Colaboração
de Fernando Alcoforado*
A
sociedade vive, mais do que nunca, sob os auspícios e domínios da ciência e da tecnologia.
A propaganda que se faz da ciência e da tecnologia é tão intensa que uma parcela significativa
das pessoas acredita que elas só trazem apenas benefícios para a sociedade.
Para o homem, a tecnologia torna a vida mais fácil, mais limpa e mais longa. O
homem cultiva uma relação de dependência crescente em relação à ciência e à
tecnologia na era contemporânea.
É um
comportamento habitual de grande parte da sociedade considerar a ciência e a tecnologia
como libertadoras da humanidade dos fardos do trabalho e das ameaças representadas
pelas forças da natureza. Somando a tudo isso, existe a visão generalizada
de que o progresso científico-tecnológico traz não apenas o avanço do conhecimento,
mas também como uma melhoria real, inexorável e efetiva em todos os aspectos da
vida humana.
No século
XX, acreditava-se que os únicos meios confiáveis para o melhoramento da condição
humana provinham das novas máquinas, substâncias químicas e as mais diversas
técnicas. Inclusive os recorrentes males sociais e do meio ambiente que acompanham
os avanços tecnológicos raras vezes têm afetado esta fé. Hoje, existe a clara
percepção de que a ciência e a tecnologia têm proporcionado progresso para a humanidade,
mas que, junto com isto, possuem a capacidade de também destruí-la. A ciência
não é vista apenas como libertadora, mas sim, em determinadas situações, como
desumanizadora e escravizadora da vida humana. O crescimento descontrolado
da
tecnologia tem contribuído para destruir as fontes vitais de nossa humanidade
ao criar uma
cultura sem uma base moral. A tecnologia tem conformado nossas vidas porque
estamos à mercê de sistemas interconectados e, o que é grave, porque estamos submissos
à sua autoridade, moldando-nos ao seu funcionamento. A onipresença da tecnologia
no mundo atual, aliada à sua maior complexidade, dá lugar a uma situação bastante
problemática.
Na
realidade, a ciência e a tecnologia não estão apenas conformando as nossas
vidas para
melhor, mas também, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas. Percebemos
a própria realidade através de máquinas e artefatos, e também tanto o mundo
externo como o que diz respeito a nossos corpos e mentes. Concebemo-nos a nós mesmos
como complexas máquinas físico-químicas com um cérebro que, segundo investigações
realizadas nas últimas décadas, tem resultado análogo a um potente e
complicado
computador.
Parece que
a partir da Revolução Industrial a própria construção coletiva da vida social está sendo
conformada como se ela fosse uma máquina. Há muitos anos, a ciência e a tecnologia
vêm ditando os rumos do comportamento social, tanto no plano industrial quanto no
das pessoas individualmente. O ser humano sempre investiu sua inteligência para
adquirir, fabricar e utilizar ferramentas que prolongassem e multiplicassem seu
conforto material. A ideia de que o desenvolvimento humano é função linear do progresso
técnico vem sendo sustentada há muito tempo.
A tese de
que a ciência e a tecnologia seriam os fatores primordiais responsáveis pelo progresso
humano foi colocada em xeque pelas explosões das bombas atômicas na Segunda
Guerra Mundial, em Nagasaki e Hiroshima. Passou-se a haver uma discussão não apenas
sobre o lado positivo proporcionado pela ciência e pela tecnologia. Um clima de
crise e dúvida em relação a elas veio à tona. Junto com as benesses da ciência e da
tecnologia, vinha o napalm, os desfolhantes, a radioatividade, a bomba atômica.
A ciência e
a tecnologia passaram a ser encaradas também como antivida e, em determinadas
situações, como fora de controle humano.
Segundo
Walter Antonio Bazzo, engenheiro mecânico, mestre em engenharia e doutor na área de
Educação, professor do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade
Federal de Santa Catarina, existem diferenças entre ciência, técnica e tecnologia
(Ver o artigo Ciência, Tecnologia e Sociedade- o contexto da educação tecnológica
publicado no website
<http://www.oei.es/salactsi/bazzo03.htm>). A ciência é definida como uma
acumulação de conhecimentos sistemáticos visando a compreensão
do mundo em que o homem vive, isto é, o conhecimento da realidade. A ciência
usa um método objetivo, lógico e sistemático de análise dos fenômenos
para permitir a
acumulação de conhecimento fidedigno. Seu método de operação é o método científico.
A técnica,
por sua vez, diz respeito às transformações consecutivas dos diferentes artefatos
utilizados pelo homem com o sentido estrito de ferramenta. A técnica é tida como uma
entidade sujeita à sua própria dinâmica interna de desenvolvimento alheia a qualquer
tipo de intervenção social. A esfera de ação da técnica é mais reduzida e se posiciona
em um nível de menor complexidade em relação à tecnologia. Tecnologia é o conhecimento
humano que trata da criação e uso de meios técnicos e suas inter-relações com a
vida, sociedade e seu entorno, recorrendo a recursos tais como as artes
industriais,
engenharia, ciência aplicada e ciência pura.
A
tecnologia simboliza, segundo Walter Antonio Bazzo, uma grande complexidade e qualquer
intento por defini-la deveria considerar que: a
tecnologia tem relação com a ciência, com a técnica e com a sociedade; a tecnologia
integra elememtos materiais — ferramentas, máquinas, equipamentos
— e não materiais — saber fazer, conhecimentos, informações, organização,
comunicação e relações interpessoais; a tecnologia tem relações com fatores econômicos,
políticos e culturais; a
evolução da tecnologia é inseparável das estruturas sociais e econômicas de uma
determinada sociedade.
Fica claro
que nesta definição não se pode assumir a imagem de uma tecnologia neutra e
objetiva como fundamento e legitimação do desenvolvimento tecnológico. A partir
da Revolução Industrial no século XVIII, não apenas a tecnologia, mas também a ciência
tem sido utilizada pelo capitalismo para o bem e para o mal como uma das forças a
serviço de sua expansão. Nem a ciência e muito menos a tecnologia são empreendimentos
autônomos com vida própria, nem tampouco são instrumentos
neutros a
serviço da humanidade.
Em sua
obra A Dialética do Esclarecimento (Zahar Editora, 1985), Theodor Adorno
e Max
Horkheimer, filósofos vinculados à Escola de Frankfurt, afirmam que a
supremacia da ciência
e da tecnologia preparou o caminho para o desvario político em benefício do capitalismo
de mercado. O avanço científico e tecnológico, na medida em que criou a possibilidade
técnica de eliminar a miséria, trouxe, também, seu crescimento. Sendo global e
onipresente, o capitalismo de mercado dispõe da técnica necessária, fornecida pela
ciência e pela tecnologia, para fazer dos homens engrenagens de seu motor, anulando-os,
através do princípio econômico da concorrência total. Coligadas, distantes dos
indivíduos, economia capitalista, ciência e tecnologia, fundidas agora como se fossem
uma instância única, consolidam sua supremacia sobre a sociedade contemporânea,
determinando seus rumos com a mesma desfaçatez e impessoalidade de uma mão
invisível, segundo Adorno e Horkheimer.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel,
São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na
EraContemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr.
Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken,
Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e
Editora, Salvador,
2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao
aquecimento global (Viena-
Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores
Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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