Ex-presidente perdeu um pouco de popularidade e recebeu respingos de
investigações
Porém, o carisma e o capital político de Luiz Inácio Lula da Silva
continuam fortes
A angústia de Lula,
segundo Mujica
ANTONIO JIMÉNEZ BARCA São Paulo 16 MAY 2015 -
19:52 BRT
EL PAÍS – O JORNAL GLOBAL
FERNANDO
VICENTE
Há poucos dias, num comício na cidade de Rio Branco, capital do Acre,
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu ao lado das
autoridades locais. Uma moradora contrária ao Partido dos Trabalhadores ficou
assombrada não só pelo delírio que Lula despertou na rua, mas pelo número de
pessoas que, simplesmente por vê-lo e ouvi-lo de perto, começavam a chorar de
pura emoção.
O trabalhador sem instrução que perdeu o dedo mínimo numa fábrica de
parafusos quando tinha 18 anos e foi presidente do Brasil entre 2003 e 2010
está afastado do poder há cinco anos, mas não perdeu sua aura de mito vivo
entre os brasileiros. Especialmente entre os que menos têm. E não é só isso.
Além de servir como referência para a esquerda do país, Lula é bastante ativo e
ainda conta muito na suculenta e abjeta política cotidiana, à qual um ex-líder
sindical como ele não está disposto a renunciar em troca da insípida
estratosfera da história.
Nesta mesma semana, ele se reuniu em Brasília com o
presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB , para tentar desobstruir o
relacionamento frio dele com a presidenta, Dilma Rousseff, e, assim,
tentar desbloquear a hostilidade do Parlamento brasileiro com o Governo.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, nesta passagem por Brasília
ele foi visto um pouco abatido -algo que é estranho para ele-, não muito
confiante nem no curso econômico adotado por Rousseff para o país superar a
crise nem na deriva perigosa que está tomando o caso Petrobras. "Não estou
numa fase muito boa", chegou a dizer, em resumo, de acordo com a
publicação.
Que Lula atue como bombeiro em um incêndio institucional do PT não é
novidade. Na verdade, quando as coisas ficam feias, Rousseff joga a última
carta, à qual não gosta muito de recorrer: a de Lula, com quem ultimamente não
tem se entendido muito bem. Isso aconteceu em outubro de 2014, na reta
final do segundo turno das eleições presidenciais e Dilma, que disputava o
segundo mandato, estava empatada nas pesquisas. Lula, até então um tanto
ausente na campanha, envolveu-se a fundo e animou alguns comícios graças ao
talento de orador desenfreado (“Antes o pobre só comia frango e nunca sonhava
em viajar de avião”), à capacidade algo demagógica para pisar o calo mais
dolorido do adversário (“Eles só se lembram de vir a estas regiões pobres para
descansar nas praias nos fins de semana, como filhos de papai que são”), ao
magnetismo pessoal e à habilidade inata para entrar em sintonia com quem tiver
pela frente, seja um lavrador miserável do deserto do sertão ou Chico
Buarque em pessoa.
Ultimamente, porém, sua popularidade sofreu junto com a da presidenta
Dilma, ambos arrastados pela crise econômica que mina o país e pelos escândalos
de corrupção que enlameiam boa parte da vida política brasileira. O próprio Lula
foi acusado pelo principal delator do milionário caso de subornos da
Petrobras de conhecer toda a trama. Mas não há nenhuma prova. Além disso,
recentemente se tornou público que a Procuradoria Geral da República cogita
investigar o papel do ex-presidente nos negócios internacionais da
gigantesca construtora brasileira Odebrecht, para a qual Lula desempenhou o
papel de intermediário. Seus defensores dizem que o objetivo final de muitas
dessas denúncias é reduzir o capital político que o ex-presidente ainda detém.
Tudo o que rodeia Lula se polariza no Brasil. No site do instituto que
leva seu nome foi criada uma seção para conjurar os falsos rumores mais
frequentes e prejudiciais à sua figura: que apareceu na primeira página da
revista Forbes como o homem mais rico do país ou que tem
câncer de pâncreas –ele já venceu um de garganta– ou mesmo que está morto.
Lula nasceu em 1945, em uma família quase miserável de Pernambuco, de
sete irmãos, cujo pai, violento, distante e irascível, abandonou quase à
própria sorte durante um tempo em uma casa sem água, sem cadeiras e mesas.
Quando tinha sete anos, com a mãe e os irmãos, migrou, como muitos milhares de
pobres do Nordeste, ao Estado de São Paulo. Por um tempo eles ficaram alojados
nos fundos de um bar alugado por um parente, dividindo o banheiro com os
fregueses. Foi vendedor ambulante, engraxate, balconista em uma loja e,
finalmente, aos 14 anos, operário de uma fábrica. Aos 19, depois de perder um
dedo no torno, entrou no sindicato. Organizou greves, foi preso durante a
ditadura e, em 1980, com um grupo de sindicalistas e intelectuais, fundou
o Partido dos Trabalhadores (PT). Disputou a presidência em três
fracassadas ocasiões. Venceu na quarta, em 2002. No início de sua carreira
política, em um debate na televisão, foi perguntado sobre sua ideologia: “Mas,
enfim, o que você é? Comunista, socialista ou o quê?” Ele respondeu: “Sou
torneiro mecânico”.
Ele sempre soube falar com os pobres, porque veio de onde veio. Mas logo
aprendeu a falar com os ricos: uma de suas primeiras viagens oficiais foi para
o Fórum de Davos, aonde chegou diretamente procedente do alternativo Fórum
Social Mundial, em Porto Alegre, numa viagem que foi uma declaração de
princípios. Lá, um membro da delegação brasileira lembrou que, quando
perguntado como eram compatíveis Porto Alegre e Davos, ele disse: “Eu fiz
muitas greves contra os senhores, mas quando em seguida eu me punha a negociar
sempre sabia que havia mais coisas que nos uniam do que nos separavam”. Durante
seus dois mandatos, o Brasil cresceu em média 4% e mais de 30 milhões de
pessoas –em um país de 200 milhões–, saíram da pobreza e começaram a pagar
impostos e a se integrar ao sistema.
É verdade, lembram os críticos, que para tanto se apoiou na crucial
reforma monetária de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, e usou um
modelo, o de estimular o crédito para as famílias, que agora sofre de exaustão.
E que se cercou de colaboradores próximos que depois foram acusados de corruptos.
O último, o tesoureiro do PT, João Vaccari, amigo pessoal desde os tempos duros
do sindicato, foi preso recentemente sob a acusação de receber subornos para o partido
e para ele no emaranhado putrefato da Petrobras.
Muitos
especialistas o veem como o próximo candidato a presidente em 2018. Seria sua
sexta eleição presidencial. Pesquisas eleitorais recentes o colocam na frente,
empatado com Aécio Neves, o candidato do partido de oposição, o PSDB, nas
últimas eleições. Inclusive, algo abatido. Eterno Lula.
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