Rio São Francisco
Por
Vitor
Hugo Soares,
O autor é jornalista baiano
Foram
marcantes os gritos, cantorias, manifestações e movimentos - silenciosos ou
barulhentos e à margem das influências nefastas de custosas campanhas
eleitorais - promovidos quarta-feira, 03/06, Dia Nacional em Defesa do Rio São
Francisco: milagre da natureza apelidado de Velho Chico, que definha a olhos
vistos.
Fato
emblemático e de inquestionável interesse público (apesar da pouca atenção e da
baixa repercussão nas chamadas grandes mídias regional e nacional).
Principalmente ao retratar, prática e simbolicamente, a última década da vida
política, social e administrativa do Nordeste e do País. Digamos assim, para
sintetizar: do jeito Lula/PT de governar em tempos faraônicos de maré montante.
Dilma (o apêndice de uma era) também, evidentemente, na etapa atual de penúria
financeira e de mediocridade administrativa de um governo que, a exemplo do
rio, também estiola a céu aberto. Sem projetos, sem rumo, sem força e quase já
sem fôlego.
"O
tempo passa, o tempo voa", dizia a modinha da caderneta de poupança de um
então poderoso banco privado nacional, ao gargantear sua força e solidez,
apoiada no engodo da propaganda sem lastro, praticamente nenhum, de verdade.
Morreram
banco e poupança. Restou a memória da cantiga marqueteira, como a batucar na
cabeça: é preciso lembrar, "porque o esquecimento é o caminho mais curto
para repetir tudo outra vez”. Recordemos, então, pelo menos em defesa do que
ainda resta e pode ser salvo no leito e às margens do cada vez mais combalido,
maltratado e atraiçoado São Francisco, o rio da minha aldeia.
Na verdade,
para usar expressão bem ao gosto do gaúcho Leonel Brizola – um dos mais ácidos
e saudosos críticos do ex-presidente Lula e de suas mirabolantes invenções na
política e na administração pública – a ideia da transposição das águas do São
Francisco "vem de longe". Para ser exato, remonta a 1847, no tempo do
Império, quando quem mandava no Brasil era Dom Pedro II. Passou depois pela
cabeça de outros mandatários (Getúlio Vargas, João Baptista de Figueiredo,
Itamar Franco, FHC). Mas todos eles refugaram a aventura, com inúmeros e
notórios ingredientes para fracassar.
A
começar pelo conflito sem tamanho do poderoso jogo de interesses (políticos,
econômicos, sociais e governamentais) envolvidos na questão. Em especial quanto
à preservação ambiental e a utilização das águas desviadas do leito natural do
rio.
Em
2004/05, porém, período das vacas gordas do primeiro mandato do governo petista
(e de pesquisas de aprovação popular que só faziam crescer), dinheiro de órgãos
públicos de financiamento e de estatais "dando sopa" para bancar todo
tipo de megalomania aventureira, Lula decidiu bancar, de fato, a transposição.
Para
encurtar esta história, que é longa e tem passagens impróprias para menores: no
começo da execução do projeto, as obras foram orçadas em R$ 4,8 bilhões (2007).
Atualmente pulou para R$ 8,2 bilhões. Reajustes contratuais, em geral
destinados a atender aos apetites insaciáveis de grandes empreiteiras,
aumentaram em 30% o custo inicial, entre 2007 e 2012. Mas contribuiu
decisivamente, no Nordeste, para o marketing eleitoral na conquista do segundo
mandato de Lula e nas votações avassaladoras de Dilma no primeiro mandato e na
reeleição recente.
Esta
semana, em vigorosa série de reportagens publicada a partir de 31/5, sobre a
degradada situação do Velho Chico, o diário mineiro revela com coragem e
precisão um quadro inquietante: "seca, assoreamento, poluição e descaso,
entre Minas, Bahia e Pernambuco", diz trecho da reportagem na sua
apresentação.
Impossível,
também, antes do ponto final, não lembrar das duas greves de fome do bispo, da
diocese baiana da Barra, D. Luiz Flávio Cappio, em Cabrobó, marco zero do
canteiro de obras da transposição. A segunda delas, com a presença e apoio
decidido e generoso da atriz Letícia Sabatella. Mais corajosa e forte denúncia
nacional sobre a perversa encenação política, social e governamental que então
se desenhava.
"Este
projeto de transposição, em vez de democratizar a água, visa a segurança
hídrica desta água do Rio São Francisco nos açudes e perenizar os rios para os
projetos agroindustriais. Por isso, nós somos contrários ao projeto",
dizia então o religioso. Anos depois, ao participar em Berna (Suíça) de um
encontro mundial de defesa da água, em entrevista ao Suicinfo.com, o religioso
foi mais enfático ao demonstrar sua indignação:
"'O
grande objetivo dos grandes projetos governamentais, tipo transposição do Rio
São Francisco, é um objetivo corrupto, de angariar fundos para as eleições
deste ano. Se o projeto vai adiante ou não, não é importante para o governo
brasileiro porque o objetivo já foi alcançado: obter fundos para as eleições de
2010". E depois? Responda quem souber.
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