terça-feira, 31 de março de 2015

QUATRO RAZÕES PARA A PERDA DE PROTAGONISMO NO BRASIL NA AMÉRICA LATINA

(A profunda inapetência de Dilma pela política externa brasileira)

Gerardo Lissardy Da BBC Mundo


Tendo aumentado sua influência política e econômica global nos últimos anos – a ponto de deixar de ser apenas um gigante latino-americano para se tornar protagonista do mundo emergente ─ o Brasil enfrenta agora um cenário completamente inverso, com a perda de importância inclusive regional.
Analistas associam o novo quadro a fatores internos e externos, que ameaçam a imagem de liderança que o país sempre teve no continente.
Na sexta-feira, o IBGE informou que o PIB brasileiro (Produto Interno Bruto, ou a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país) totalizou R$ 5,52 trilhões no ano passado, alta de 0,1% em relação a 2013.
O novo cenário se reflete no declínio nas viagens presidenciais brasileiras na região, na queda nas exportações para países vizinhos, e na falta de liderança em assuntos importantes da América Latina.
"A voz do Brasil foi reduzida na região", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group, sediada em Washington.
A BBC Mundo listou quatro razões que explicam a perda de protagonismo do Brasil no cenário internacional.

As grandes empresas de construção no Brasil eram, até recentemente, a face mais visível da expansão regional do país, construindo desde metrôs a usinas hidroelétricas em nações vizinhas.
A própria presidente Dilma Rousseff já havia observado isso como o sucesso de sua política de promoção das empresas brasileiras na América Latina, gerando produção e emprego.
No entanto, atualmente, essas mesmas construtoras se encontram no centro do esquema de corrupção da Petrobras, acusadas de formar um cartel para dividir contratos e pagar propinas a políticos. Vários executivos da estatal estão presos preventivamente.


Como resultado, as empreiteiras passaram a enfrentar problemas de liquidez, falta de crédito e dívidas com vencimentos em curto prazo. Recentemente, as notas de crédito de várias delas, como OAS, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e Galvão Engenharia, foram rebaixadas.
Na última quarta-feira, a Galvão Engenharia, que também atua no Peru, entrou com um pedido de recuperação judicial, devido à deterioração de sua saúde financeira.
A nova realidade das construtoras brasileira já afeta obras na região.
No Uruguai, por exemplo, foi anulado um contrato multimilionário com a OAS para construir uma usina de processamento de gás natural. A decisão provocou a demissão de 700 trabalhadores.
Outros projetos na região também estão sob intenso escrutínio dos investigadores do "caso Petrobras", por causa da suspeita de que o esquema de corrupção que funcionava na estatal possa ter se espalhado para outros países.
Por trás desses contratos regionais das construtoras brasileiras, está o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), cujos empréstimos impulsionaram várias obras.
Agora, especialistas questionam se o banco continuará a financiar atividades de empresas em situação delicada e difícil.
Ao contrário do que acontece com o Brasil, a influência econômica da China cresce notavelmente na América Latina, da qual o gigante asiático é o terceiro maior parceiro comercial.


No ano passado, os empréstimos chineses para a região somaram US$ 22 bilhões (R$ 71,4 bilhões), um aumento de 71% em relação a 2013, de acordo com um estudo recente da China-Latin America Finance Database.
O total dos empréstimos chineses em 2014 foi maior, inclusive, do que o montante que a região recebeu do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no mesmo ano.
Em uma década, Pequim emprestou à América Latina US$ 119 bilhões (R$ 386 bilhões). Além do próprio Brasil, os principais destinatários do dinheiro foram seus principais parceiros no Mercosul, Venezuela e Argentina, de acordo com o estudo.
Os dados, bem como um recente acordo de cooperação econômica e de investimento assinado entre China e Argentina, causam preocupações no Brasil, onde alguns acreditam que falta uma estratégia clara ante o avanço de Pequim.

"A influência chinesa na região e o acordo com a Argentina, em particular, afetam os interesses econômicos do Brasil", alertaram André Soares e Fabrizio Sardelli Panzini, respectivamente, ex-coordenador de Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC) e especialista em Negociações Internacionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria), em artigo publicado no jornal Brasil Econômico.
Soares e Panzini acrescentaram que "o principal ponto é o acirramento da competição e provável perda de mercado em serviços de engenharia e também em bens importados da China utilizados nessas obras”.
Para o ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil Luiz Felipe Lampreia, o país poderia reverter sua perda de influência na região se superar seus grandes problemas atuais "e passar a ser visto novamente como um país forte e importante".
"Mas agora", disse ele à BBC Mundo, "o Brasil tem poucas cartas na manga".
Dilma está enfraquecida em seu próprio país, pelo escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras, que acaba atingindo o PT. Além disso, há problemas econômicos, crise com os aliados no Congresso e um descontentamento social crescente.


Isso fez com que as prioridades da presidente fossem deslocadas para questões internas, deixando sua projeção internacional no segundo plano.
A situação contrasta com o que aconteceu durante o governo Lula, que tinha grande popularidade na região.
Dilma cortou quase pela metade o tempo gasto a visitar outros países em comparação com o segundo mandato de Lula (2007-2010).
Menos de quatro anos atrás, o Brasil foi declarado a sexta maior economia e, na época, o governo disse que em 2015 iria suplantar o quinto lugar, a França.
Mas desde então a economia brasileira estagnou.
O Reino Unido recuperou a sexta posição. Em seguida, em 2014, o Brasil escapou por pouco da recessão e cresceu apenas 0,1%, como anunciado oficialmente sexta-feira. Em 2013, a expansão foi de 2,7%.
E este ano o Brasil poderia ser ultrapassado pela Índia como a sétima maior economia do mundo, de acordo com a consultoria britânica Economist Intelligence Unit.
Castro Neves, da Eurasia Group, lembrou que durante o governo Lula o boom das commodities e a crise nos países desenvolvidos abriram espaço para uma maior atuação do Brasil no cenário internacional, que veio a se expandir 7,5% em 2010.
"Hoje temos um cenário econômico muito menos favorável globalmente falando, e, para um país com recursos limitados como o Brasil, essa é mais uma restrição", disse o analista.
Prova disso é que o comércio do Brasil com seus vizinhos está em pleno retrocesso.
As exportações brasileiras para a América Latina e o Caribe caíram 14% no ano passado, em comparação com o anterior, e continuou afundando 21,5% nos dois primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2014, segundo dados do governo.
E compras brasileiras provenientes da América Latina e do Caribe, também caíram, embora menos (8% em 2015 e 16% durante janeiro e fevereiro deste ano).

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