Música
Publicado em musica por Clarice
Amélia,
em obviusmagazine
Brasileira, mineirinha e artista (bailarina
contemporânea, musicista e atriz em tempo integral). Alimenta a fotografia como
hobbie. Prefere ser uma metamorfose ambulante porque acredita na transformação.
Ideológica e misteriosa. Ama uma boa leitura e um bom café. Fim.
A luta, os pés na brasa e o corpo no fogo da MPB em relação à falta de
liberdade de expressão da tenebrosa época da Ditadura Militar brasileira.
Com a
derrubada do governo de João Goulart, em 1964, instaurou-se a Ditadura Militar
no Brasil. Sob o pretexto de redemocratizar o país, limpando-o da escória, como
comunistas e outros seres pensantes (possíveis ameaças à ditadura), foi
inaugurado um período sombrio em nossa história. O caos teve seu grande início.
Não demorou
muito para que os militares entrassem com o Ato Institucional Nº 5, que
suspendia direitos fundamentais do cidadão – entre eles a manifestação de cunho
político. Logo, a MPB (que presenciara na década de 50, o grande início do
movimento Bossa Nova e outros) gritou em ato de repúdio e foi para a luta.
Assim,
músicos, compositores e pensadores da época reuniram-se, questionando os fatos
e informando a população, apesar de censurados pelos órgãos opressores. Em ato
político, descreveram, em suas músicas, os horrores da falta de liberdade de
expressão. Descrições que perpetuam até os dias atuais, trazendo à tona toda a
covardia aplicada contra nosso povo, e que não nos deixam esquecer todas as
atrocidades cometidas contra nosso país.
Para
censurar a produção cultural foi criada a Divisão de Censura de Diversões
Públicas (DCDP), onde qualquer tipo de produção voltada à área cultural deveria
ser previamente aprovada antes de ser distribuída ao público. No entanto, a
censura não obedecia a critério algum. Sendo assim, cometia falcatruas:
censurava por questões políticas ou pela "proteção da moral familiar
brasileira".
Muitos
nomes foram exilados, presos e torturados, como por exemplo, Gerado Vandré, que
compôs “Pra não dizer que não falei das flores”, um hino contra a ditadura.
Nessa canção, Geraldo enfatizava as injustiças (pelos campos há fome em grandes
plantações), destacava a presença do exército nas ruas (Há soldados armados,
amados ou não) e convocava as pessoas para se unirem na luta contra a ditadura
(Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera
acontecer).
Chico
Buarque e Gilberto Gil compuseram uma música que reflete bem a situação da
época. “Cálice” (interpretada por Buarque e Milton Nascimento) traz referências
a uma passagem bíblica (Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de
sangue), mas é, na realidade, uma metáfora com o verbo “calar” (cale-se!). Foi
a forma que os músicos acharam de dizer ao mundo que a liberdade de expressão
estava cassada no Brasil. Completamente genial, a música traz em si a essência
da militância brasileira da época (mesmo calada a boca, resta o peito. Silêncio
na cidade não se escuta).
Outra
música que machucou o militarismo foi “Viola Enluarada” (1967), de Marcos Valle
e Paulo Sérgio Valle, que é uma verdadeira alusão a luta dos artistas da época:
“A mão que toca um violão / se for preciso faz a guerra.”
Houve outra
guinada, desta vez mais profunda, conhecida como "Movimento
Tropicália". Também em 1967 e 1968, um conjunto de artistas resolveu
romper com o que ainda havia de tradicional na arte brasileira, sob o amparo da
vanguarda da cultura pop. Na música, seu grande manifesto foi o disco “Tropicália
ou Panis et Circenses”, reunião de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes,
Nara Leão, Tom Zé e Gal Costa. O clamor era por mais liberdade, em um tempo em
que essa era uma palavra proibida.
Em 1970,
Buarque compôs "Apesar de você", que, em sua ideia subentendida
retrata a esperança dos militantes em torno da Ditadura (apesar de você, amanhã
há de ser outro dia.). Já em 1976, Belchior compôs "Como nossos pais"
(ressaltando bons trechos: "o sinal está fechado para nós, que somos
jovens." - "Minha dor é perceber que apesar de tudo que fizemos,
ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.").
- Várias
outras músicas também confrontaram o regime militar: “Cartomante” de Ivan Lins
e Victor Martins, " Nordeste independente" de Bráulio Tavares e
Ivanildo Vila Nova, "Canção da Despedida" de Geraldo Azevedo, "O
Bêbado e a Equilibrista" de João Bosco e Aldir Blanc.
Milhares de
pessoas foram agredidas, torturadas e assassinadas. Outras milhares
desapareceram durante o período turbulento. Por fim, as músicas daquela época
guardam até hoje, o gosto amargo da lembrança que dói no coração do povo
brasileiro. A MPB marcou e continua marcando as eras do nosso país com um olhar
único e especial que somente ela sabe ter.
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