quinta-feira, 14 de maio de 2015

ÁLVARO DE CAMPOS, O ALTER EGO DE FERNANDO PESSOA

 Publicado em literatura por Gilmar Luís Silva Júnior,
em obviusmagazine

 Gilmar Júnior

Apaixonado por livros, música, leite com achocolatado (tudo nessa ordem).

 Fernando Pessoa foi um gênio, cuja genialidade até hoje produz estranheza. Criou poetas a partir de si, dotados de personalidades distintas e até contraditórias. Mas houve um momento em que ele criou um duplo, um outro Pessoa, que, por estar atrás de um nome fictício, procurou transitar entre diversas estéticas.





 #poesia #Portugal
(...) Também escrevi em meu tempo cartas de amor, / Como as outras, / Ridículas. /
As cartas de amor, se há amor, / Têm de ser / Ridículas. /
Mas, afinal,/ Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor / É que são / Ridículas. (...)
  


O trecho acima é de Álvaro de Campos​, um dos poetas criados pelo grande versejador Fernando Pessoa​. Álvaro é considerado o alter ego de Pessoa e demonstrou três fases distintas em sua criação: a decadentista (influenciada pelo Simbolismo, com poemas vertendo sobre o cansaço da realidade e a busca por novas sensações), a futurista (influenciada pelas vanguardas do século XX, especialmente pelo Futurismo, com produção cantando a velocidade da tecnologia, o belicismo das primeiras décadas dos anos 1900, é o canto de supremacia da civilização moderna e das máquinas) e intimista (de caráter niilista, é o desengano de tudo e de todos, volta ao canto do cansaço, mas sem busca de sensações, mas sim contraposição de uma infância arquetípica - época de total felicidade - a uma maturidade castradora de realizações). Nos versos acima, o termo "ridículo" remete à etimologia latina, na qual "ridiculus, -a, -um" era algo risível. O amor é engraçado; até mesmo quem não o pratica é digno de riso. Em suma, a realidade humana é permeada de riso, dada a fragilidade, a suposta ânsia de grandeza, que escamoteia um prosaísmo que atinge a todos. Já o poeta Fernando Pessoa ortônimo - ele mesmo, possui, na obra Cancioneiro, a mesma ânsia de explicar-se perante o mundo, destituindo de qualquer sacralidade o fazer poético. Chega a tangenciar os versos acima de Álvaro de Campos, o qual desmistifica as composições de amor, e se avizinha do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade à época do livro A Rosa do Povo (1945), que elegeu o prosaísmo (o valor do cotidiano cru e nu) como mote da obra. Eis um trecho de Pessoa:
Dizem que finjo ou minto/ Tudo que escrevo. Não./ Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração./
Há aí um nó fulcral que liga Pessoa a Campos: ambos se despem do lirismo ebrioso que eleva os versos à busca de um êxtase quase supra-humano e faz da arte poética um braço do canto da realidade.


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