Publicado em literatura por Gilmar Luís Silva Júnior,
em obviusmagazine
Gilmar Júnior
Apaixonado por livros, música,
leite com achocolatado (tudo nessa ordem).
Fernando Pessoa foi um gênio, cuja genialidade até hoje produz
estranheza. Criou poetas a partir de si, dotados de personalidades distintas e
até contraditórias. Mas houve um momento em que ele criou um duplo, um outro
Pessoa, que, por estar atrás de um nome fictício, procurou transitar entre
diversas estéticas.
#poesia
#Portugal
(...)
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, / Como as outras, / Ridículas. /
As cartas
de amor, se há amor, / Têm de ser / Ridículas. /
Mas,
afinal,/ Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor / É que são /
Ridículas. (...)
O trecho
acima é de Álvaro de Campos, um dos poetas criados pelo grande versejador
Fernando Pessoa. Álvaro é considerado o alter ego de Pessoa e demonstrou três
fases distintas em sua criação: a decadentista (influenciada pelo Simbolismo,
com poemas vertendo sobre o cansaço da realidade e a busca por novas
sensações), a futurista (influenciada pelas vanguardas do século XX,
especialmente pelo Futurismo, com produção cantando a velocidade da tecnologia,
o belicismo das primeiras décadas dos anos 1900, é o canto de supremacia da
civilização moderna e das máquinas) e intimista (de caráter niilista, é o
desengano de tudo e de todos, volta ao canto do cansaço, mas sem busca de
sensações, mas sim contraposição de uma infância arquetípica - época de total
felicidade - a uma maturidade castradora de realizações). Nos versos acima, o
termo "ridículo" remete à etimologia latina, na qual "ridiculus,
-a, -um" era algo risível. O amor é engraçado; até mesmo quem não o
pratica é digno de riso. Em suma, a realidade humana é permeada de riso, dada a
fragilidade, a suposta ânsia de grandeza, que escamoteia um prosaísmo que atinge
a todos. Já o poeta Fernando Pessoa ortônimo - ele mesmo, possui, na obra
Cancioneiro, a mesma ânsia de explicar-se perante o mundo, destituindo de
qualquer sacralidade o fazer poético. Chega a tangenciar os versos acima de
Álvaro de Campos, o qual desmistifica as composições de amor, e se avizinha do
poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade à época do livro A Rosa do Povo
(1945), que elegeu o prosaísmo (o valor do cotidiano cru e nu) como mote da
obra. Eis um trecho de Pessoa:
Dizem que
finjo ou minto/ Tudo que escrevo. Não./ Eu simplesmente sinto/ Com a
imaginação./ Não uso o coração./
Há aí um nó
fulcral que liga Pessoa a Campos: ambos se despem do lirismo ebrioso que eleva
os versos à busca de um êxtase quase supra-humano e faz da arte poética um
braço do canto da realidade.
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