(A profunda inapetência de Dilma pela política
externa brasileira)
Gerardo Lissardy Da BBC Mundo
Tendo aumentado sua influência política e econômica global nos últimos
anos – a ponto de deixar de ser apenas um gigante latino-americano para se
tornar protagonista do mundo emergente ─ o Brasil enfrenta agora um cenário
completamente inverso, com a perda de importância inclusive regional.
Analistas associam o novo quadro a fatores internos e externos, que
ameaçam a imagem de liderança que o país sempre teve no continente.
Na sexta-feira, o IBGE informou que o PIB brasileiro (Produto Interno
Bruto, ou a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país) totalizou R$
5,52 trilhões no ano passado, alta de 0,1% em relação a 2013.
O novo cenário se reflete no declínio nas viagens presidenciais
brasileiras na região, na queda nas exportações para países vizinhos, e na
falta de liderança em assuntos importantes da América Latina.
"A voz do Brasil foi
reduzida na região", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC,
João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina da consultoria
Eurasia Group, sediada em Washington.
A BBC Mundo listou quatro razões que explicam a perda de protagonismo do
Brasil no cenário internacional.
As grandes empresas de construção no Brasil eram, até recentemente, a
face mais visível da expansão regional do país, construindo desde metrôs a
usinas hidroelétricas em nações vizinhas.
A própria presidente Dilma Rousseff já havia observado isso como o
sucesso de sua política de promoção das empresas brasileiras na América Latina,
gerando produção e emprego.
No entanto, atualmente, essas mesmas construtoras se encontram no centro
do esquema de corrupção da Petrobras, acusadas de formar um cartel para dividir
contratos e pagar propinas a políticos. Vários executivos da estatal estão
presos preventivamente.
Como resultado, as empreiteiras passaram a enfrentar problemas de
liquidez, falta de crédito e dívidas com vencimentos em curto prazo.
Recentemente, as notas de crédito de várias delas, como OAS, Queiroz Galvão,
Mendes Júnior e Galvão Engenharia, foram rebaixadas.
Na última quarta-feira, a Galvão Engenharia, que também atua no Peru,
entrou com um pedido de recuperação judicial, devido à deterioração de sua
saúde financeira.
A nova realidade das construtoras brasileira já afeta obras na região.
No Uruguai, por exemplo, foi anulado um contrato multimilionário com a
OAS para construir uma usina de processamento de gás natural. A decisão
provocou a demissão de 700 trabalhadores.
Outros projetos na região também estão sob intenso escrutínio dos
investigadores do "caso Petrobras", por causa da suspeita de que o
esquema de corrupção que funcionava na estatal possa ter se espalhado para
outros países.
Por trás desses contratos regionais das construtoras brasileiras, está o
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), cujos empréstimos
impulsionaram várias obras.
Agora, especialistas questionam se o banco continuará a financiar
atividades de empresas em situação delicada e difícil.
Ao contrário do que acontece com o Brasil, a influência econômica da China
cresce notavelmente na América Latina, da qual o gigante asiático é o terceiro
maior parceiro comercial.
No ano passado, os empréstimos chineses para a região somaram US$ 22
bilhões (R$ 71,4 bilhões), um aumento de 71% em relação a 2013, de acordo com
um estudo recente da China-Latin America Finance Database.
O total dos empréstimos chineses em 2014 foi maior, inclusive, do que o
montante que a região recebeu do Banco Mundial e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) no mesmo ano.
Em uma década, Pequim emprestou à América Latina US$ 119 bilhões (R$ 386
bilhões). Além do próprio Brasil, os principais destinatários do dinheiro foram
seus principais parceiros no Mercosul, Venezuela e Argentina, de acordo com o
estudo.
Os dados, bem como um recente acordo de cooperação econômica e de
investimento assinado entre China e Argentina, causam preocupações no Brasil,
onde alguns acreditam que falta uma estratégia clara ante o avanço de Pequim.
"A influência chinesa na região e o acordo com
a Argentina, em particular, afetam os interesses econômicos do Brasil",
alertaram André Soares e Fabrizio Sardelli Panzini, respectivamente,
ex-coordenador de Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC) e
especialista em Negociações Internacionais da CNI (Confederação Nacional da
Indústria), em artigo publicado no jornal Brasil Econômico.
Soares e Panzini acrescentaram que "o principal ponto é o
acirramento da competição e provável perda de mercado em serviços de engenharia
e também em bens importados da China utilizados nessas obras”.
Para o ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil Luiz Felipe
Lampreia, o país poderia reverter sua perda de influência na região se superar
seus grandes problemas atuais "e passar a ser visto novamente como um país
forte e importante".
"Mas agora", disse ele à BBC Mundo, "o Brasil tem poucas
cartas na manga".
Dilma está enfraquecida em seu próprio país, pelo escândalo de corrupção
envolvendo a Petrobras, que acaba atingindo o PT. Além disso, há problemas
econômicos, crise com os aliados no Congresso e um descontentamento social
crescente.
Isso fez com que as prioridades da presidente fossem deslocadas para
questões internas, deixando sua projeção internacional no segundo plano.
A situação contrasta com o que aconteceu durante o governo Lula, que
tinha grande popularidade na região.
Dilma cortou quase pela metade o tempo gasto a visitar outros países em
comparação com o segundo mandato de Lula (2007-2010).
Menos de quatro anos atrás, o Brasil foi declarado a sexta maior
economia e, na época, o governo disse que em 2015 iria suplantar o quinto
lugar, a França.
Mas desde então a
economia brasileira estagnou.
O Reino Unido recuperou a sexta posição. Em seguida, em 2014, o Brasil
escapou por pouco da recessão e cresceu apenas 0,1%, como anunciado
oficialmente sexta-feira. Em 2013, a expansão foi de 2,7%.
E este ano o Brasil poderia ser ultrapassado pela Índia como a sétima
maior economia do mundo, de acordo com a consultoria britânica Economist
Intelligence Unit.
Castro Neves, da Eurasia Group, lembrou que durante o governo Lula o
boom das commodities e a crise nos países desenvolvidos abriram espaço para uma
maior atuação do Brasil no cenário internacional, que veio a se expandir 7,5%
em 2010.
"Hoje temos um cenário econômico muito menos favorável globalmente
falando, e, para um país com recursos limitados como o Brasil, essa é mais uma
restrição", disse o analista.
Prova disso é que o comércio do Brasil com seus vizinhos está em pleno
retrocesso.
As exportações brasileiras para a América Latina e o Caribe caíram 14%
no ano passado, em comparação com o anterior, e continuou afundando 21,5% nos
dois primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2014, segundo
dados do governo.
E compras brasileiras provenientes da América Latina e do Caribe, também
caíram, embora menos (8% em 2015 e 16% durante janeiro e fevereiro deste ano).
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