Publicado em recortes por Leonardo von Mühlen
em obviusmagazine
Leonardo von Mühlen
O que se pode entender por "cultura inútil", expressão tão
largamente usada por toda sorte de pessoas ao referirem-se a informações
aparentemente sem valor? Existe, então, uma "cultura útil"? E a
figura do "conhecimento" pode participar desta brincadeira? Cultura x
Conhecimento: um dos grandes embates do pensamento humano.
Recorrentemente,
deparo-me com o termo “Cultura Inútil” nos mais diversos círculos que
frequento. Proferem-no cabeças pensantes e não pensantes; mentes conservadoras
e progressistas; indivíduos cultos e eruditos, personagens néscios e
ignorantes. Enquanto eu os escuto discorrer sobre a inutilidade de tais e tais
“culturas”, fico a me questionar:
Cultura tem
mesmo de ser útil?
Qual seria
a utilidade da cultura?
Teria a
cultura um objetivo a ser alcançado, uma meta a ser atingida?
Nesse meu
solitário devaneio, que ora me atrevo compartilhar, receio desconfiar que
cultura e utilidade não guardam relação lá muito amigável entre si. Penso, até,
em arriscar dizer que cultura, se for útil, sequer é cultura, mas minha pouca
ousadia, de momento, não me autoriza tal decreto. Sigamos, então, na linha de
que cultura, para ser cultura, dispensa o caráter de utilidade.
Ora,
cultura não precisa ser uma ferramenta ou um instrumento, tampouco produzir
resultados materiais, pois, para tanto, temos a figura do conhecimento, cujo
objetivo é, aí sim, produzir algo, criar, modificar, promover evolução e
aperfeiçoamento, gerar resultados corpóreos e visíveis – tais incumbências
pertencem-lhe exclusivamente. Este sim, o conhecimento, pode ser qualificado
como útil ou inútil; a cultura, jamais. Ela estará sempre léguas acima destas
frivolidades.
A cultura,
na acepção aqui proposta, sinto-a muito mais próxima da sabedoria do que do
conhecimento. Numa ótica mais lírica, percebo a cultura como um valor interno,
íntimo, algo como recitar um soneto para si mesmo, em suaves murmúrios; já o
conhecimento, percebo-o como um livro de cabeceira do qual se lança mão em
noites insones. É complexo de se entender – nem sei se, mesmo eu, entendo –,
mas sinto essas duas grandezas abstratas assim, quase antagônicas, porém
complementares.
A cultura
me completa, alimenta-me a alma, transforma-me e, permitam-me um clichê,
torna-me mais feliz. Então, novamente pergunto: qual a utilidade de tudo isso?
O que pode haver de útil, de proveitoso, de lucrativo em ser feliz, em
sentir-se completo e de alma transformada? Absolutamente nada! A cultura, sob
as mais variadas formas – literatura, música, teatro... – não produz nada de
concreto, é formidavelmente inútil. É algo belo – por vezes, nem tanto – com o
que nos comprazemos, deleitamo-nos; é algo que diz precisamente quem somos,
porque e como; aponta caminhos e também os constrói; oxigena existências. O
conhecimento, por sua vez, apenas facilita.
Em tempo,
lembrei-me de outra questão relevante: a cultura nunca será útil ou inútil,
contudo, pode-se, eventualmente, qualificá-la de fútil, não por antonímia à
utilidade, mas por ter valor cultural questionável, pueril, superficial.
Observem que a erroneamente difundida “cultura útil” (quando se fala em
“cultura inútil”, pressupomos a existência de uma “cultura útil”, o que produz
essa falsa dicotomia) é tão inerentemente contraditória quanto o “conhecimento
inútil”. A cultura é um ente de natureza maravilhosamente inútil, enquanto o
conhecimento traz a utilidade, a proficuidade, na sua essência. O conhecimento
confere poder; a cultura faz transcender.
Tomei
coragem: cultura se for útil, não é cultura; conhecimento se for inútil, não é
conhecimento. Decreto: toda cultura é inútil, todo conhecimento é útil sob pena
de, em não assim os sendo, não existirem como tais.
Fica o dito
pelo não dito. Encontro-me, a partir de já, receptivo às pedras.
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