História
A cidade, Patrimônio da Humanidade da Unesco, está ameaçada pelo Estado
Islâmico
Estado Islâmico ameaça joia
arqueológica de Palmira na Síria
GUILLERMO ALTARES Madri 18 MAY 2015
Ruínas de Palmira, em março de 2014. / JOSEPH EID (AFP)
Na antiga
Palmira, os deuses romanos eram venerados, mas também deidades milenares
orientais, como Baal, a quem todos os povos do Oriente prestavam culto, ou o
mesopotâmico Nebu. As ruínas da cidade
de Palmira, que agora estão ameaçadas pelos jihadistas fanáticos do Estado
Islâmico, representam uma amostra única do cruzamento de culturas da
Antiguidade. Na fronteira de Roma, em plena rota das caravanas, era um oásis
onde se uniam as tradições do Oriente e do Ocidente.
Como
escreveu o historiador britânico Tom Holland, autor do revelador
livro À sombra das espadas, sobre o Oriente no século V, “Palmira é
a expressão mais bela da mescla de culturas da antiguidade no Oriente Próximo
da qual acabaria por nascer o Islã”. Em sua conta do Twitter, Holland exorta a
mítica rainha de Palmira, Zenóbia, “a despertar de seu sono nesta hora de
desespero e salvar sua cidade”.
As forças
do Estado Islâmico (EI) provocaram danos irreparáveis em muitos
campos arqueológicos que estão em seu território — os especialistas não sabem
ao certo o que foi destruído pelo vídeo gravado como propaganda e o que estão
roubando para vender no mercado clandestino de antiguidades para se financiar.
Cidades cujos nomes estão sendo pronunciados há milênios pela humanidade, como
Apamea, Nínive, Hatra e Ninrud, sofreram enormes danos devido à campanha de
terror que busca aniquilar cristãos e yazidis.
Se
chegassem a tomar Palmira, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em
1980 e situada a 215 quilômetros a noroeste de Damasco, o dano arqueológico
seria simplesmente inimaginável, como se à mercê do EI estivessem o aqueduto de
Segóvia, Pompeia ou os fóruns imperiais de Roma. Ainda que parte de suas peças
se encontrem fora de Síria —o Museu do Louvre tem uma coleção importante, que
inclui o relevo de Maliku ou a tríade divina de Baal—, a informação que
Palmira ainda pode oferecer é imensa e, sobretudo, a beleza das ruínas é única.
A antiguidade não deixou nenhuma cidade equivalente.
“A fama de
Palmira se construiu sobre o comércio, como um oásis que oferecia refúgio aos
viajantes e também como parada para as rotas comerciais que cruzavam o deserto.
Especiarias, metais preciosos, escravos... Tudo passava por aqui para
satisfazer o apetite insaciável de Roma”, escreve o historiador Philip Parker
em The Empire stops here (O Império para aqui), uma
viagem pelas fronteiras de Roma. “Palmira é uma cidade do deserto, que estava a
300 quilômetros no interior da areia, cuja riqueza se baseava em sua capacidade
de suprir as necessidades básicas dos viajantes: descanso e água. Seu nome não
poderia ser mais romântico e sintetiza a concepção ocidental do Oriente. Agora
a viagem leva apenas quatro horas, mas em tempos de Roma levava dias. Foi uma
cidade de fronteira entre Roma e o Império Parta, onde se trocavam bens e
informação. Seus habitantes tiravam benefícios das duas coisas”, prossegue
Parker.
Seu nome
antigo, Tadmur (continua sendo a denominação oficial em árabe), a “cidade das
tâmaras”, aparece nos arquivos assírios do ano de 800 antes de nossa era, e foi
conquistada por Alexandre Magno em torno do ano 330 a.C. Mesmo fazendo parte do
Império Romano, sempre gozou de um estatuto especial. Como escreve a
Unesco em sua justificativa para a concessão do Patrimônio da Humanidade: “Palmira
cresceu como uma cidade crucial nas rotas comerciais que uniam Pérsia, Índia e
China com o Império Romano e se transformou em um cruzamento de caminhos de
várias civilizações do mundo antigo”. O organismo cultural da ONU destaca sua
colunata de 1.100 metros que forma o eixo da cidade, o templo de Baal, a ágora,
o acampamento de Diocleciano, o teatro, os bairros civis, e também as amostras
únicas de arte funerária, que misturam o estilo greco-romano com o persa.
A Unesco
também destaca as “imensas necrópoles” e os restos de um aqueduto romano nos
arredores da cidade. Segundo o organismo, sua redescoberta pelo Ocidente nos
séculos XVII e XVIII, depois de ser visitada por viajantes britânicos como
Robert Wood, resultou em uma influência arquitetônica enorme no estilo
neoclássico.
Sua decadência
começou no século III de Nossa Era quando, em meio às hostilidades entre os
impérios parta e romano, Palmira, sob o comando da rainha Zenóbia, se
transformou em capital de um império que abrangia a atual Síria e que chegou
até o Egito. No entanto, a rainha acabou por ser derrotada e enviada a Roma
como refém. Que sua lenda tenha chegado até nós é uma prova a mais da
resistência da velha cidade das caravanas, cujo destino agora está por um fio.
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