter que tomar. Medidas essas que não
são agradáveis”.
A conferir,
digo eu. E mais não digo para não estourar o espaço do texto, a não ser que a
íntegra da entrevista de Zélia pode ser vista e ouvida, na íntegra, no espaço
do Manhattan Connection, na página da Globo News, na Internet. Uma entrevista
de tirar o sono na madrugada de domingo.
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