Política
CARLA JIMÉNEZ Brasília 20 MAY 2015
EL PAÍS – O JORNAL GLOBAL
Líderes do Congresso e governadores. / LUCIO BERNARDO JR. (CÂMARA DOS DEPUTADOS)
Às
vésperas da divulgação dos cortes de gastos públicos pelo Governo Federal,
os governadores brasileiros mandaram um recado à presidenta Dilma Rousseff. Não
querem que o ajuste fiscal, que prevê redução de gastos de cerca de 70 bilhões
de reais, venha a piorar a situação dos Estados que já é sensível, em função
dos atrasos dos repasses de verbas federais, desde o início deste ano.
Convidados pelos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan
Calheiros, ambos do PMDB, eles participaram de uma reunião em Brasília
sobre Pacto Federativo, e aproveitaram para fazer seu panelaço particular
diante dos desajustes financeiros, que estão sendo agravados com a queda da
arrecadação em função da crise econômica. “Há contratos já assinados, desde o
ano passado, parados na secretaria do Tesouro Nacional desde janeiro”,
disse o governador Geraldo Alckmin (PSDB), ao final da reunião, que durou
três horas, com a presença dos senadores e representantes da Câmara. “Há atrasos
nas linhas de metrô e de PPP [parcerias público privadas] de hospitais. Nada
andou”, afirma.
Outras
lideranças estaduais relataram que já estavam fazendo os ajustes de suas contas
diante das dificuldades de caixa. “Cortamos metade dos cargos comissionados, e
promovemos a redução de orçamento de quase 5 bilhões de reais”, comentou
Marconi Perillo, governador de Goiás pelo PSDB. Alguns Estados, porém, entraram
no vermelho, atrasando pagamentos de dívidas, por exemplo, como é o caso do Rio
Grande do Sul, que deixou de pagar obrigações com o Governo federal em função
do aperto econômico. “A situação de muitos Estados é de emergência, caso do Rio
Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina E Mato Grosso do Sul”, disse o governador
gaúcho, José Ivo Sartori (PMDB), que cobrou a implementação da mudança do
indexador da dívida dos Estados com a União, um assunto que foi postergado para
o ano que vem, em função do ajuste fiscal. Hoje 13% da arrecadação do Rio
Grande do Sul segue para cobrir a dívida com a União.
Um seminário na Câmara para debater o discurso de ódio contra minorias
produziu outra imagem de peso nesta quarta. A cantora Daniela Mercury, uma das
palestrantes do 12º Seminário LGBT do Congresso Nacional, encerrou sua
participação beijando a mulher, Malu Verçosa. "Não venham inventar
que há uma maioria cristã, evangélica que apoia a violência. Isso não é
verdade. É um absurdo alguém achar que, por estar em uma religião, pode representar
todas as outras e acirrar o ódio. A gente quer amor, gentileza, respeito,
coragem", disse a cantora, citada pela Agência Câmara.
A referência à questão religiosa feita por Daniela — que cantou seus
sucessos à capela — reverbera na Câmara onde a bancada evangélica exibe
força, a começar pelo evangélico Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que preside a Casa.
Participantes do
seminário criticaram a movimentação da bancada para tentar passar temas como o
Estatuto da Família (PL 6583/13), que define família como o núcleo formado a
partir da união entre homem e mulher, excluindo os casais gays. A proposta está
sendo analisada em uma comissão especial da Câmara.
Estados e
municípios ainda pagam uma conta cara, em função de um acordo feito em 1998 com
a União, que à época assumiu a dívida de prefeitos e governadores para
facilitar a gestão, com um indexador que parecia vantajoso na ocasião (IGP-M
mais 9%), mas que se revelou uma bomba relógio. O IGP-M subiu mais do que
outros indexadores e se transformou numa bola de neve para as finanças dos
governadores. “Quando houve a renegociação tínhamos uma dívida de 2,6 bilhões.
Passados 16 anos, pagamos 6,72 bilhões de reais e devemos 7,8 bilhões”, afirmou
o governador tucano do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, que comparou o
ganho da poupança do período – 192% - com o crescimento de 589% do tamanho da
dívida com o governo federal. “A redução do indexador permitiria aumentar
investimentos imediatamente”, argumenta Azambuja.
A lei que
altera o indexador já foi aprovada e sancionada pela presidenta, mas deixou de
entrar em vigor a pedido do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, depois
de uma queda de braço, há dois meses, com o Congresso.
O encontro
desta quarta-feira serviu também para fortalecer o papel de Eduardo Cunha e
Renan Calheiros. Ao dar espaço para as queixas dos governadores, reforçam seu
capital político, além de fechar uma pauta do Congresso sob medida para atender
às necessidades dos entes federados num momento em que o Governo federal
está fraco. Ambos designaram um grupo de senadores e deputados para organizar
uma pauta de projetos que estão na Câmara e no Senado e que facilitam o repasse
de verbas já definidas para os governadores, mas que estão congeladas pelas
dificuldades financeiras atuais. “Sabemos que o Governo está atrasando os
repasses, e estamos colocando em prática uma agenda de soluções”, disse
Calheiros na abertura.
O panelaço do
dia alinhou PMDB e PSDB na busca de medidas para furar o bloqueio de verbas
federais. Um dos projetos mais celebrados pelos presentes, do senador José
Serra (PSDB), visa utilizar parte dos recursos que estão parados em depósitos
judiciais pelos Estados. “Segurar repasse é uma situação de desespero”, diz
Serra, para quem nunca se viveu um momento mais oportuno para debater o
equilíbrio de forças entre o Governo federal e dos Estados. “Desde que estou na
vida política, o Congresso nunca foi tão forte, até como produto da crise.
Então vamos usar essa força para o bem”, diz ele.
Alguns integrantes
da reunião expressaram preocupação com a situação dos cofres públicos diante de
situações de emergência. “Sofremos há quatro anos a pior estiagem dos últimos
anos. E temos obras necessárias para a região do semiárido. O ajuste fiscal não
pode paralisá-las”, argumentou o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB),
que reclamou ainda da redução contínua de repasse de verbas de saúde.
Os
governadores cobraram também mais espaço no debate sobre medidas econômicas de
âmbito nacional, que acabam pegando, segundo eles, os Estados desprevenidos. Em
especial, a isenção de impostos determinados em planos do Governo Federal, que
visam incentivar a economia mas que por tabela reduzem a arrecadação de
tributos estaduais. “Mais de 2 bilhões de reais deixaram de ingressar nos
portos dos Estados pelas desonerações das exportações. E sequer nos avisam de
que forma vai acontecer”, disse o Governador do Pará, Simão Jatene, outro
representante do PSDB que assumiu o microfone para expor o quadro do seu
Estado. Governadores do PT, no entanto, também cobraram mais empenho do Governo
federal para não serem devorados pelo ajuste. “Sou companheiro da presidenta,
mas temos um pacto federativo restrito que retém o desenvolvimento”, queixou-se
o governador do Acre, Tião Viana. Segundo ele, os governadores são herdeiros da
crise, caminhando para a beira do abismo.
A agenda de
projetos que facilitem o acesso dos Estados a recursos deve entrar em pauta
ainda neste semestre, segundo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Questionado pelo EL PAÍS sobre o contrassenso entre o esforço do Congresso para
aprovar medidas de ajuste e agora a formulação de uma agenda que vai aumentar
gastos, Cunha respondeu que há a condição de evoluir, sem tentar aumentar os
repasses. "É garantir fluxo de recursos e agilizar liberações, cumprindo o
que está na Constituição", afirma. Segundo ele, um dos projetos que serão
votados prevê que o Governo Federal não pode transferir encargos para os
Estados sem que haja uma garantia de fonte de receitas para compensar. "Só
isso seria uma vitória para estancar a sangria", conclui.
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