Fernando Gabeira
A presidente foi traída pela delação.
Passei a semana navegando pela costa do Maranhão, caprichosamente desenhada
pelo mar. São as Reentrâncias Maranhenses, e as percorri já dentro dos limites
da Amazônia Oriental. Meu objetivo era o arquipélago de Maiau. Ao chegar mais
próximo dele, o nome das cidades já tem um traço indígena: Cururupu, Apicum
Açu. Deixei para trás uma grande crise política. Na Ilha dos Lençóis, consegui
ver com os nativos alguns noticiários de tevê. Impressionou-me o impacto da
Bolsa Família nessas ilhas maranhenses: a maioria dos habitantes ganha salário
do governo.
Quando as notícias eram sobre
corrupção na Petrobras eles associavam seu lamento à situação da saúde pública:
tanta gente precisando, os hospitais caindo aos pedaços. A tese de Dilma de que
não respeita os delatores, comparando-os aos que trocaram de lado no período da
ditadura, entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
O que penso sobre isso ficou claro
num artigo que escrevi, criticando a má-fé dos que comparam os delatores
premiados a Judas e Joaquim Silvério dos Reis.
Na Ilha dos Lençóis não existe
polícia, nem uma cultura antipolicial. Os problemas são resolvidos pela
comunidade. Um criminoso jamais pode fugir porque da ilha só se sai de barco e,
passando a voz, os barqueiros se recusam a tirá-lo de lá.
Considero uma farsa comparar um
empresário que enriquece com a Petrobras com os militantes que deserdaram na
luta armada. Naquela época havia tortura. A denúncia, por mais condenável,
visava à preservação física. E havia também um compromisso coletivo de tudo
fazer para preservar a vida e a liberdade dos companheiros soltos. Será que
Dilma considera o grupo de empresários que manobrava as licitações na Petrobras
companheiros que devam resistir a tudo para salvar os outros e o projeto do
socialismo? Será que considera que o grupo mafioso formado por políticos e
milionários tinha nosso mesmo objetivo pretérito: o socialismo, a ditadura do
proletariado? Não acredito que ela coloque os interesses nacionais de uma
investigação no mesmo nível das torturas e prisões do período militar.
Ela não é tão pouco inteligente
assim. Como comparar um sonho, ainda que equivocado, de transformação social,
com o propósito puro e simples de roubar a maior empresa estatal? Será que ela
considera todo o núcleo desbaratado e preso pela Polícia Federal uma célula
transformadora, com outros objetivos além de enriquecer e se perpetuar no
poder? Não acredito que ela confunda a VAR- Palmares com o Clube dos Empreiteiros.
Nem que ela considere o Ricardo Pessoa aquele Bom Burguês, um homem rico que
ajudava o MR8.
O lugar onde estou é muito louco.
Dunas intermináveis, o vento forte, a crença de que o Rei Dom Sebastião, morto
em 1578, em Alcacer Quibir, está enterrado aqui com seu cavalo branco e todas
as joias que conseguiu trazer. No entanto, pareceu-me uma loucura maior uma presidente do Brasil
dizer, nos EUA, com todas as letras, que não respeita delator, assim de forma
abstrata, como se colaborar com a polícia fosse uma das maiores baixezas
humanas. Se a mensagem que Dilma e o PT querem transmitir de que o roubo na
Petrobras se equivale à resistência armada e de que a corrupção é apenas uma
continuidade no combate ao capitalismo, tenho razões para protestar.
Escrevi muita coisa criticando a luta
armada. Estou cansado de tocar no assunto. Infelizmente, tenho de voltar a ele
por uma questão de justiça: a resistência era feita por idealistas. Mesmo
quando se assaltava um banco, arriscava-se a vida. O dinheiro, ao que me
consta, não era tocado por indivíduos mas destinado à organização. Os assaltos
eram feitos com declarações políticas inequívocas. Ninguém enriqueceu. Pelo
contrário: os que não aderiram ao PT têm grandes dificuldades, como todos os
brasileiros.
Dilma atua, nesse caso, talvez
inspirada pelos marqueteiros, como uma
cafetina da luta armada. Tenta justificar um assalto aos
cofres públicos desqualificando os assaltantes que se arrependeram e querem
devolver o dinheiro ao país. No seu discurso, acusados pelo rombo na Petrobras,
ela, Lula e os tesoureiros que ainda estão soltos substituem os idealistas da
resistência.
Ninguém deve ter acreditado no
argumento de Dilma. Vejo que seu índice de rejeição está nas alturas. Não
pretendia voltar ao tema, mas ele introduz uma novo atalho para a impunidade.
Sabe com quem está falando? No passado, descobertas no crime, autoridades se
escudavam no poder. Na versão atual, mistificadores escondem-se atrás do
próprio passado.
Alguns presos do mensalão entraram de
punho erguido na cadeia. Eles queriam dizer que a prisão era apenas a
continuidade de sua luta. Dilma achou a maneira simbólica de erguer o punho, ao
ser revelado o elo do petrolão com sua campanha. Foi traída pela delação. Mesmo
quando arruínam o país, querem passar por incompreendidos salvadores.
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