Economia global: crise chinesa
Debilidade prejudica as cotações de produtos como ouro, ferro, soja,
petróleo e cobre.
O ouro, um caso diferente: valor
refúgio influenciado pelos juros
IGNACIO FARIZA, 27 JUL 2015
El PAÍS – O JORNAL GLOBAL, FACEBOOK
O mundo
desenvolvido entrou na Grande Recessão com as matérias-primas em
máximos históricos e sai da crise com as commodities em níveis de mais de uma
década atrás. O Bloomberg Commodity Index, que mede a variação de
toda espécie de matérias-primas, do ouro, petróleo e gás natural ao milho,
soja, ferro e cobre, caiu quase 11% em 2015. Diversos especialistas consultados
indicam várias razões para explicar essa queda brusca – a fortaleza do dólar e
a próxima elevação dos juros nos EUA –, mas estão de acordo com uma no topo da
lista: os sinais de fragilidade emitidos pela economia chinesa.
“Após analisar todas as opções chegamos à
inevitável conclusão de que essa mina chegou ao seu final”. Há menos de duas
semanas o executivo-chefe da Kumba, um dos maiores produtores mundiais de
ferro e filial da multinacional Anglo American, explicou dessa forma o
fechamento da mina de Thabazimbi (norte da África do Sul) após 84 anos de
atividade. Paralelamente, a 11.000 quilômetros de distância, os gestores das
minas de carvão da Abel e Austar (sudeste da Austrália) anunciaram grandes
cortes de pessoal e uma redução drástica de sua produção como antessala ao seu
mais do que provável fechamento. As duas decisões, aparentemente desconexas,
têm uma origem comum: a queda nos preços das matérias-primas.
O que
existe por trás dessa queda? A visão dos analistas consultados tem, com
variações, um denominador comum. “A China é o maior consumidor mundial de
matérias-primas e suas oscilações internas afetam o resto”, explica Gabriel
Stein, da Oxford Economics. “Existe uma preocupação sobre o crescimento da
economia chinesa”, acrescenta Ole S. Hansen, chefe de matérias-primas do Saxo
Bank. As mostras de “debilidade” da segunda maior economia global, que compra e
processa matérias-primas para transformá-las em produtos que depois vende a
meio mundo, acrescidas pelas recentes quedas em suas Bolsas “derrubaram o
mercado”, diz Dan Smith. Esse analista independente descarta, entretanto,
que a economia chinesa tenha entrado “em colapso”, já que neste caso os
mercados de matérias-primas teriam afundado. E recomenda utilizar como
termômetro a evolução recente do cobre, nos menores preços em seis anos. “A
queda foi forte, mas em relação a outros momentos da história recente o preço
continua sendo relativamente alto”.
Nicholas J.
Johnson, vice-presidente executivo e responsável pelas matérias-primas da companhia
de investimentos Pimco reconhece a debilidade da demanda chinesa, mas a
atribui à transição de uma economia orientada ao investimento e à produção –
intensiva em commodities – à outra baseada no consumo. E opta por buscar outras
explicações além do gigante asiático. “É preciso levar em consideração a
fortaleza do dólar, que tem um efeito importante”. Eugen Weinberg, do Commerzbank,
é da mesma opinião.
Nitesh
Shah, analista da ETF Securities, afirma sem rodeios que a queda dos
preços tem origem no próprio funcionamento do mercado – “o excesso de oferta e
a percepção de que a demanda se manterá frágil está por trás disso” –, mas
alerta que o mercado “ignora” as boas notícias econômicas, como o acordo com o
notável desempenho recente da UE. “Continua sendo teimosamente pessimista pela
acumulação de anos de baixo rendimento”, explica.
Essa queda
das matérias-primas se traduz em dificuldades para os países exportadores. Nos
últimos meses as turbulências derivadas dessa queda sacudiram meio globo: desde
o Brasil e o Chile, onde o menor valor das exportações desembocou em uma forte
retração de suas economias, à Austrália e Nova Zelândia, cujos bancos centrais
lutam sem trégua contra a paralisia econômica abaixando os juros. “É um
problema sério para eles”, afirma Stein, da Oxford Economics.
O efeito
dominó alcançou também as divisas desses países, em sua maioria emergentes.
Após uma década dourada, levadas pelo aumento do preço do petróleo, ferro,
cobre, carvão e alimentos, as moedas desse grupo de Estados sofreram severas
quedas em 2015: o real brasileiro caiu quase 20% frente ao dólar, o peso
mexicano caiu 8% e o chileno 7%.
Nesses sete
meses somente o rublo russo resistiu, valorizando 5% após um 2014 de forte
retrocesso e somente depois de seu banco central decretar a maior elevação de
juros desde a crise de 1998. “A desvalorização de suas moedas ajuda esses
países a recuperar competitividade, mas não é o remédio. Nada faz pensar que
essa tendência irá mudar”, conclui Chris Weston, estrategista chefe
da IG Markets.
O caso do ouro, que caiu mais de 8% em 2015 e que
já está cotado nos menores preços em cinco anos e meio, tem pouca relação com o
restante das matérias-primas. Diferentemente dessas, que têm uso industrial ou
econômico, o ouro é fundamentalmente um valor refúgio. “Não oferece nenhum
retorno e o investidor depende de que seu valor suba no mercado”, lembra
Gabriel Stein, da Oxford Economics. Em um momento como o atual, no qual as
dúvidas sobre a lenta melhoria das economias ocidentais começam a se dissipar e
os bancos centrais contam os dias para elevar os juros, os investidores buscam
alternativas para encontrar uma rentabilidade maior.
Stein acrescenta
uma razão puramente monetária para explicar a queda: “O ouro protege contra a
deflação e contra a debilidade do dólar. Quanto mais a moeda norte-americana
sobe [não tinha cotação tão alta frente ao euro desde 2003], mais o ouro
deveria baixar”. Nic Johnson, vice-presidente da Pimco, acredita que a correção
continuará à medida que os juros saiam dos níveis atuais, historicamente
baixos. “O mercado reagiu tarde; acredito que ainda irá continuar em baixa”,
enfatiza.
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