Crônica
Por Luiz
Carlos Facó
Sigo o
caminho natural da vida. Envelheço. Sob meus protestos, mas envelheço. Quase
percebo a morte deitar sobre mim o cutelo fatal. E à minha mente vem à
lembrança dos magistrais versos do grande poeta, ensaísta, crítico literário e
prosador brasileiro, Mário Cabral:
“Pesa-me a vida como a
vida pesa
À pátina do tempo,
esmaecida...
E velho, sim, de vago
olhar cansado,
Subo a rampa do meu
caminho
Com pés dormentes como
coisas mortas...”
Não obstante
tal constatação, passo ao largo do desespero. Encaro essa fatalidade biológica
com naturalidade, sem apelar aos recursos da cosmética para apresentar-me mais
moço. Não pinto os ralos cabelos que ainda possuo, não estico a pele para
livrar-me das marcas impiedosas do tempo, tampouco uso badulaques da moda para
aparentar jovialidade. Como posso lutar contra a intangibilidade da força
temporal que me envelhece em estratégico silêncio?
Apesar dessa
tranquilidade, olho-me no espelho e sinto saudades, só saudades, nada mais que
saudades da minha bela estampa de quando jovem. Na cama, entre ais e uis, entre
uma dor e outra nas articulações, na coluna e nos pés, um acesso de tosse
provocado pelo abuso do cigarro, inseparável companheiro de décadas, penso e
estabeleço comparações. Quando moço eu era lépido, forte, audaz, tomava o bonde
‘pongando’ com agilidade felina. Hoje, envelhecido, lerdo, fraco, gordo e
alquebrado, entro no ônibus enfrentando dificuldades; sou um corpo arrastado
por duas pernas vacilantes. Nem por isso abstenho-me de fazê-lo. Contudo, no
que concerne à minha mente e no que diz ao meu espírito, vejo que o tempo se
encarregou de fortalecê-los. Ei-los mais experientes.
Sobejamente criativos.
Ambos acumulados de sabedoria, de ponderação. Com a acuidade que a juventude
lhes negava. Sem os arroubos irresponsáveis que a mocidade insiste em praticar.
Por tudo isso me considero, atualmente, no auge da minha pujança intelectual e
criativa.
Nessa
divagação sem propósito e destino, passo às mãos pela cabeça e me dou conta que
os meus cabelos se foram. Voaram como os dias da minha vida. A propósito, não
veja, amigo, nessa minha constatação qualquer tipo de lamuria ou desgosto. Os
cabelos jamais me fizeram falta. Os dias idos, tampouco. Só lamento os perdidos
pela minha incompetência, pela preguiça em produzir, pelo descaso, raríssimas
vezes, pelos semelhantes, por não ter tido mais fé na humanidade, apesar de
tudo. Dos vividos intensamente – mesmo não tendo a oportunidade de praticar
tantas ações meritórias quanto devesse, dignas de um homem de bem – não me
arrependo. Considero-os, exceções, frutos da tibieza humana que, de alguma
forma, procurei remediar.
Sem traições
pensadas ou consumadas, sem invejar quem quer que seja, sem ter desejado a
mulher do próximo, sem ter feito o uso da arrogância para diminuir alguém,
aquieto-me e volto o pensamento para algumas das posições que assumi, até então
consideradas dogmas da minha vida. Revejo-as, dando-me conta do quão teimoso
fui. Ainda bem quem em tempo pude concordar com William Blake: “O homem que
nunca muda de opinião é como água estagnada: alimenta os répteis do espírito”,
e corrigir-me.
E nessa
revisita as ideias e posições, constato que prevariquei. Defendi absurdos. Divulguei
falácias - informações errôneas. Tantas, que não ouso enumerá-las. Agora, no
entanto, a razão me chega como me chegaram os cabelos brancos. E em virtude desse
encontro me atrevo confessá-los, com a humildade dos sábios, para, de alguma
maneira, redimir-me.
Não pensem
amigos, ser este texto um documento amargo, um testemunho, uma confissão, uma
despedida, ou mesmo um testamento. Nada disso. Embora saiba, como disse
Pitágoras, que “A vida é como uma sala de espetáculos: entra-se, vê-se e
sai-se”, eu quero permanecer nesse recinto ainda por muito tempo: aplaudindo e
sendo aplaudido. Porque descobri que a velhice não é um estorvo, nem motivo impeditivo
para se pensar. E o homem vive dos seus pensamentos. Sejam eles bons ou ruins.
E nada mais belo, cativante, instigante do que pensar. Ao contrário do que
minhas palavras possam fazer crer, eu tentei aqui enaltecer a vida. Dar
dignidade à ancianidade, porque ela nos confere sabedoria, respeito,
experiência, malgrado os desconfortos que ela também acarreta: gripes,
achaques, dores ósseas. Migalhas que tiramos de letra se soubermos entendê-las
e apascentá-las. E o maior entendimento está em nos conscientizarmos de que não
podemos, sempre, só ganhar. Que, para ganharmos, precisamos dar algo em troca.
Nem que sejam nossa beleza e força física, nossa fisionomia atraente, de pele
esticada e aveludada, nossos saltos atléticos, o abdome ‘sarado’ que atrai as
mulheres. Se bem que para atraí-las, teremos de usar nova estratégia, utilizar
as ferramentas que nos restam, eficazes e poderosas: a inteligência, o bom
humor, a sabedoria, a paciência – que elas, as mulheres, devem ter em dobro
para nos suportar –, a cultura, o refinamento.
Estou vivo,
vivíssimo. Apto a carregar, sem maiores esforços, minha ancianidade. Enfim,
repito, estou vivo, nada melhor! Isso me basta.
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