sábado, 11 de abril de 2015

O ADMIRÁVEL MILAGRE DE INHOTIM – (MINAS GERAIS, BRASIL)

A lúcida obra de um Mecenas

Um empresário de mineração, Bernardo da Paz, levanta um dos maiores museus ao ar livre do mundo

 ANTONIO JIMÉNEZ BARCABrumadinho - (Minas Gerais), 9 ABR 2015 - BRT

Vista aérea do museu Inhotim. / ROSSANA MAGRI

Inhotim é várias coisas. É um dos maiores museus de arte contemporânea ao ar livre do mundo, com mais de 80 esculturas espalhadas ao longo de 140 hectares, entre montanhas verde-esmeralda em um lugar do Estado de Minais Gerais, no Sudeste do Brasil, a 70 quilômetros da capital, Belo Horizonte; é também um enorme jardim botânico, com viveiros, exemplares únicos e uma coleção de 800 tipos de palmeiras diferentes. Mas é principalmente o sonho fantástico tornado realidade de um homem singular: Bernardo Paz, de 64 anos, que não passou do ensino secundário mas se tornou milionário exportando ferro e aço. Aos 45 anos, quando já possuía uma boa coleção de arte contemporânea e estava farto de dar voltas ao mundo com uma maleta de negociante, decidiu transformar sua casa de campo num jardim tropical de conto de fadas para viver rodeado para sempre por uma enorme quantidade de beleza natural e artística.



Em 2006, abriu as portas de seu éden ao público, cobrando 40 reais a entrada, acreditando que tudo aquilo algum dia se tornaria sustentável. Ainda não é. Então o antigo empresário que fugia do estresse voltou a se preocupar (e a pensar que uma vida não lhe bastará) tentando tornar rentável algo parecido com o paraíso. Contudo, Inhotim tornou-se o surpreendente catalisador econômico de uma região voltada à mineração que hoje está com a cotação em baixa.  A imensa maioria do exército de 1.000 pessoas que trabalha lá, entre jardineiros, empregados de manutenção, operários, garçons, guias e vigilantes vem da pequena cidade próxima de Brumadinho, de 35.000 habitantes, onde Bernardo Paz é conhecido por todos simplesmente como senhor Bernardo.

Uma árvore de 90 anos, na entrada de Inhotim. / ROSSANA MAGRI


 O visitante chega, percorre um caminho de paralelepípedos entre bambuzais – que funcionam como muros de um fortim verde–, cruza uma pequena ponte sobre um riacho e encontra uma enorme clareira em que se vê ao fundo um lago azul rodeado de uma pradaria limpíssima e uma majestosa árvore do tamanho de uma casa de cinco andares, com 90 anos de idade, chamada tamboril, cujos ramos se estendem pelo espaço em forma de mãos abertas. Mais à frente há caminhos empedrados que levam o visitante a rincões longínquos do parque-museu em busca de alguma das obras de artistas como os norte-americanos Matthew Barney, Chirs Burden ou a colombiana Doris Salcedo, entre muitos outros. Numa colina há uma piscina em forma de agenda telefônica gigante, obra do argentino Jorge Macchi. As escadas são as letras ordenadas alfabeticamente. É linda. Mas não está lá só para ser contemplada, mas para mergulhar. Ali perto há um lugar para se trocar e onde encontrar roupa de banho. Tudo nesse parque (ou museu, ou jardim, ou bosque ou o que seja) convida a mergulhar nele, ao puro desfrute. Há salas de exposições rodeadas de redes para que o visitante se deite e contemple as obras desde as vidraças de fora. Os números são o que são (22 galerias inteiras, como minimuseus espalhados, 300.000 visitantes ao ano), mas não explicam o que sente o visitante quando, cansado de andar, ele se esparrama num banco e passa o resto da tarde olhando como o sol doura uma deliciosa escultura de bronze enquanto uma borboleta azul-elétrico do tamanho de um Ipad mini voa nervosamente ao redor.


Bernardo Paz é a alma disto tudo, o inspirador e o motor econômico. É alto, tem cabelos longos e brancos de antigo hippie. Fuma compulsivamente e brinca sem parar com os canudos de plástico que retira das embalagens tetra-brick de água de coco que tem diante da mesa. Casou-se seis vezes. Tem sete filhos. Segundo a revista Forbes, acumula um patrimônio de mais de 2,85 bilhões de reais. E boa parte dele se vai nos mais de 48,5 milhões de reais do orçamento de seu sonho chamado Inhotim. “É ideia minha, mas sempre pensei nisto como algo público, o único objetivo disto é que fosse público. Por essa razão, minha obsessão é que seja rentável, para que sobreviva sempre”, diz. Também destaca que Inhotim é uma grande obra social e menciona os projetos educacionais dos empregados que acabam, graças à sua ajuda, indo à universidade; ou os grupos de crianças de escolas públicas que visitam constantemente o museu ao ar livre; ou a sua política de entradas gratuitas aos que menos têm; ou seus projetos de botânica ou de recuperação da cultura local de aldeias próximas, povoadas por descendentes de escravos. “Este lugar reúne duas coisas necessárias para a vida: a emoção e a sensibilidade” sentencia. Há anos, o Ministério Público o acusou de lavar dinheiro. Mas nada foi provado. Em 2014, recebeu um prestigioso prêmio cultural concedido pelo Governo brasileiro. Ainda é sócio de mineradoras, mas explica que com a queda do preço do minério de ferro por parte da China, seu império é afetado. Ainda assim, tem mais projetos em princípio surreais, mas conhecendo a trajetória do personagem talvez cheguem a ser realidade: construir hotéis de todas as categorias que atraiam mais visitantes; construir um auditório e, como se fosse pouco, levantar, ao redor do parque, uma dúzia de cidades de 10.000


pessoas que viverão –segundo ele e sua filosofia um tanto anos sessenta–- em harmonia com a natureza e consigo mesmos, trabalhando à distância sem necessidade de se deslocar. “O segredo é voltar para a casa do nosso tataravô com a tecnologia dos nossos netos”, explica. Para terminar, rodeado por uma cordilheira de sua propriedade, afirma: “O importante é ser e não ter”.

Bernardo Paz, proprietário de Inhotim. /ROSSANA MAGRI.

Depois convida o interlocutor a continuar a se cansar pelas trilhas do bosque-museu e a perguntar aos guias jovens que lhe expliquem tudo sobre a galeria da qual são encarregados. Por um destes caminhos que ziguezagueia entre um preservado bosque original brasileiro se chega à outra colina, esta coroada por uma construção circular envidraçada. Parece um templo ou a parte superior de um abstrato farol gigantesco. Dentro, há um chão de madeira e um buraco circular que desce a mais 200 metros sob a terra. Nada mais. Aparentemente. O artista norte-americano Doug Aitken instalou



microfones ultrassensíveis ao longo do buraco de modo que o visitante escuta ali mesmo o ruído que fazem as placas tectônicas da Terra ao se friccionar. Soam como uma furadeira distante, como um ronrom metálico afogado. A instalação se chama


Sonic Pavillon. O guia de turno explica que ali, um pouco aturdidos ao escutar os ruídos digestivos do planeta e com a vista perdida nas distantes montanhas verdes, os visitantes se sentam para descansar em silêncio das andanças do turista. Alguns, acrescenta, se põem a rezar.


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