segunda-feira, 13 de abril de 2015

ANCIANIDADE

Crônica

Por Luiz Carlos Facó


Sigo o caminho natural da vida. Envelheço. Sob meus protestos, mas envelheço. Quase percebo a morte deitar sobre mim o cutelo fatal. E à minha mente vem à lembrança dos magistrais versos do grande poeta, ensaísta, crítico literário e prosador brasileiro, Mário Cabral:
“Pesa-me a vida como a vida pesa
À pátina do tempo, esmaecida...

E velho, sim, de vago olhar cansado,
Subo a rampa do meu caminho
Com pés dormentes como coisas mortas...”

Não obstante tal constatação, passo ao largo do desespero. Encaro essa fatalidade biológica com naturalidade, sem apelar aos recursos da cosmética para apresentar-me mais moço. Não pinto os ralos cabelos que ainda possuo, não estico a pele para livrar-me das marcas impiedosas do tempo, tampouco uso badulaques da moda para aparentar jovialidade. Como posso lutar contra a intangibilidade da força temporal que me envelhece em estratégico silêncio?
Apesar dessa tranquilidade, olho-me no espelho e sinto saudades, só saudades, nada mais que saudades da minha bela estampa de quando jovem. Na cama, entre ais e uis, entre uma dor e outra nas articulações, na coluna e nos pés, um acesso de tosse provocado pelo abuso do cigarro, inseparável companheiro de décadas, penso e estabeleço comparações. Quando moço eu era lépido, forte, audaz, tomava o bonde ‘pongando’ com agilidade felina. Hoje, envelhecido, lerdo, fraco, gordo e alquebrado, entro no ônibus enfrentando dificuldades; sou um corpo arrastado por duas pernas vacilantes. Nem por isso abstenho-me de fazê-lo. Contudo, no que concerne à minha mente e no que diz ao meu espírito, vejo que o tempo se encarregou de fortalecê-los. Ei-los mais experientes. 

Sobejamente criativos. Ambos acumulados de sabedoria, de ponderação. Com a acuidade que a juventude lhes negava. Sem os arroubos irresponsáveis que a mocidade insiste em praticar. Por tudo isso me considero, atualmente, no auge da minha pujança intelectual e criativa.

Nessa divagação sem propósito e destino, passo às mãos pela cabeça e me dou conta que os meus cabelos se foram. Voaram como os dias da minha vida. A propósito, não veja, amigo, nessa minha constatação qualquer tipo de lamuria ou desgosto. Os cabelos jamais me fizeram falta. Os dias idos, tampouco. Só lamento os perdidos pela minha incompetência, pela preguiça em produzir, pelo descaso, raríssimas vezes, pelos semelhantes, por não ter tido mais fé na humanidade, apesar de tudo. Dos vividos intensamente – mesmo não tendo a oportunidade de praticar tantas ações meritórias quanto devesse, dignas de um homem de bem – não me arrependo. Considero-os, exceções, frutos da tibieza humana que, de alguma forma, procurei remediar.


Sem traições pensadas ou consumadas, sem invejar quem quer que seja, sem ter desejado a mulher do próximo, sem ter feito o uso da arrogância para diminuir alguém, aquieto-me e volto o pensamento para algumas das posições que assumi, até então consideradas dogmas da minha vida. Revejo-as, dando-me conta do quão teimoso fui. Ainda bem quem em tempo pude concordar com William Blake: “O homem que nunca muda de opinião é como água estagnada: alimenta os répteis do espírito”, e corrigir-me.

E nessa revisita as ideias e posições, constato que prevariquei. Defendi absurdos. Divulguei falácias - informações errôneas. Tantas, que não ouso enumerá-las. Agora, no entanto, a razão me chega como me chegaram os cabelos brancos. E em virtude desse encontro me atrevo confessá-los, com a humildade dos sábios, para, de alguma maneira, redimir-me.

Não pensem amigos, ser este texto um documento amargo, um testemunho, uma confissão, uma despedida, ou mesmo um testamento. Nada disso. Embora saiba, como disse Pitágoras, que “A vida é como uma sala de espetáculos: entra-se, vê-se e sai-se”, eu quero permanecer nesse recinto ainda por muito tempo: aplaudindo e sendo aplaudido. Porque descobri que a velhice não é um estorvo, nem motivo impeditivo para se pensar. E o homem vive dos seus pensamentos. Sejam eles bons ou ruins. E nada mais belo, cativante, instigante do que pensar. Ao contrário do que minhas palavras possam fazer crer, eu tentei aqui enaltecer a vida. Dar dignidade à ancianidade, porque ela nos confere sabedoria, respeito, experiência, malgrado os desconfortos que ela também acarreta: gripes, achaques, dores ósseas. Migalhas que tiramos de letra se soubermos entendê-las e apascentá-las. E o maior entendimento está em nos conscientizarmos de que não podemos, sempre, só ganhar. Que, para ganharmos, precisamos dar algo em troca. Nem que sejam nossa beleza e força física, nossa fisionomia atraente, de pele esticada e aveludada, nossos saltos atléticos, o abdome ‘sarado’ que atrai as mulheres. Se bem que para atraí-las, teremos de usar nova estratégia, utilizar as ferramentas que nos restam, eficazes e poderosas: a inteligência, o bom humor, a sabedoria, a paciência – que elas, as mulheres, devem ter em dobro para nos suportar –, a cultura, o refinamento.

Estou vivo, vivíssimo. Apto a carregar, sem maiores esforços, minha ancianidade. Enfim, repito, estou vivo, nada melhor! Isso me basta.

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