Além de sabedoria ancestral, no tabuleiro da baiana tem montes de
bolinho de feijão fradinho frito no dendê e recheado com vatapá, camarão seco,
pimenta malagueta e saladinha de tomate, cebola e coentro. O acarajé foi inscrito em 2005 no Livro dos Saberes do IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como Patrimônio
Imaterial Brasileiro – mais um! E não é somente a receita que é tombada. O ofício das baianas do acarajé, que
preparam e vendem o quitute em tabuleiros pelas ruas, também está cravado na
história.
Faz todo o sentido. A personagem soteropolitana
representa tanto a formação culinária da Bahia(a venda de quitutes em tabuleiro vem dos tempos coloniais) quanto o
forte sincretismo do Estado, que navega harmoniosamente entre sagrado e o
profano. Elas têm figurino próprio e tradicional, que identifica o candomblé a que
pertencem. São roupas brancas compostas basicamente por saias engomadas (axó),
bata enfeitada de renda, ojá (turbante), contas de seus orixás e panos usados
sobre os ombros.
Na começo de tudo, ser “baiana de acarajé” em Salvador era privilégio
das filhas de Iansã, deusa africana dos ventos e tempestades. Hoje, milhares de
vendedoras preparam o quitute mais famoso do Estado, avermelhado por fora e de
interior branquinho. A graça reside não só em comer o bolinho nas barracas, mas
em vê-los serem fritos ali na hora.
A
receita é a própria representação do multiculturalismo da Bahia. O feijão fradinho (ou de corda), por exemplo, do qual se faz a massa,
é uma das leguminosas mais importantes da cultura das regiões Norte e Nordeste.
Possui grãos médios, cor branca acinzentada, com um “olho” que apresenta uma
manchinha negra e facilita sua identificação. Seu sabor é delicado e faz
lembrar amêndoas.
Foto:
Getty Images Ampliar
Baiana
fritando o acarajé no azeite de dendê é cena comum nas ruas de Salvador
Muito importante no recheio do
acarajé, o vatapá mistura ingredientes brasileiros, asiáticos e mediterrâneos. Leva farinha de mandioca ou de pão, cebola, alho, coentro, camarão
seco, gengibre, leite de coco, castanha de caju e amendoim moídos. O bolinho é
frito em azeite de dendê -- óleo extraído do fruto do dendezeiro, tão
importante na cozinha afro-baiana, originário da Costa Ocidental da África
(Golfo da Guiné), e muito usado na culinária de Angola.
Os acarajés mais disputados de
Salvador são os da Dinha, no bairro do Rio Vermelho, o da Regina, na Graça, e o
da Cira, em Itapuã. Toda vez que vou para lá sou
contagiada pelo alto astral do povo baiano, e por sua rica cultura. Adoro as
festas religiosas, as rodas de capoeira, a beleza arquitetônica e até o axé.
Mas, como gastronomia é a minha paixão, guio-me
pelas ruas pelo aroma do dendê, que perfuma toda a cidade e me leva às
barraquinhas de quitutes. Sempre ao som dos pregões típicos, que também dão
a direção: “i abará, ô abará, acarajé, acarajé”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário