HISTÓRIA
DO BRASIL
Colaboração de José Macedo
A fila do Beija-mão à época de D. João VI
A presidente Dilma Rousseff acaba de fazer uma
declaração surpreendente a respeito da história da corrupção no Brasil. Segundo
ela, empreiteiras e políticos flagrados na chamada Operação Lava Jato, da
Polícia Federal, não teriam roubado tanto dinheiro da Petrobrás se lá atrás,
nos Anos 90, o governo Fernando Henrique Cardoso tivesse iniciado investigações
para apurar desvios na estatal. No entender da presidente, em vez de punir de
forma exemplar as empresas corruptoras, o melhor agora é fazer um acordo para
que elas continuem funcionando, de modo a preservar empregos e assegurar o
crescimento da economia.
Em outras palavras: para que revirar lama nova se
já existe muito lodo depositado no fundo deste vasto e escuro pântano chamado
Brasil?
Eu tenho uma proposta melhor: que tal investigar os
casos de corrupção durante o governo do rei Dom João VI no Brasil? Lá se vão
mais de duzentos anos e, até agora, ninguém foi punido. Mãos à obra, portanto.
Hora de botar a Polícia Federal, o Ministério Público, a Tribunal de Contas da
União, a Advocacia Geral da União e todos os demais recursos que o país tiver
disponíveis para punir os corruptos do Brasil Joanino. Evidências é que não
faltam. As denúncias são tantas que renderam dois capítulos inteiros no meu
livro “1808”.
O regime de toma-lá-dá-cá que se estabeleceu no
Brasil depois da chegada da familia real de Dom João, em 1808, foi escabroso.
Na opinião do historiador Manuel de Oliveira Lima, os treze anos de permanência
da corte portuguesa no Rio de Janeiro foram um dos períodos de maior corrupção
na história brasileira – com a ressalva de que Oliveira Lima morreu há quase
cem anos e não teve a oportunidade avaliar o que aconteceu depois disso. “A
corrupção medrava escandalosa e tanto contribuía para aumentar as despesas,
como contribuía o contrabando para diminuir as rendas”, escreveu o historiador
pernambucano.
Uma herança da época de Dom João é a prática da
“caixinha” nas concorrências e pagamentos dos serviços públicos. Oliveira Lima,
citando os relatos do inglês John Luccock, diz que cobrava-se uma comissão de
17% sobre todos os pagamentos ou saques no tesouro público. Era uma forma de
extorsão velada: se o interessado não comparecesse com os 17%, os processos
simplesmente paravam de andar.
No Rio de Janeiro, a corte portuguesa estava organizada
em seis grandes setores administrativos – chamados de repartições. Os
responsáveis por essas repartições passariam para a história como símbolos de
maracutaia e enriquecimento ilícito. A área de compras e os estoques da casa
real eram administrados por Joaquim José de Azevedo. Bento Maria Targini
comandava o erário real. Os dois eram muito próximos de Dom João e Carlota
Joaquina, convivendo na intimidade da família real, o que lhes dava poder e
influência que iam muito além das suas atribuições normais. De seus
departamentos saíam a comida, o transporte, o conforto e todos os benefícios
que sustentavam os milhares de dependentes da Corte. Seus amigos tinham tudo.
Seus inimigos, nada.
No Brasil, Azevedo enriqueceu tão rapidamente e
teve sua imagem de tal modo ligada à roubalheira que no retorno de Dom João VI,
em 1821, foi impedido de desembarcar em Lisboa pelas cortes portuguesas. A
proibição em nada perturbou sua bem-sucedida carreira. Ao contrário. A família
continuou enriquecendo e prosperando depois da Independência. Em maio de 1823,
a viajante inglesa Maria Graham foi convidada para a noite do espetáculo de
gala que celebraria a primeira constituinte do Brasil independente. Ao chegar
ao teatro, dirigiu-se ao camarote da mulher de Azevedo, de quem era amiga, e
surpreendeu-se com o que viu. A anfitriã estava coberta com diamantes que, na
estimativa de Graham, valeriam cerca de 150 000 libras esterlinas, o
equivalente hoje a 34 milhões de reais. Segundo a inglesa, na ocasião a mulher
também se vangloriou de ter deixado guardado em casa outro tanto de joias de
igual valor.
De origem italiana, Targini era de familia pobre e
humilde. Entrou no serviço público como guarda-livros, um trabalho menor na
burocracia do governo da colônia. Como era inteligente e disciplinado, virou
escrevente do erário e logo chegou ao mais alto cargo nesta repartição. Com a
chegada da realeza ao Brasil, passou a acumular poder e honrarias. Encarregado
de administrar as finanças públicas, o que incluía todos os contratos e pagamentos
da Corte, enriqueceu rapidamente. Também foi proibido de retornar a Portugal
com D. João VI, mas continuou a levar uma vida tranqüila e confortável no
Brasil.
O poder desses dois personagens, Azevedo e Targini,
era tão grande que, em reconhecimento aos seus serviços, durante o governo de
Dom João VI ambos foram promovidos de barão a visconde. O primeiro tornou-se o
Visconde do Rio Seco. O segundo, Visconde de São Lourenço. A promoção dos dois
corruptos fez com que os cariocas, fiéis a sua vocação de satirizar até suas
próprias desgraças, celebrizassem a roubalheira em versos populares:
“Quem furta pouco é ladrão
Quem furta muito é barão
Quem mais furta e esconde
Passa de barão a visconde”.
Quem furta muito é barão
Quem mais furta e esconde
Passa de barão a visconde”.
Fica aqui, portanto, a minha sugestão: vamos deixar
para lá os corruptos da Operação Lava Jato e correr atrás dos larápios do
Brasil Joanino.
Cadeia neles!
Cadeia neles!
Laurentino Gomes
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