Mariana SchreiberDa BBC Brasil em
Brasília
BBC BRASIL
O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, e uma missão de empresários de
seu país desembarcam nesta segunda-feira em Brasília com a promessa de investir
dezenas de bilhões de dólares em diversos setores da economia – de ferrovias a
hidrelétricas, passando por autopeças, agronegócios, mineração, siderurgia e TI
(tecnologia da informação).
O momento é visto como especialmente favorável a
esses investimentos.
De um lado, o governo tem sido obrigado a cortar
gastos em infraestrutura devido às restrições orçamentárias.
De outro, os setores de construção e óleo e gás
passam por um cenário difícil por causa da Operação Lava Jato, que investiga
esquemas de corrupção envolvendo Petrobras, grandes obras públicas e
empreiteiras nacionais.
O contexto complicado acaba sendo uma oportunidade
para o capital chinês, nota Maria Luisa Cravo, gerente Executiva de
Investimentos da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos).
"Com certeza, cria uma oportunidade. Empresas
estrangeiras, quando estão avaliando um país para investir, levam em conta todo
tipo de fator. Certamente, empresa de óleo e gás que não estava atuando no
Brasil, não eram fornecedores da Petrobras, têm interesse e sabem que há uma
oportunidade (agora)".
Segundo Charles Tang, presidente da Câmara de
Comércio e Indústria Brasil China (CCIBC), um estaleiro chinês ganhou neste ano
parte da concorrência internacional aberta pela Petrobras para construção de
módulos de compressão, cujo contrato original de US$ 750 milhões foi cancelado
com a brasileira Iesa, após citações na Lava Jato. O grupo Inepar, ao qual
pertence a IESA, está em recuperação judicial.
"Como se sabe, os grandes projetos de
infraestrutura e de petróleo e gás sempre foram dominados por grandes
empreiteiras brasileiras que ora têm dificuldade de concluir as suas obras.
Nossa Câmara têm se esforçado para trazer investimentos de grandes empresas
chinesas para ajudar a recuperar a economia do Brasil e manter empregos
brasileiros", afirma.
"O empréstimo de US$ 3,5 bilhões (R$ 10,5
bilhões) feito recentemente à Petrobras demonstra a confiança que a China
deposita no Brasil e demonstra a importância que a China dá a essa aliança
estratégica e comercial. Um amigo em hora de necessidade é um amigo
verdadeiro", acrescenta Tang.
O financiamento, obtido junto ao Banco de
Desenvolvimento Chinês no início de abril, chega em um momento que a Petrobras
está com o endividamento elevado e enfrenta dificuldade de obter recursos
emitindo títulos e ações.
Agenda
Li Keqiang reúne-se com a presidente Dilma Rousseff
nesta terça-feira de manhã e no dia seguinte cumpre agenda no Rio e Janeiro,
antes de seguir viagem para Colômbia, Peru e Chile.
A China vem ampliando sua presença na região e tem
laços próximos também com Venezuela e Argentina.
Durante a passagem da comitiva chinesa pelo Brasil
serão assinados mais de 30 documentos, entre acordos governamentais,
empresariais e outros atos, sinalizando intenções novas de investimentos de US$
50 bilhões (R$ 150 bilhões), segundo o embaixador José Alfredo Graça Lima,
atualmente à frente da Subsecretaria-Geral de Assuntos Políticos 2, área
responsável pelas relações políticas e econômicas do Brasil com a Ásia.
Petrobras recebeu
US$3,5 bilhões em empréstimo recente da China
Segundo informações da agência Reuters, será
anunciado também a criação de um fundo na Caixa de US$ 50 bilhões com recursos
do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) para investimento em
infraestrutura – não está claro em que medida essas duas cifras se sobrepõem.
Enquanto maior parceiro comercial do país, a China
já tem hoje peso importante na economia brasileira. Para Graça Lima, o
crescente interesse chinês em investir aqui traz o relacionamento dos dois
países a um novo patamar.
"A visita do primeiro-ministro Li Keqiang
segue um histórico de visitas de alto nível que se iniciaram em 2004 e que vêm
contribuindo para adensar a relações bilaterias entre Brasil e China. E (essas
relações) estão tomando outro vulto, ou subindo de patamar, na forma de uma
cooperação mais voltada para investimentos, tanto em infraestrutura, como em
capacidade produtiva, que são duas áreas de especial interesse para o Brasil de
hoje", disse Graça Lima, em apresentação a jornalistas na semana passada.
Se tudo que está sendo anunciado vai sair do papel
é outra história.
Segundo o embaixador, são projetos que estão em
diferentes estágios de negociação e planejamento. Um dos mais importantes para
os dois países é a construção de uma ferrovia transoceânica, que cortará Brasil
e Peru, facilitando o escoamento de grãos e outros produtos da região
Centro-Oeste para o Oceano Pacífico.
Infraestrutura
Segundo o diretor executivo da Confederação
Nacional do Transporte (CNT), Bruno Batista, é justamente essa preocupação com
escoamento de produtos brasileiros para a China, "questão de segurança
alimentar", que tem elevado a disposição do país em investir na logística
brasileira.
Até hoje, observa Batista, a presença do capital
chinês na infraestrutura de transportes do Brasil é pequena, mas a expectativa
é que isso mude nos próximos anos.
Fábrica chinesa na
África: região tem recebido milhões de dólares em investimentos do país.
Em junho, o governo federal pretende anunciar um
novo pacote de concessão de obras em infraestrutura, e, segundo o diretor da
CNT, há grande interesse chinês nas ferrovias.
Para os investimentos se confirmarem, porém, é
preciso clareza nos detalhes técnicos e na taxa de retorno desses
investimentos, afirma ele.
Batista lembra que nenhuma das ferrovias anunciadas
no pacote de concessões de 2012 saiu do papel até hoje, porque essas incertezas
afastaram investidores.
Naquele ano, o governo anunciou que as concessões
significariam investimentos de R$ 91 bilhões em ferrovias – os projetos estão
sendo revisados para entrar no novo pacote previsto para junho.
"A infraestrutura de transportes está num
momento de crise de recursos, com a redução dos investimentos públicos e dos
financiamentos liberados pelo BNDES. O capital privado ganha mais importância
agora e a única sinalização clara de interesse (em investir) é do governo chinês",
destaca Batista.
Interesse
brasileiro
Em entrevista à imprensa chinesa na semana passada,
Dilma sinalizou que o interesse brasileiro nessa parceria também é grade.
"O Brasil
passa por um momento em que todo o conhecimento e a expertise da China na área
de investimento em infraestrutura nós podemos aproveitar, tanto na área de
rodovias, ferrovias, portos e aeroportos", disse ela ao China Business News, ressaltando que a participação
chinesa em ferrovias vai ser "essencial" para o Brasil.
Monitoramento da Apex indica que, entre 2004 e
2014, a China investiu US$ 50 bilhões no Brasil. Maria Luísa Cravo explica que
antes esses investimentos eram mais concentrados em fábricas e que agora o
escopo está se ampliando para obras de infraestrutura, que são mais caras.
A montadora Chery é
uma das empresas chinesas que chegou recentemente ao Brasil
Entre as empresas chinesas que investiram no Brasil
nos últimos dez anos, destacam-se JAC Motors e Chery (montadoras), Sinopec
(petróleo e gás), Huawei (telecomunicações), Foxconn (eletrônicos), Banco da
China (financeiro) e a Companhia Nacional da Rede Elétrica da China (energia).
Recentemente, a Apex mediou a instalação da uma empresa de ônibus elétricos em
Campinas – a primeira fábrica na América Latina da gigante chinesa BYD.
Mas o que estaria por trás do apetite bilionário
chinês pelo Brasil?
Certamente, é de interesse do país melhorar a
logística das nossas exportação, reduzindo os custos de produtos comprados em
grande quantidade pela China, como soja e minério de ferro.
Apesar de a queda nos preços das commodities ter
provocado um recuo no valor das vendas brasileiras para a China, o país
manteve-se como principal parceiro comercial do Brasil em 2014, quando a
corrente de comércio (soma de importações e exportações) foi de US$ 78 bilhões.
Questionado sobre se haveria também uma estratégia
geopolítica da China no sentindo de ampliar sua influência na América do Sul, o
embaixador Graça Lima descartou a existência de "uma agenda secreta"
e minimizou uma possível perda de protagonismo do Brasil na região.
"Interessa ao Brasil que seus 11 vizinhos
progridam, que tenham uma grau de desenvolvimento que sirva para mais
estabilidade, mais paz, mais segurança (na região). Nesse ponto, a China é
vista como uma parceiro bem vindo", argumentou.
Geopolítica
Para Charles Tang, porém, há sim uma intenção
geopolítica, na medida em que a China busca a se contrapor aos Estados Unidos
como potência global.
Esse é o entendimento também de Renato Baumann,
diretor da área de Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada). "A China quer expandir sua
áreas de influência e tornar o yuan uma moeda de referência global",
afirma ele.
Com enorme volume de reservas internacionais, da
ordem de US$ 4 trilhão, a China também busca diversificar suas aplicações.
Há anos já vem investindo na África, não sem alguma
controvérsia, como por exemplo na construção de ferrovias cuja bitola só serve
para trens chineses ou devido à prática de importar mão de obra chinesa para
essas obras.
Investidores chineses já tentaram trazer mão de
obra nacional na construção de umas das linhas de transmissão de energia da
usina de Belo Monte, no Pará, mas foram barrados pela legislação trabalhista
brasileira.
Sobre essas polêmicas, o embaixador Graça Lima
disse que o Brasil "não é totalmente ignorante" e que o país estará
atento aos riscos.
"Para isso que são requeridos mecanismo de
acompanhamento, memorandos de entendimentos, que deixem muito claro que o se
busca é um benefício equilibrado", garantiu.
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