oPINIÃO
O que mais falta faz neste momento das crises que nos alcançaram é
liderança que não só aponte, mas percorra o caminho de saída
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, 3 MAY 2015
El País – O JORNAL GLOBAL
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Eu
preferiria não voltar ao tema arqui-batido das crises que nos alcançaram. Mas é
difícil. Vira e mexe, elas atingem o bolso e a alma das pessoas. Na última
semana, o início de recessão repercutiu fortemente sobre a taxa de
desemprego. Considerando apenas as seis principais metrópoles, ela atingiu
6,2%, a maior taxa desde 2001. A Petrobras, ao tentar virar uma página de sua
história recente, pôs em evidência que o “propinoduto”, enorme (seis bilhões de
reais), é incomparavelmente menor do que o “asnoduto”, dos projetos megalômanos
e mal feitos: 40 bilhões de reais. São cifras casadas, pois quanto piores ou
mais incompletos os projetos de obras, mais fácil se torna aumentar seu custo
e desviar o dinheiro para fins pessoais ou partidários.
O setor elétrico foi vítima de males semelhantes
(só à Petrobras as “pedaladas” da Eletrobrás custaram 4,5 bilhões de reais) e
não é o único setor no qual os desmandos vêm se tornando públicos. Se algum dia
se abrirem as contas da Caixa Econômica, vai-se ver que o FGTS dos
trabalhadores deu funding para uma instituição bancária
pública fazer empréstimos de salvamento a empreendimentos privados quebrados.
No caso do BNDES, a despeito da competência de seus funcionários, emprestou-se
muito dinheiro a empresas de solvabilidade discutível, também com recursos do
FAT, ou seja, dos trabalhadores (ou dos contribuintes), oriundos do Tesouro.
No afã de
“acelerar o crescimento” usando o governo como principal incentivo, as contas
públicas passaram a sofrer déficits crescentes. Pior, dada a conjuntura
internacional negativa e o pouco avanço da produtividade nacional, também as
contas externas apresentam índices negativos preocupantes quando comparados com
o PIB brasileiro (cerca de 4%, com viés de alta). Pressionado pelas
circunstâncias o Governo atual teve que entregar o comando econômico a quem
pensa diferente dos festejados (pelos círculos petistas e adjacentes) autores
da “nova matriz econômica”. Esta teria descoberto a fórmula mágica da
prosperidade: mais crédito e mais consumo. O investimento, ora, é consequência
do consumo... Sem que se precisasse prestar atenção às condições de
credibilidade das políticas econômicas.
As
consequências estão à vista: chegou a hora de apertar os cintos. Como qualquer
governo responsável – antes se diria, erroneamente, neoliberal – o atual
começou a cortar despesas e restringir o crédito. Há menos recursos para
empréstimos, mais obras paradas, maior desemprego, e assim vamos numa espiral
de agruras, fruto da correção dos desacertos do passado recente. Para datar:
essa espiral de enganos começou a partir dos dois últimos anos do governo Lula.
Agora, na hora da onça beber água, embora sem reconhecer os desatinos, volta-se
ao bom senso. Mas, cuidado, é preciso que haja senso. Ajuste fiscal, às secas,
sem confiança no Governo, sem horizontes de crescimento e, pois, com baixo
investimento, é como operação sem anestesia. Pior: política econômica requer
dosagem e nem sempre os bons técnicos avaliam bem a saúde geral do país. Também
o cavalo do inglês aprendeu a não comer; só que morreu.
Não quero
ser pessimista. Mas o que mais falta faz neste momento é liderança. Gente em
quem a gente creia, que não só aponte os caminhos de saída, mas comece a
percorrê-lo. Não estou insinuando que sem impeachment não há solução. Nem
dizendo o contrário, que impeachment é golpe. Estou apenas alertando que as
lideranças brasileiras (e escrevo assim no plural) precisam se dar conta de que
desta vez os desarranjos (não só no plano econômico, mas no político também)
foram longe demais. Reerguer o país requer primeiro passar a limpo os erros.
Não haverá milagre econômico sem transformação política. Esta começa pelo
aprofundamento da operação Lava Jato, para deixar claro por que o país chegou
aonde chegou. Não dispensa, contudo, profundas reformas políticas.
Os diretores da Petrobras envolvidos na roubalheira devem ser
penalizados, mas não foram eles os maiores responsáveis. Quem enganou o Brasil
foi o lulo-petismo".
Não foram
os funcionários da Petrobras os responsáveis pela roubalheira (embora alguns
nela estivessem implicados). Nenhuma diretoria se mantém sem o beneplácito dos
governos, nem muito menos o dinheirão todo que escapou pelo ralo foi apropriado
apenas por indivíduos. Houve mais do que apadrinhamento político, construiu-se
uma rede de corrupção para sustentar o poder e seus agentes (pessoas e
partidos). Não adianta a Presidente dizer que tudo agora está no lugar certo na
Petrobras. É preciso avançar nas investigações, mostrar a trama política
corrupta e incompetente. Não foi só a Petrobrás que foi roubada, o país foi
iludido com sonhos de grandeza nacional enquanto a roubalheira corria solta na
principal companhia estatal do país.
Quase tudo
que foi feito nos últimos quatro mandatos foi anunciado como o “nunca antes
feito neste país”. É verdade, nunca mesmo se errou tanto em nome do
desenvolvimento nacional nem jamais se roubou tanto sob a proteção desse manto
encantado. Embora os diretores da Petrobras diretamente envolvidos na
roubalheira devam ser penalizados, não foram eles os responsáveis maiores. Quem
enganou o Brasil foi o lulo-petismo. Lula mesmo encharcou as mãos de
petróleo como arauto da falsa autossuficiência. E agora José? Não há
culpabilidade política? Vai-se apelar aos “exércitos do MST” para encobrir a
verdade?
É por isso que
tenho dito que impeachment é uma medida prevista pela Constituição, pela qual
não há que torcer, nem distorcer: havendo culpabilidade, que se puna. Mas a
raiz dos desmandos foi plantada antes da eleição da atual presidente. Vem do
governo de seu antecessor e padrinho político. O que já se sabe sobre o
‘Petrolão’ é suficientemente grave para que a sociedade repudie as forças e
lideranças políticas que teceram a trama da qual o escândalo faz parte. Mas é
preciso que a Justiça não se detenha antes que tudo seja posto às claras. Só
assim será possível resgatar os nossos mais genuínos sentimentos de confiança
no Brasil e no seu futuro.
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