CARNAVAL NO MUNDO
Erika Zidko De Roma para a BBC Brasil
Fiel a suas tradições, a Itália celebra o Carnaval com centenas de
festas espalhadas por todo o país. Com estilos, origens e duração diferentes,
cada localidade preserva o seu próprio modo de cair na folia, embora sejam
todos igualmente dedicados à exaltação dos prazeres, à ironia e à diversão.
As festas vão desde as mais célebres como Veneza,
com suas máscaras exuberantes e refinadas, ou Viareggio, com seus imponentes
carros alegóricos, até a celebração em pequenos vilarejos de rituais ancestrais
com o objetivo de afastar os maus espíritos e favorecer a prosperidade.
E se os grandes centros urbanos tendem a uma
disseminação de eventos de Carnaval com pouca caracterização, as pequenas
cidades conservam tradições populares e aproveitam a data para afirmar a
própria identidade cultural, com intenso envolvimento e empenho da comunidade.
A Floresta que
Caminha
Em Satriano de Lucania, uma cidade com pouco mais
de 2 mil habitantes na região Basilicata, seguindo um rito antigo, os foliões
vestem-se de árvore para comemorar o Carnaval. A fantasia natural é
confeccionada com hera, uma trepadeira comum na localidade.
Conforme a tradição, no domingo de Carnaval os
"rumit" percorrem as ruas das cidade em silêncio e, utilizando ramos
de plantas, batem às portas das casas oferecendo bons presságios para a próxima
primavera em troca de doações de alimentos como cebola, batata, salame, ou
pequenas quantias em dinheiro. Os visitantes também podem participar do evento
"A Floresta que Caminha" reservando a própria fantasia ou participar
das quadrilhas.
Pelo terceiro ano consecutivo, a festa de Satriano
será ecológica: todo material promocional foi impresso em papel com certificado
de proveniência de áreas reflorestadas e os moradores plantarão árvores. Os
bares e quiosques da cidade irão oferecer lanches preparados exclusivamente com
alimentos produzidos na região. Os copos e pratos de plástico serão
substituídos por utensílios reutilizáveis ou em material biodegradável e a
coleta de lixo será diferenciada.
"Os aspectos inovadores e a mensagem ecológica
que procura restabelecer a relação do homem com a natureza atraem o interesse
de um público cada vez maior", disse à BBC Brasil Rocco Perrone, um dos
organizadores do Carnaval. "Há várias semanas todos os hotéis, pensões e
campings da região estão reservados para os dias de festa", acrescentou.
Rei Nhoque
Desde 1872 a cidade de Castel Goffredo, na
província de Mantova, elege o seu "Rei Nhoque". Com coroa, capa e um
garfo gigante o monarca dá início à folia, que prevê a distribuição gratuita do
prato típico na praça principal nos três dias de festa. Para ser eleito, além
de ser morador do município que conta com 12 mil residentes, é preciso ter
muito peso e simpatia.
Outra atração do Carnaval inclui ainda uma disputa
entre as quatro partes da cidade pelo melhor desfile de carros alegóricos. A
preparação dos blocos dura meses, a participação popular é grande e a
competição é acirrada.
Mulheres laçadas
Um dos espetáculos carnavalescos mais sugestivos da
Itália acontece no domingo de Carnaval em Mamoiada, uma cidade com 2,6 mil
habitantes no centro da Sardenha, quando os "mamuthones" desfilam
seus trajes típicos, feitos com lã de ovelhas negras e uma máscara de madeira.
A fantasia inclui ainda sinos de diferentes tamanhos, atados ao corpo por tiras
de couro, e que produzem um som inquietante durante o cortejo. A preparação do
personagem é um cerimonial solene, que requer a ajuda de várias pessoas e o
traje completo chega a pesar até 30 quilos.
Ao lado dos "mamuthones" desfilam os
"issohadores", vestidos com casacos vermelhos e máscaras brancas,
dando ritmo às danças. As canções são rigorosamente em dialeto e durante a
brincadeira jovens mulheres são laçadas por cordas, como símbolo de um rito de
fertilidade. Para serem liberadas, o público deve oferecer aos mascarados uma
taça do vinho local.
A insólita procissão remete à cultura agropecuária
e à presença de animais na vida cotidiana da população.
"Por terem origem em tempos ancestrais e serem
muito radicados na cultura tradicional, os rituais pagãos da nossa região
acabaram sendo englobados pelas festividades da Igreja Católica", afirmou
à BBC Brasil Mario Paffi, diretor do Museu de Máscaras Mediterrâneas de
Mamoiada.
Banda com
instrumentos bizarros
Os habitantes de Fano, cidade litorânea da região
de Marche, reivindicam o título de Carnaval mais antigo da Itália, graças a um
documento datado de 1347 e conservado no arquivo histórico do município. Uma
das características do evento, realizado em três domingos consecutivos, é a
tradição satírica de seus carros alegóricos, com caricaturas que ironizam
políticos, personalidades internacionais e fatos da atualidade. Outra
particularidade do Carnaval de Fano é o "getto", um jato de quase 200
toneladas de balas e doces lançados às crianças durante os desfiles.
Mas a principal marca do Carnaval da cidade é a
"Musica Arabita", uma banda criada em 1923 por um grupo de músicos
amadores que resolveu utilizar objetos bizarros em suas composições, como
tampas de panela, latas, sinos, cafeteiras, guarda-chuvas, garrafas, entre
outros, ao lado das tradicionais sanfonas e saxofones.
"A banda foi formada por um grupo de
populares, operários, porteiros e pescadores como uma alegre paródia aos
proprietários de terras e à elite burguesa que realizavam suas festas em salões
nobres, com orquestras clássicas. Em contraposição a estas celebrações, eles
preferiam marchar pelas ruas da cidade criando uma música enérgica e
divertida", disse à BBC Brasil Silvano Clappis, autor de um livro sobre o
grupo.
Procissão em chamas
Considerada uma das aldeias mais bonitas do país,
Offida, na região de Marche, atrai todos os anos centenas de moradores de
cidades vizinhas e turistas para participarem do seu Carnaval. Durante os dias
de festa, os foliões marcham pelas ruas vestidos com o "guazzarò",
traje típico composto por uma túnica branca e um lenço vermelho ao pescoço, que
até meados de 1700 era utilizado por homens e mulheres durante o trabalho nas
lavouras.
Uma das principais atrações é o "Lu Bov
Fint", que acontece na sexta-feira de Carnaval, quando um falso boi feito
com madeira e ferro e coberto por um pano branco é carregado por um prolongado
percurso pelas ruas do centro histórico até chegar à praça principal, onde a
multidão, instiga o boi com gritos e danças regadas a vinho tinto, como em uma
corrida de touros. Ao final da festa o boi é simbolicamente morto, e uma nova
procissão marcha pelas vielas com o defunto, entoando o hino oficial da festa.
Na terça-feira, é a vez do "Vlurd", uma
procissão formada por pessoas que carregam nas costas feixes de cana e palha em
chamas. Caminhando em fila, eles simulam uma serpente de fogo e entre gritos e
danças selvagens percorrem a avenida principal antes de reunirem-se na praça
maior onde depositam os "bagordi" ainda acesos, e prosseguem as
celebrações em volta da fogueira. Quando as chamas se apagam, o silêncio volta
reinar na praça, representando o fim do carnaval.
Inspiração
napoleônica
Os moradores das pequenas aldeias de Coumba Freida,
um vale dos Alpes italianos particularmente frio devido à intensidade dos
ventos que atingem a região, também têm um modo próprio de festejar o Carnaval.
"A tradição local associa o surgimento da
festa à passagem de Napoleão Bonaparte pela região, por volta de 1800. Os
trajes típicos, chamados 'landzette', fazem uma paródia aos uniformes da
campanha napoleônica. Até os chapéus mantém a mesma forma dos que o imperador
francês usava, ainda que decorados por flores", disse à BBC Brasil Andrea
Triolo, presidente da Comissão Carnavalesca de Valpelline, um município com
cerca de 600 residentes.
"Os pedaços de espelhos presentes na fantasia
servem para refletir a luz e afastar os maus presságios, assim como o rabo de
cavalo que os soldados empunham, que simbolizam a passagem do vento, capaz de
enxotar as desgraças e a má sorte", afirmou.
"A festa é muito popular em todas as onze
cidades situadas no vale. Quem não pode mais brincar o Carnaval por causa da
idade, participa da festa abrindo suas casas, oferecendo hospitalidade e pratos
típicos."
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