segunda-feira, 18 de maio de 2015

O QUE APRENDI SOBRE A COREIA DO NORTE COM O LIVRO FUGA DO CAMPO 14

 Publicado em literatura por Rodrigo Villela Pereira,
em obviusmagazine

Rodrigo

Alguém que considera profundamente triste uma vida sem jazz, livros e torta de limão.
  
A Coreia do Norte não é apenas um pequeno pedaço de terra no leste asiático, controlado por um ditador caricato e um governo fortemente armado. Existe, por trás das cortinas, uma visão bastante perturbadora. Ainda jovem, Shin Dong-hyuk fugiu de lá. Graças a isso, hoje sabemos um pouco mais sobre as atrocidades que permeiam o cotidiano de vários norte-coreanos.

Soldados das Forças Armadas da Coreia do Norte.

Faça um teste: entre no Google, digite “Coreia do Norte” e verifique as notícias. Você verá que muitas delas possuem termos como “nuclear”, “sanções”, “mísseis”, “projéteis”, “julgamento”, “ameaça”, "testes", entre outros semelhantes. As análises mais densas são quase todas sobre a capacidade militar ou o projeto nuclear interno. Por ser uma localidade extremamente isolada no cenário internacional, estudos sobre os elementos culturais, história, esportes ou sociedade são, inevitavelmente, deixados em segundo plano pelo ocidente. Sendo assim, a consequência é que apenas se destaque o que está em evidência, ou seja, o militarismo e a exótica política naquele pequeno país.
Agora, quando se trata de uma visão do que, de fato, é a Coreia do Norte, somos inundados por uma concepção extremamente reducionista criada pelas mídias sociais. De certa maneira, ela virou uma espécie de país de estereótipos: é o local do líder com cara de bebê que gosta de doces e parque de diversões; o local onde os soldados / sociedade são obrigados a fazer encenações um tanto quanto ridículas em frente às câmeras; o país do governo que sequestrava diretores japoneses; o país cujo líder é alvo eterno de piadinhas no youtube; entre milhares de outras.
Esquece-se que lá existe uma população de quase 24 milhões de pessoas, todas vivendo num Estado falido e submetidas aos comandos de um excêntrico governo totalitarista. Fico impressionado em como o caso da Coreia do Norte desperta tão pouca comoção mundial se comparado com outras situações (como, por exemplo, a da Palestina, Ucrânia ou Síria). O caso específico dos norte-coreanos não se trata de uma suposição pois é baseado em evidências que estão disponíveis para qualquer um. Frequentes relatórios apontam as violações dos direitos humanos provocadas sob ordem governamental: são assassinatos e torturas; perseguições políticas e religiosas; escravidão; abortos forçados; abuso sexual etc. A fome também é um problema, principalmente em áreas mais pobres. Além disso tudo, o regime mantém milhares de presos políticos espalhados pelo território. É possível que muitos acreditem que isso é coisa do passado, pois campos de concentração ou de trabalho são elementos pertencentes ao período histórico da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) ou da URSS (1922-1991). Não, meu amigo(a)... existem até hoje. Para se ter uma ideia, confira o que Blaine Harden comenta na introdução de Fuga do Campo 14 (Intrínseca, 2012):

“Os campos de trabalho forçados da Coreia do Norte já duram duas vezes mais tempo que o Gulag soviético e cerca de 12 vezes mais que os campos de concentração nazistas. Não há controvérsia sobre sua localização. Fotografias de alta resolução, feitas por satélites, acessíveis no Google Earth para qualquer pessoa que tenha uma conexão à internet, mostram vastas áreas cercadas que se esparramam entre montanhas escarpadas da Coreia do Norte.” - Pág.22
Não pense que ao ler Fuga do Campo 14 você simplesmente conhecerá uma previsível história de vida de mais um refugiado. O que torna curiosa a biografia de Shin Dong-hyuk é que este nasceu e cresceu no campo de trabalho sem ter tido, até então, nenhum tipo de contato com o mundo exterior. Numa analogia bem ruim e cheia de falhas, é uma espécie de Truman norte-coreano (quem assistiu "O Show de Truman" vai entender). Por 23 anos, a única realidade que Shin tinha vivido era aquela presente no campo, marcada por crueldades, denúncias e, claro, muito medo.

Shin Dong-hyuk durante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Em especial, o Campo 14 é um dos maiores da Coreia do Norte, com cerca de 15 mil prisioneiros e muito conhecido pela repressão imposta, com frequência, pelos seus guardas e administradores. Shin nasceu e tornou-se parte daquele lugar por conta da absurda lei estabelecida no governo de Kim Il-sung (o Presidente Eterno), em 1972. Esta diz:
“Inimigos de classe, sejam eles quem forem, devem ter sua semente eliminada por três gerações”.
O jornalista Blaine Harden, com base no relato do próprio refugiado, estrutura o livro através de várias fases da vida de Shin. Aborda, por exemplo, sua conturbada relação com os familiares; a lavagem cerebral que esteve sujeito na escola; as torturas que sofreu no subsolo; a arriscada fuga atravessando uma cerca eletrificada; o período em que cruzou a fronteira para a China até a chegada na Coreia do Sul e, posteriormente, nos Estados Unidos. No final da obra, temos as “Dez leis do campo 14”, um conjunto de regras que todos devem decorar na infância. Logo em seguida, temos alguns desenhos sobre a vida na prisão. No geral, as imagens são fortes, pois mostram a tortura específica pela qual tanto Shin quanto outros prisioneiros sofreram e, diga-se de passagem, ainda sofrem enquanto você está lendo este texto.
A sensação ao terminar o pequeno livro (apenas 230 páginas) é a mesma de um tapa de realidade na cara. Blaine Harden trata, em grande parte, sobre a própria condição da Coreia do Norte - política interna e externa -, apontando suas falhas e suas peculiaridades. O autor não visa, unicamente, apresentar a vida precária no campo de trabalho forçado sob a perspectiva de um dos presos, mas demonstrar como as miseráveis condições de vida naquela região afetam toda uma sociedade. Mesmo cercada por potências globais - China, Japão e Coreia do Sul -, o pequeno país segue isolado (ou quase) do mundo.


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