Política
Luís Guilherme Barrucho - @luisbarrucho Da BBC Brasil, em São Paulo
Isolada, presidente tem agora muito
mais desafios do que em igual período no primeiro mandato; dizem especialistas
A
presidente Dilma Rousseff faz, fez (ontem) sexta-feira, 100 dias do seu segundo
mandato. Mas tem poucas razões para comemorar. Isolada, a petista tem
dificuldades para reverter o ceticismo do mercado, a desconfiança de aliados e
o descrédito de uma parte cada vez maior da população.
Passados mais de três meses após reassumir o comando do país, as
preocupações de Dilma se estendem desde a economia até a política, passando
pela relação com a sociedade, fragilizada especialmente pelo escândalo de
corrupção na Petrobras.
O cenário atual é distinto de quando a petista assumiu a Presidência, em
janeiro de 2011. Nos 100 primeiros dias daquele ano, o quadro geral era bem
mais favorável à presidente, mas tampouco totalmente positivo.
Em nota enviada à BBC Brasil, a Secretaria-Geral da Presidência da
República afirmou que "o governo está operando em ritmo acelerado, dando
continuidade aos programas e fazendo ajustes para acelerar o crescimento
econômico do país".
"Neste ano, por exemplo, o governo entregou 1 mil unidades
residenciais do programa Minha Casa Minha Vida por dia. Os compromissos
assumidos na campanha se estendem até 2018", acrescenta o comunicado.
A BBC Brasil ouviu especialistas em quatro temas para traçar um raio-X
do que mudou nos 100 primeiros dias do primeiro e segundo mandatos. Confira.
Beneficiada pelo então bom momento econômico e pela popularidade em alta
de seu antecessor, o ex-presidente Lula, Dilma terminou os três primeiros meses
de mandato em 2011 com a confiança de 73% da população.
Mas a situação se inverteu no segundo mandato: agora, o mesmo percentual
de pessoas diz não confiar na presidente, segundo a pesquisa CNI-Ibope
divulgada na semana passada.
O índice de desconfiança é o mais alto em 20 anos. Segundo o
levantamento, somente 24% dos entrevistados dizem confiar em Dilma. O pior
resultado até então havia sido registrado pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, de 22%, no início do seu segundo mandato, em 1999.
A pesquisa também revelou que apenas 12% dos brasileiros avaliaram o
governo da presidente como "ótimo" ou "bom". De janeiro a
março de 2011, esse índice era de 56%.
O levantamento mostrou ainda que 76% dos entrevistados avaliaram que o
segundo governo de Dilma está sendo pior do que o primeiro.
"Quando assumiu a Presidência em 2011, Dilma foi beneficiada pelo
crescimento da economia no ano anterior, de 7,5%, e pelo capital político de
Lula, cujo segundo mandato foi relativamente bem-sucedido", diz Ricardo
Ismael, cientista político da PUC-Rio.
"Isso lhe permitiu maior autonomia em relação ao Congresso, que
passou a buscar apoio da presidente", acrescenta.
"Hoje, a situação se inverteu. Uma conjunção de fatores ─
econômicos e políticos ─ resultou na crise de governabilidade que a presidente
está enfrentando. Com uma base fraca no Congresso e uma economia que ainda não
dá sinais de retomada, Dilma terá um 2015 difícil pela frente", prevê
Ismael.
2) Economia
Na economia, Dilma assumiu a Presidência também com bons ventos a seu
favor, ainda que com a previsão de um menor crescimento para o ano. Nos três
primeiros meses de 2011, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu 1,7%
sobre o trimestre imediatamente anterior e 4,2% na comparação anual, com
destaques para a agropecuária e indústria.
O crescimento foi comemorado pelo governo, especialmente em meio a uma
atividade econômica já aquecida. Em 2010, a economia havia registrado alta de
7,5%.
Ainda não há dados sobre o desempenho do PIB no início de 2015, mas no
último trimestre de 2014 o crescimento foi de 0,3% na comparação com o
trimestre anterior e de 0,1% na comparação anual.
O mercado espera uma piora desse quadro neste ano. Segundo uma
estimativa do relatório Focus do Banco Central, que pesquisa semanalmente as
previsões de mercado para a economia, espera-se uma queda de 1% no PIB
brasileiro em 2015.
A taxa de desemprego média entre janeiro e março de 2011 foi de 6,3%,
refletindo, segundo o IBGE, o cenário mais favorável na economia e empregos
mais qualificados.
Por outro lado, sinais de que a meta do superávit primário (economia
para pagar os juros da dívida) não seria cumprida e em meio à aceleração da
inflação (o índice foi de 6,3% nos últimos 12 meses terminados em março daquele
ano) levaram o governo a adotar um forte ajuste fiscal, com foco na redução de
gastos públicos, e a manter o ciclo de alta dos juros, iniciado em fevereiro de
2010.
Neste ano de 2015, encabeçado pelo atual ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, o ajuste fiscal – também acompanhado pelo aumento dos juros - voltou a
fazer parte da agenda econômica do governo, mas com diferenças
"substanciais" em relação a 2011, lembra André Perfeito,
economista-chefe da Gradual Investimentos.
"A qualidade e a profundidade dos ajustes são bastante distintas
entre si. No primeiro mandato, Dilma fez um ajuste fiscal basicamente cortando
despesas. Agora, o ajuste se dá para recompor receitas", explica Perfeito.
Perfeito faz alusão à série de recentes medidas tomadas por Levy ─
apelidadas de "pacote de maldades" ─ com o objetivo de elevar a
arrecadação federal e retomar o crescimento da economia. Entre elas, as medidas
provisórias 664 e 665, que alteram o acesso a direitos previdenciários como o
seguro-desemprego e a pensão por morte.
PIB brasileiro deve
ter crescimento negativo em 2015, segundo estimativas
"Houve também uma alteração profunda na forma como o governo conduz
sua política econômica. Saiu o ministro Mantega (Guido Mantega) e entrou
Joaquim Levy, que tem uma agenda distinta da da presidente", acrescenta o
economista. "Acredito que o ajuste será agora no salário real das
pessoas", avalia.
Para Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp, o quadro econômico
atual é "muito pior".
"A economia está muito mais fragilizada, em especial pelo
enfraquecimento da demanda externa", diz ele.
Dados econômicos recentes comprovam a maior fragilidade da economia. Em
março, a inflação oficial ─ medida pelo IPCA ─ acelerou 1,32% em março e chegou
a 8,13% em 12 meses, bem acima do teto da meta, de 6,5%.
Já o desemprego subiu para 7,4% no trimestre encerrado em fevereiro,
segundo o IBGE.
Rossi, no entanto, critica as medidas de ajuste fiscal no que ele
descreve como "ciclo 'austericida".
"O baixo dinamismo econômico exige cada vez mais esforço fiscal
(redução de gastos) o que, por sua vez, freia a retomada da economia. Trata-se
de um círculo vicioso", opina.
"Se o cenário recessivo permanecer, haverá uma reversão das
conquistas socioeconômicas dos últimos anos, com aumento do desemprego e uma
perda real do salário médio", acrescenta.
3) Relações com o Congresso
Em quatro anos, a relação de Dilma com o Congresso passou por drásticas
mudanças. A presidente, que se aproveitou do capital político do ex-presidente
Lula no início do primeiro mandato, agora sofre para governar em meio a ataques
da base aliada, principalmente do PMDB.
Uma das razões para isso é a própria alteração do perfil dos
congressistas e do próprio Congresso, lembram especialistas.
Em 2011, o PT tinha a maior bancada na Câmara dos Deputados, com 88
parlamentares. No Senado, o partido controlava 15 cadeiras, cinco a menos do
que o aliado PMDB. No entanto, após as eleições do ano passado, o PMDB passou a
dominar as duas casas, reduzindo a autonomia da presidente. A oposição, por sua
vez, também ganhou força.
Eleição de Eduardo
Cunha como presidente da Câmara dos Deputados foi derrota para Dilma, dizem
analistas
"Se, por um lado, aumentou o número de parlamentares conservadores,
que não se aliam com o projeto de político que o PT vem desenhando desde 2002,
por outro, houve uma inabilidade do PT em trabalhar a aliança com o PMDB. A
sigla está desgastada e, dentro dela, há fileiras que se opõem inclusive às
medidas da presidente Dilma", diz Antonio Carlos Mazzeo, professor de
Ciências Políticas da USP.
As derrotas impostas ao governo pela base aliada vêm se multiplicando
dia após dia. No início de março, o presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), devolveu ao Executivo a MP que reduz desonerações da folha de
pagamento. Nesta semana, a Câmara dos Deputados, liderada pelo também
peemedebista Eduardo Cunha (PMDB-RJ), votou o projeto de lei que regulamenta as
terceirizações, que não conta com o apoio do governo.
"Dilma não tem mais força política para colocar o PMDB para fora da
coalizão. A autonomia de que gozava no início do primeiro mandato, em grande
parte devido à popularidade de Lula, não existe mais. Ela sabe que para
governar não poderá mais mandar; terá de negociar", argumenta Ismael, da
PUC-Rio.
Na terça, Dilma deu novo sinal de que está inclinada a reconstruir a
relação com o PMDB, ao passar para o vice-presidente, Michel Temer, as
atribuições da Secretaria de Relações Institucionais, até então chefiada pelo
ministro Pepe Vargas (PT-RS).
Além de fazer a articulação com o Senado e a Câmara, o vice-presidente
fará a interlocução do Executivo federal com governadores e prefeitos.
4) Corrupção
Ainda que em voga por causa da revelação do esquema bilionário de desvio
de verbas na Petrobras, escândalos de corrupção não são novidade no governo de
Dilma Rousseff.
Em dezembro de 2010, o recém-indicado ministro do Turismo, Pedro Novais,
foi o primeiro integrante do governo a ser acusado de malfeitos, antes mesmo da
posse.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo,
Novais teria usado dinheiro público para pagar as despesas de um motel em São
Luís, no Maranhão, seu Estado natal. Denunciado por graves irregularidades
cometidas quando ainda era deputado federal, ele acabou deixando a pasta em
setembro de 2011.
Escândalo de corrupção na Petrobras afetou
fortemente imagem de 'boa gestora' de Dilma
Além de Novais, outros cinco ministros de Dilma também não resistiram em
seus cargos durante o primeiro mandato da petista, quatro deles pelo
envolvimento em denúncias de corrupção.
A forma enérgica como Dilma lidou com os episódios, no entanto, lhe
rendeu boa acolhida por parte da população, que passou a vê-la como a grande
responsável pela "faxina ética" contra a corrupção no país. No fim do
seu primeiro ano de mandato, a petista tinha 59% de aprovação, o maior índice
para um presidente neste período desde a redemocratização.
"Hoje, no entanto, Dilma é vista, inclusive por parte de seus
eleitores, como alguém que mentiu em suas promessas de campanha. Além disso, o
escândalo da Petrobras teve um impacto de grandes dimensões sobre sua
reputação, ainda que tenha começado durante o governo Lula", conclui
Ismael, da PUC-Rio.
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